Encontrou-a
apoiada em um nodoso carvalho, com a cabeça inclinada. Joseph se deteve, não
desejando invadir sua intimidade. Demétria estava chorando. Joseph a contemplou
enquanto tirava lentamente sua capa e a deixava cair ao chão, e então entendeu
a verdadeira razão de sua aflição. O lado esquerdo de seu vestido estava
rasgado até a prega, e estava empapado de sangue.
Joseph
não se deu conta de que tinha gritado até que Demétria deixou escapar um gemido
de terror. Não tinha forças para se afastar dele, e tampouco resistiu quando
Joseph a obrigou a separar suas mãos da coxa, ajoelhando-se junto dela.
Quando
Joseph viu a ferida, encheu-se de tanta raiva que suas mãos tremeram, enquanto
ele afastava a roupa. O sangue que havia secado em cima da ferida fez com que
separá-lo da roupa se convertesse em uma tarefa muito lenta. As mãos de Joseph eram
grandes e torpes, e, além disso, estava tentando ser o mais delicado possível.
A
ferida era profunda, quase tão longa como o antebraço de Joseph, e estava
coberta de terra. Teria que ser limpa e costurada.
-
Ah, Demétria - murmurou Joseph com voz subitamente enrouquecida -. Quem fez
isto com você?
Sua
voz tinha sido como uma cálida carícia, e sua simpatia era evidente. Demétria
sabia que voltaria a chorar, outra vez, se Joseph voltasse lhe mostrar alguma
bondade. Sim, então o controle que exercia sobre si mesma, iria se partir como
um dos frágeis ramos que ela agora agarrava.
Demétria
não permitiria que isso acontecesse.
-
Não quero sua simpatia, Joseph. - Ergueu os ombros e tratou de despedi-lo com o
olhar -. Afaste suas mãos de minha perna. Não é decente.
Joseph
ficou tão surpreso por aquela súbita exibição de autoridade que quase sorriu.
Logo elevou o olhar e viu o fogo que ardia nos olhos de Demétria, e então soube
o que ela estava tentando fazer. O orgulho se converteu em sua defesa. Já tinha
percebido o quanto Demétria valorizava seu controle.
Voltou
a baixar o olhar para sua ferida, e viu que não era grande coisa o que poderia
ser feito com ela naquele momento. Então decidiu deixar que Demétria assumisse
o controle.
Joseph
forçou uma voz rouca quando se levantou e respondeu:
-
Não obterá nenhuma simpatia de mim, Demétria - disse-lhe -. Sou como um lobo.
Não suporto as emoções humanas.
Demétria
não respondeu, mas aquele comentário fez com que ela arregalasse os olhos.
Joseph sorriu e voltou a se ajoelhar junto dela.
-
Deixe-me em paz - disse Demétria.
-
Não - replicou Joseph suavemente e, desembainhando sua adaga, começou a cortar
uma larga tira do vestido de Demétria.
-
Está estragando meu vestido - murmurou ela.
-
Pelo amor de Deus, Demétria, seu vestido está estragado - respondeu Joseph.
Depois
envolveu a coxa de Demétria com a tira de tecido empregando a máxima delicadeza
possível. Estava terminando de atar um nó quando ela empurrou seu ombro.
-
Está-me fazendo mal - disse, odiando a si mesma por admiti-lo. Maldição, ia
chorar.
-
Não é verdade - disse ele.
Demétria
engasgou, esquecendo-se tudo sobre chorar. O comentário de Joseph a deixou
furiosa. Como se atrevia a contradizê-la! Quem estava sofrendo era ela.
-
Sua carne precisará de fio e agulha - observou Joseph.
Demétria
deu-lhe um tapa no ombro que estava mais perto, quando ele ousou dar de ombros
sobre o comunicado.
-
Ninguém vai usar uma agulha em mim.
-
Você é uma mulher que gosta de contrariar, Demétria - disse Joseph enquanto se
inclinava para recolher sua capa. Depois envolveu seus ombros com ela e a pegou
nos braços, tendo muito cuidado de proteger sua ferida.
Demétria
rodeou instintivamente seu pescoço com os braços, ao mesmo tempo em que pensava
arrancar seus olhos com as unhas pela forma grosseira com que ele a estava
tratando.
-
Você é o quem sempre está contrariando tudo, Joseph - disse-lhe -. Eu sou uma
moça de temperamento muito doce e carinhoso que você tentaria destruir se eu
desse a oportunidade de fazê-lo. E juro Por Deus que esta é a última vez que
vou lhe dirigir a palavra.
