Porque a sabedoria
deste mundo é loucura diante de Deus.
Primeira epístola aos
Corintios, 3, 19
Em
seguida ficou evidente que ao barão de Wexton pouco lhe importava que o
elemento