-
Ah, e, além disso, é tão honrada que jamais faltaria com sua palavra. Não é
assim, lady Demétria? - perguntou, enquanto a levava de volta a seus homens que
os esperavam.
-
Isso mesmo - respondeu Demétria imediatamente. Fechou os olhos e se apoiou em
seu peito -. Sabia que tem o cérebro de um lobo? E os lobos têm um cérebro
muito pequeno.
Demétria
estava muito cansada para levantar o olhar e ver como Joseph reagia aos
insultos que lhe dirigia. Enfureceu-se intimamente ante a maneira com que ele a
tratava, e de repente compreendeu que estava agradecida por aquela atitude tão
fria. De fato, Joseph tinha conseguido colocá-la furiosa o suficiente para que
se esquecesse de sua dor. Além disso, havia outra coisa igualmente importante
que era a falta de compaixão de Joseph, que a ajudava a superar o impulso de
desmoronar e voltar a chorar diante dele. Chorar como uma criança não seria
digno, e para Demétria tanto a dignidade como o orgulho eram dois mantos que
ela sempre usava. Perder qualquer um seria muito humilhante. Demétria se
permitiu um pequeno sorriso, confiante de que Joseph não podia vê-la. Joseph
era realmente estúpido, porque acabava de salvar o orgulho de Demétria e ele
nem sequer sabia.
Joseph
suspirou. Demétria acabava de quebrar sua promessa ao falar com ele. Joseph não
sentiu nenhuma vontade de assinalar aquele fato, mas isso o fez sorrir da mesma
forma.
Queria
obter detalhes de Demétria, saber como tinha sido ferida e pela mão de quem.
Não podia acreditar que algum dos seus homens tivesse lhe feito mal, mas os
homens de Sebastian também teriam tentado protegê-la, não?
Joseph
decidiu que iria esperar antes de conseguir suas respostas. Antes de mais nada,
precisava controlar sua ira, e agora Demétria precisava cuidados e descanso.
Lidar
com Demétria era difícil. Joseph não era um homem que tivesse o costume de
esconder sua ira. Quando ele era injustiçado, ele atacava. Mas mesmo assim,
tinha entendido quão perto Demétria estava de desmoronar. Ter que contar o
ocorrido a deixou perturbada, naquele momento.
Quando
reiniciaram a caminhada, Demétria conseguiu encontrar um alívio para sua dor,
aconchegando-se ao peito de Joseph. Sua face descansava debaixo do queixo dele.
Demétria
voltava a se sentir segura. A maneira em que reagia à presença de Joseph a
confundia. No fundo de seu coração Demétria admitia que Joseph não se parecia
em nada com Sebastian, mas antes levar essas palavras a seu leito de morte que dizê-las
a Joseph. Afinal de contas, continuava a ser sua prisioneira, sua isca para ser
usada contra seu irmão. No entanto, na realidade, não o odiava. Joseph se
limitava a retaliar as ações de Sebastian, e ela estava presa entre os dois.
-
Sabe que vou escapar.
Demétria
não percebeu que havia falado em voz alta até que Joseph respondeu.
-
Não o fará.
-
Enfim, estamos em casa! - gritou Nicholas.
Seu
olhar era dirigido a Demétria. A maior parte do rosto dela estava escondido,
mas o que Nicholas podia ver dele mostrava uma expressão muito tranquila.
Pensou que possivelmente estivesse adormecida e agradeceu. Para falar a
verdade, Nicholas não sabia como deveria agir com lady Demétria agora. Estava
em uma posição condenadamente incômoda. Ele a tinha tratado com desprezo. E
como ela o retribuiu? De fato, salvando sua vida! Nicholas não conseguia
entender por que Demétria tinha ido ajudá-lo e desejava perguntar-lhe, mas não
o fez, porque tinha a sensação de que não iria gostar da resposta.
Quando
Nicholas viu os muros se elevando ao céu diante deles, ele cutucou seu cavalo à
frente de Joseph de modo que ele poderia ser o primeiro a entrar no pátio
interno. Pelo costume e a tradição, Joseph escolheu ser o último de seus homens
na hora de entrar na segurança proporcionada pelos grossos muros de pedra. Os
soldados gostavam daquele ritual, porque lembrava a cada um deles que seu
senhor colocava suas vidas acima da dele própria. Embora cada homem tivesse
jurado lealdade ao barão de Wexton, e cada um respondesse de boa vontade ao
chamado para unir-se a ele em batalha, cada um também sabia que podia contar
com seu senhor para obter amparo.
Era
uma aliança muito útil que tinha o orgulho por raiz. Graças a ela, cada homem
também podia alardear ser um dos soldados de elite de Joseph.
Os
homens de Joseph eram os soldados mais treinados de toda Inglaterra. Joseph
atribuía seu sucesso por infligir desafios que homens comuns teriam considerado
impossíveis de cumprir. Seus homens eram tidos por serem poucos requeridos, mas
quando realizou uma contagem tinha um total de quase seiscentos deles, e todos
eram chamados a cumprir os quarenta dias de serviço que ele exigia. Seu poderio
era reverenciado e comentado em sussurros por aqueles que não chegavam a sua
altura, e suas proezas, de considerável força física, eram narradas sem que
houvesse nenhuma necessidade de exagero para animar o relato. A verdade já era
suficientemente interessante por si só.
Os
soldados eram um reflexo dos valores daquele que os comandava, um nobre que
brandia sua espada com muito mais precisão do que todos aqueles que o
desafiavam. Joseph de Wexton era um homem a ser temido. Seus inimigos já tinham
desistido de tentar descobrir seus pontos frágeis. O guerreiro não mostrava
nenhuma vulnerabilidade. Tampouco parecia estar interessado no que o mundo
podia lhe oferecer. Não, Joseph nunca fez do ouro sua segunda amante, assim
como tinham feito outros de sua classe. O barão de Wexton não apresentava
nenhum calcanhar de Aquiles ao mundo exterior. Era um homem de aço, ou pelo
menos assim, tristemente, acreditavam todos aqueles que lhe desejavam algum
mal. Era um homem que não tinha consciência, um guerreiro que não tinha
coração.
Demétria
sabia muito pouco a respeito da reputação de Joseph. Sentia-se protegida quando
estava em seus braços e via nos soldados que passavam por eles. Ela sentia
certa curiosidade pela maneira com que Joseph estava esperando.
Então
voltou sua atenção para a fortaleza que havia diante ela. A colossal estrutura
se elevava sobre uma colina nua, sem o benefício de uma única árvore que
proporcionasse algum tipo de alívio à seriedade. Um muro de pedra cinza
circundava a fortaleza; devia ter pelo menos duzentos metros de comprimento de
um extremo a outro. Demétria nunca tinha visto nada tão imponente. O muro era
alto o bastante para que chegasse a roçar na brilhante lua, ou ao menos isso
foi o que pareceu a Demétria. Podia ver parte de uma torre circular
sobressaindo de seu interior, tão alta que seu arremate ficava escondido pelas
espessas nuvens.
O
caminho que levava à ponte levadiça se curvava como o ventre de uma serpente ao
longo da escarpada subida. Depois do último de seus homens deixar para trás as
pranchas de madeira que atravessavam o fosso, Joseph fez avançar sua montaria.
O cavalo estava impaciente par chegar a seu destino, e empinou com um nervoso
passo lateral que sacudiu a coxa de Demétria o suficiente para que voltasse a
doer. Demétria fez uma careta ao sentir a pontada, sem perceber que estava
apertando o braço de Joseph.
Ele
soube que Demétria sentia dor. Baixou o olhar para ela, viu sua expressão de
cansaço e torceu o rosto.
-
Logo poderá descansar, Demétria. Aguente só um pouquinho mais - murmurou-lhe
com a voz enrouquecida pela preocupação.
Demétria
assentiu e fechou os olhos.
Quando
chegaram ao pátio, Joseph desmontou rapidamente e logo pegou Demétria em seus
braços. Sustentou-a com firmeza junto ao peito, deu meia volta e andou em
direção ao seu lar.
O
caminho estava cheio de soldados. Nicholas esperava com dois homens diante das
portas do castelo. Demétria abriu os olhos e olhou para Nicholas. Pensou que
parecia perplexo, mas não soube a razão.
Até
chegarem mais perto, Demétria notou que Nicholas não estava olhando para ela, e
então a surpreendeu que a atenção dele estivesse totalmente centrada em sua
perna. Olhando para baixo, viu que sua capa não escondia sua ferida. O
maltratado vestido pendurava atrás dela como um estandarte rasgado. Só o sangue
a cobria, fluindo em abundância ao longo de sua perna.
Nicholas
se apressou a abrir as portas de uma grande entrada dupla que ofuscava seus
homens. Uma rajada de ar quente deu a boas vindas a Demétria quando chegaram ao
centro de um pequeno vestíbulo.
A
área em volta dela era, obviamente, de permanência dos soldados. A entrada era
estreita, com piso de madeira, e os aposentos dos homens localizado do lado
direito. Uma escada circular ocupava toda a parede esquerda, com largos degraus
em curva que conduziam ao quarto acima. Havia algo estranhamente perturbador
sobre aquela estrutura, que Demétria não conseguia descobrir o que a incomodava
até que Joseph a tivesse levado à metade dos degraus.
-
A escada está do lado errado - disse de repente.
-
Não, Demétria. Está do lado certo - respondeu Joseph.
Demétria
pensou que sua observação parecia estar divertindo Joseph.
-
Esse não é o lado correto - ela discordou dele -. A escada sempre está do lado
direito da parede. Todo mundo sabe disso - acrescentou com grande autoridade.
Por
alguma razão, Demétria estava enfurecida por Joseph não admitir aquele defeito
tão óbvio em seu lar.
-
A escada fica à direita, a menos que se ordene deliberadamente que seja
construída à esquerda - respondeu Joseph.
Cada
palavra tinha sido articulada com muito cuidado. De fato, Joseph se comportava
como se estivesse educando uma criança tola.
O
porquê de aquela discussão parecer tão importante para Demétria estava além de
sua compreensão. Ela realmente pensou assim, mas jurou que teria a última
palavra sobre o assunto.
-
Então essa ordem foi dada por um ignorante - disse a Joseph, levantando a vista
para ele, fulminando-o com o olhar e lamentou que ele não estivesse olhando
para baixo para vê-la -. É um homem muito teimoso.
-
E você é uma mulher muito teimosa - replicou Joseph. Logo sorriu, sentindo
prazer com sua observação.
Nicholas
seguia seu irmão em silêncio. A conversa de Joseph e Demétria parecia ridícula,
mas estava muito preocupado para sorrir ante aquele tolo diálogo.
Nicholas
sabia que Kevin estaria esperando por eles. Sim, seu outro irmão certamente
estaria dentro da sala. Miley provavelmente também estaria ali. Nicholas
percebeu que agora estava preocupado por Demétria. Não queria que ela tivesse
nenhum confronto desagradável, e esperava ter tempo para explicar a irmão
Kevin, quão doce e delicada era a natureza de Demétria.
A
preocupação de Nicholas ficou temporariamente esquecida quando Joseph chegou ao
segundo nível e não virou para entrar no salão. Pegou a direção oposta, subiu
por outra escada e logo entrou no centro da torre. Os degraus eram mais
estreitos, e o cortejo se viu um tanto limitado pelas pronunciadas curvas.
O
quarto do alto da torre estava gelado. Havia uma grande lareira construída no
centro da parede circular. Uma grande janela havia sido aberta, justamente do
lado daquela lareira. A janela estava totalmente aberta, e as portinholas de
madeira balançavam de um lado ao outro para terminar se chocando ruidosamente
contra as paredes de pedra.
Junto
à parede interna havia uma cama, e Joseph tratou de ser o mais delicado
possível quando deitou Demétria ali. Nicholas os seguia e Joseph foi dando
ordens a seu irmão enquanto ia acrescentando toras de madeira dentro da
lareira.
-
Envie Gerty com uma bandeja de comida para Demétria, e diga a Kevin para trazer
seus remédios - disse -. Terá que dar uns pontos na perna de Demétria.
-
Ele colocará mil objeções - comentou Nicholas.
-
Ele o fará mesmo assim.
-
Quem é Kevin?
A
pergunta suavemente formulada procedia de Demétria. Tanto Joseph como Nicholas
se viraram, olhando na direção da moça. Demétria estava tentando se levantar
para ficar sentada na cama, e franzia o cenho diante a impossibilidade da
tarefa. Seus dentes começaram a tiritar de frio e tensão, e finalmente voltou a
desabar sobre a cama.
-
Kevin é nosso irmão do meio, entre Joseph e eu - explicou Nicholas.
-
Quantos Wexton há? - perguntou Demétria voltando a franzir o cenho.
-
No total, somos cinco - respondeu Nicholas -. Catherine é a irmã mais velha e
depois vem Joseph, Kevin, Miley e, por último, eu - acrescentou com um sorriso
-. Kevin cuidará de sua ferida, Demétria. Conhece todas as maneiras de curar, e
antes que você se dê conta, voltará a estar como nova.
-
Por quê?
Nicholas
franziu o cenho.
-
Por que, o quê?
-
Por que quer que eu volte a estar como nova? - perguntou Demétria, claramente
perplexa.
Nicholas
não soube o que responder. Voltou seu olhar para Joseph, com a esperança de que
ele desse uma resposta à pergunta de Demétria. Joseph tinha acabado de acender
o fogo e agora estava fechando as portinholas. Sem se virar, ordenou:
-
Nicholas, siga minhas instruções.
O
tom de sua voz não possibilitava discutir a ordem, e Nicholas foi
suficientemente sensato para obedecer. Tinha chegado até a porta quando a voz
de Demétria o alcançou.
-
Não traga seu irmão. Posso cuidar de minha ferida sem ajuda.
-
Agora, Nicholas.
A
porta se fechou com um golpe seco.
Então
Joseph se virou para Demétria.
-
Enquanto estiver aqui, não vai desobedecer nenhuma de minhas ordens. Ficou
claro?
Ele
caminhava em direção à cama com lentos e medidos passos.
-
Como vou entender alguma coisa, milord? - sussurrou Demétria -. Não sou mais
que um peão, não? Não é assim como funcionam as coisas?
Demétria
fechou os olhos antes que ele pudesse assustá-la de algum jeito. Então, cruzou
os braços sobre o peito, em uma tentativa de manter afastado o frio que reinava
no recinto.
-
Deixe-me morrer em paz - sussurrou a seguir, falando em um tom realmente muito
melodramático. Deus, como desejava ter tido força e coragem necessárias para
gritar! Sentia-se muito infeliz. Novas dores iriam chegar se o irmão de Joseph
a tocasse também -. Não tenho força para suportar os cuidados de seu irmão.
-
Sim, você tem, Demétria.
O
tom de Joseph não podia ser mais doce, mas Demétria estava muito furiosa para
perceber.
-
Por que tem que contradizer tudo o que digo? Isso é um defeito terrível - murmurou.
Então
bateram à porta. Joseph respondeu com um grito, enquanto cruzava o cômodo.
Apoiou um ombro no suporte que havia em cima da lareira, com seu olhar dirigido
a Demétria.
Demétria
estava muita curiosidade para manter fechados os olhos. A porta protestou com
um chiado enquanto se abria, e uma mulher de idade avançada apareceu no vão.
Levava uma bandeja de comida em uma mão e uma jarra na outra, assim como duas
peles de animal debaixo de seu braço. A criada era uma mulher gordinha com
olhos castanhos cheios de preocupação. Atreveu-se a lançar um olhar apressado a
Demétria, e depois se virou para seu senhor, fazendo-lhe uma torpe reverência.
Demétria
concluiu que a criada tinha muito medo de Joseph. Contemplou a pobre mulher,
sentindo uma grande compaixão pela criada, que tratava de equilibrar os objetos
que levava nas mãos, ao mesmo tempo em que fazia uma genuflexão.
Joseph
tampouco deixava a situação confortável para a mulher. Ele lhe deu um breve
aceno de cabeça e, em seguida, fez um gesto para o lado de Demétria. Nem uma
palavra de encorajamento ou bondade foi por ele proferida.
A
criada demonstrou ser muito rápida com os pés, porque virtualmente correu para
a cama depois que Joseph ordenou, gaguejado duas vezes antes de chegar até ela.
Colocou
a bandeja de comida ao lado de Demétria e lhe ofereceu a jarra.
-
Qual o seu nome? - perguntou Demétria à criada, falando em uma voz muito baixa
para que Joseph não pudesse ouvi-la.
-
Gerty - respondeu ela.
Então
a mulher se lembrou das cobertas que levava debaixo do braço e se apressou em
levar a bandeja de comida à arca de madeira, que havia perto da cama. Depois,
cobriu Demétria com as peles de animal.
Demétria
lhe dirigiu um sorriso de agradecimento, e aquilo animou a criada a acomodar as
peles de animal sobre as pernas de Demétria.
-
Vejo que está morrendo de frio - sussurrou.
Gerty
não sabia sobre a ferida de Demétria. Quando ela empurrou a pele contra sua
coxa lesionada, Demétria fechou os olhos contra o insulto insuportável daquela
dor, mas não disse uma palavra.
Joseph
viu o que tinha acontecido e pensou em chamar a atenção da criada, mas o mal já
tinha sido feito. Agora Gerty estava entregando a comida a Demétria.
-
Obrigado por sua gentileza, Gerty.
A
cortesia de Demétria surpreendeu Joseph. Olhou sua prisioneira, viu sua
expressão tranquila e se pegou sacudindo a cabeça. Em vez de se enfurecer com a
criada, lady Demétria agradeceu-lhe a gentileza.
A
porta se abriu de repente. Demétria se virou para ela com os olhos exagerados
pelo medo e viu como a porta ricocheteava uma vez contra a parede, antes de
ficar imóvel. Um homem que era um autêntico gigante acabava de aparecer no vão
com as mãos apoiadas nos quadris e uma careta feroz desenhada em sua face. Com
um suspiro cheio de cansaço, Demétria chegou à conclusão de que aquele era
Kevin.
Gerty
contornou o gigante e se afastou pelo corredor no mesmo instante em que Kevin
entrava no recinto. Uma esteira de criados o seguiu, trazendo com eles terrinas
cheias de água e uma variedade de bandejas em cima das quais havia recipientes
de estranhas formas. Os criados depositaram suas bandejas no chão junto à cama
e deram meia volta, inclinaram-se ante Joseph e partiram. Todos agiam como
coelhos assustados. E por que não? Demétria perguntou a si mesma. Afinal de
contas, dois lobos nos aposentos com Demétria, então, por acaso, isso não
bastava para assustar qualquer um?
Kevin
ainda não havia dito uma única palavra ao irmão. Joseph não queria
desentendimento algum diante de Demétria. Sabia que ele ficaria furioso, e que
isso assustaria Demétria. Mesmo assim, tampouco iria se retratar pelo que tinha
feito.
-
Não vai dar boas vindas a seu irmão, Kevin? - perguntou Joseph.
O
estratagema funcionou. Kevin pareceu ficar surpreso com a pergunta, e seu rosto
perdeu um pouco de sua ira.
-
Por que não fui informado de seu plano de trazer com você a irmã de Sebastian?
- perguntou depois -. Acabo de saber que Nicholas entendeu isso desde o início.
-
E suponho que também se gabou disso - disse Joseph, sacudindo a cabeça.
-
Ele fez isso.
-
Nicholas exagera, Kevin. Não tinha conhecimento algum de minhas intenções.
-
E de sua razão para manter este plano em segredo, Joseph? - perguntou Kevin.
-
Você teria ficado contra o plano - observou Joseph. Sorriu ante sua própria
admissão, como se tivesse encontrado um grande prazer na discussão.
Demétria
observou a mudança que aquilo produziu nas maneiras de Joseph. Estava realmente
assombrada. Ora, ele parecia tão absurdamente bonito quando sorria! Sim,
pensou, parecia humano. E isso, repreendeu-se a si mesma, era tudo o que se
permitia pensar a respeito da aparência de Joseph.
-
Quando você deu as costas a uma discussão? - gritou Kevin a seu irmão.
As
paredes tinham que estar tremendo por causa do grito. Demétria se perguntou se
tanto Kevin como Nicholas sofreriam de algum problema de audição.
Kevin
não era tão alto como Joseph, notava-se quando ambos estavam de pé, perto um do
outro.
Mas
se parecia mais com ele que Nicholas. Quando franzia o cenho seu rosto adquiria
um aspecto quase ameaçador. As feições faciais eram quase idênticas, incluindo
o cenho franzido. Mas o cabelo de Kevin não era preto, mas tão castanho como um
campo recém-arado, abundante e grosso. Quando se virou para olhá-la, Demétria
acreditou ver um sorriso iluminando aqueles escuros olhos castanho, antes de se
tornarem tão frios como a pedra.
-
Se pensa em gritar comigo, Kevin, devo dizer que ouço perfeitamente - disse
Demétria.
Kevin
não replicou. Cruzou os braços em cima do peito e a olhou, escrutando-a durante
um bom tempo, até que Joseph disse para ele ver a ferida de Demétria.
Quando
seu irmão foi para a cama, Demétria começou a assustar-se de novo.
-
Preferia que não cuidasse de mim - disse, tratando de evitar que tremesse sua
voz.
-
Suas preferências não me dizem respeito - observou Kevin. Agora sua voz era tão
suave como tinha sido a dela.
Demétria
admitiu a derrota quando Kevin pediu com um gesto que lhe mostrasse qual era a
perna que devia cuidar. Kevin era grande o bastante para obrigá-la a obedecer
pela força, e Demétria precisava conservar toda sua energia para a dura prova
que a aguardava.
A
expressão de Kevin não se alterou quando ela levantou o cobertor. Demétria se
certificou de esconder o resto de seu corpo de seu olhar. Afinal de contas, ela
era uma dama casta e era bom que Kevin entendesse isso desde o início.
Joseph
foi para o outro lado da cama. Franziu o cenho quando Kevin tocou a perna de
Demétria e esta fez uma careta de dor.
-
Será melhor que a segure, Joseph - observou Kevin. Sua voz foi doce, e toda sua
concentração era obviamente dirigida à tarefa que tinha diante dele.
-
Não! Joseph? - exclamou Demétria, não conseguia afastar o desespero de seus olhos.
-
Não há nenhuma necessidade - explicou Joseph a seu irmão. Então, olhou para
Demétria e acrescentou -: Se for necessário, eu vou segurá-la para que não se
mexa.
Os
ombros de Demétria voltaram a descer sobre a cama. Ela assentiu com a cabeça e
um olhar de calma estendeu em seu rosto.
Joseph
estava certo de que teria que segurá-la, caso contrário Kevin não poderia
completar o trabalho de limpar sua ferida e voltar a juntar a carne,
costurando-a. Haveria dor, intensa, mas necessária, e o que ela gritasse
durante aquela terrível prova, não seria nenhuma humilhação para uma mulher.
Kevin
arrumou seus apetrechos e finalmente preparou-se para começar. Olhou seu irmão,
recebeu sua anuência com a cabeça e voltou a olhar para Demétria. O que viu o
deixou bastante surpreso e fez com que ficasse imóvel. Havia confiança naqueles
magníficos olhos azuis, e nem o menor rastro de medo podia ser visto neles.
Kevin admitiu que Demétria era realmente bonita, tal como Nicholas tinha
afirmado.
-
Pode começar, Kevin - murmurou então ela, interrompendo o curso dos pensamentos
de Kevin.
Kevin
viu como Demétria agitava a mão em um gesto majestoso, indicando que estava
esperando. Quase sorriu ante sua exibição de autoridade. A secura de sua voz
também o surpreendeu.
-
Não seria um pouco mais fácil se empregasse apenas uma faca quente para selar a
ferida? - perguntou Demétria, e se apressou em continuar falando antes que
Kevin pudesse lhe responder -. Não é que eu pretenda dizer como deve ser feito
- disse -. Peço que não se ofenda, mas não parece um pouco bárbaro utilizar uma
agulha e fio?
-
Bárbaro?
Kevin
parecia estar tendo certo problema em continuar com a conversa.
Demétria
suspirou, e decidiu que estava muito cansada para fazer-se entender.
-
Pode começar, Kevin - repetiu -. Estou preparada.
-
Posso? - perguntou Kevin, olhando para Joseph para observar sua reação.
Joseph
estava muito preocupado para sorrir diante da conversa de Demétria. Estava
muito sério.
-
Além de ser bonita, você gosta de mandar - disse Kevin a Demétria, com a
recriminação suavizada com um sorriso.
-
Ande logo com isso - murmurou Joseph -. A espera é pior que a ação.
Kevin
assentiu. Abstraiu-se de tudo que não fosse seu dever. Preparou-se para
suportar os gritos que sabia iriam começar assim que tocasse em Demétria, então
ele começou a limpeza.
Demétria
não chegou a emitir um único som. Em algum momento da terrível prova, Joseph se
sentou na cama. Demétria virou imediatamente o rosto para o lado em que ele
estava e agiu como se tentasse espremer-se debaixo do corpo dele. Suas unhas
cravaram-se na coxa de Joseph, mas ele não acreditou que ela realmente soubesse
o que estava fazendo.
Demétria
não acreditou que pudesse continuar suportando tanta dor por muito mais tempo.
Agradecia Joseph estar, ali, embora não pudesse entender por que sentia daquela
maneira. Agora não era capaz de pensar direito, e se limitava a aceitar o fato
de que Joseph havia se convertido em sua âncora para continuar se agarrando à
vida. Sem ele seu controle seria derrubado.
Justo
quando estava certa de que ia começar a gritar, sentiu como a agulha
atravessava sua pele. Um doce esquecimento a reclamou e não sentiu nada mais.
Joseph
soube o exato instante em que Demétria desmaiou. Separou lentamente a mão dela
de sua coxa e, suavemente, virou seu rosto até que toda sua face fosse visível
para ele. As lágrimas tinham molhado suas bochechas, e Joseph as secou muito
devagar até fazê-las desaparecer.
-
Eu acho que preferiria que ela tivesse gritado - murmurou Kevin, enquanto
empregava a agulha e o fio para ir unindo a carne rasgada.
-
Isso não teria sido mais fácil para você - respondeu Joseph. Ficou de pé quando
Kevin terminou e observou como seu irmão envolvia a coxa de Demétria com uma
larga tira de algodão.
-
Demônios, Joseph, provavelmente terá a febre e morrerá de qualquer maneira -
profetizou Kevin com uma careta.
Seu
comentário enfureceu Joseph.
-
Não! - exclamou -. Não permitirei isso, Kevin.
A
veemência com que tinha falado deixou Kevin surpreso.
-
Isso teria importância para você, irmão?
-
Eu me importaria - admitiu Joseph.
Kevin
não soube o que dizer. Ficou imóvel com a boca aberta e viu como seu irmão saía
dos aposentos.
Depois
o seguiu com um suspiro cheio de cansaço.
Joseph
já tinha saído do castelo e estava indo para o lago situado atrás da cabana do
açougueiro. Agradecia que fizesse tanto frio, porque isso afastava de sua mente
as perguntas que o torturavam.
O
rito do banho noturno era outra das exigências que Joseph impunha a sua mente e
seu corpo. De fato, tratava-se de um desafio destinado a endurecê-lo contra os
desconfortos. Ele não via a hora de nadar e não evitava isso. Nunca deixava de
cumprir com aquele ritual, fosse verão ou inverno.
Despiu-se
e executou um mergulho tranquilo naquela água gelada, esperando que o frio
bastasse para apagar Demétria de seus pensamentos por alguns minutos.
Pouco
tempo depois Joseph jantou. Kevin e Nicholas fizeram-lhe companhia, algo que
sem dúvida era bastante insólito, porque Joseph tinha o hábito de comer
sozinho. Os dois irmãos mais novos falaram de muitas coisas, mas nenhum deles
se atreveu a interrogar Joseph a respeito de lady Demétria. O silêncio e sua
carranca perpétua durante a refeição não permitiam discussão sobre tema algum.
Depois,
Joseph não conseguiu se lembrar do que havia comido. Decidiu descansar um
pouco, mas a imagem de Demétria continuava povoando seus pensamentos quando se
deitou. Disse a si mesmo que estava acostumado a tê-la perto dele, e que sem
dúvida essa era a razão pela qual agora não podia dormir. Passou-se uma hora e
logo outra, e Joseph continuava dando volta na cama.
No
meio da noite, Joseph finalmente se deu por vencido. Subiu aos aposentos da
torre, amaldiçoando-se durante todo o trajeto, dizendo a si mesmo que só queria
dar uma olhada em Demétria para ter certeza de que não havia desafiado sua
vontade, morrendo.
Ficou
imóvel no vão da porta durante um bom tempo, até que ouviu Demétria gemer
enquanto dormia. O som o atraiu ao interior do cômodo. Fechou a porta,
acrescentou mais lenha ao fogo e foi para perto de Demétria.
Demétria
dormia voltada sobre o lado bom e seu vestido havia subido ao redor das coxas.
Joseph tentou arrumá-lo um pouco melhor, mas não conseguiu que ficasse ajeitado
de uma maneira que o satisfizesse. Sentindo-se bastante frustrado, terminou
utilizando sua adaga para cortar o tecido. Não se deteve até que tirou tanto o
vestido como a meia túnica, dizendo-se que Demétria estaria muito mais cômoda
sem eles.
Agora
ela só vestia sua regata branca. O decote do pescoço mostrava a curva de seus
seios. Um amplo laço feito com um delicado trabalho de bordado circundava a
linha do decote, e os distintos fios vermelhos, amarelos e verdes tinham sido
meticulosamente entrelaçados para que formassem um limite, confeccionado com
flores da primavera. Era um trabalho de natureza feminina, que agradou bastante
Joseph, porque sabia que Demétria tinha passado longas horas trabalhando nele.
Demétria
era tão deliciosa e feminina como as flores que tinha bordadas em sua regata.
Que criatura tão doce e delicada era! Sua pele, agora salpicada pela tremente
claridade do fogo que a banhava com um resplendor dourado, não tinha
absolutamente nenhum defeito.
Deus,
era muito bonita.
-
Oh, demônios... - murmurou Joseph para si mesmo.
Sem
o obstáculo do vestido para escondê-la dos olhos de Joseph, Demétria oferecia
uma visão ainda mais maravilhosa que antes.
Quando
viu que começava a tremer, Joseph se deitou junto dela. A tensão foi-se
dissipando lentamente de seus ombros. Sim, acostumou-se a tê-la muito perto
dele, e sem dúvida essa era a razão pela qual agora se sentia tão à vontade.
Joseph
puxou o cobertor até deixá-los abrigados com ele. Então, passou o braço ao
redor da cintura dela, aproximando-a um pouco mais ao seu corpo, mas Demétria
foi mais rápida. Deslizou sobre a cama sem que o movimento a despertasse,
então, Demétria se aconchegou rapidamente ao corpo de Joseph, até que suas
nádegas ficaram acomodadas, da maneira mais íntima possível, à união das coxas
dele.
Joseph
sorriu. Ficava evidente que lady Demétria também havia-se acostumada a tê-lo
perto dela, e sorriu com arrogância, porque Joseph sabia que Demétria não tinha
consciência desse fato... ainda.
Amei, tadinha da Demétria com esse machucado. Mas foi uma graça o Nicholas percebendo que ela é boa. E Joseph precisando ir ficar perto dela.
ResponderExcluirPOSTA LOGO
Tô amando demais
ResponderExcluirTa maravilhosa, continua....
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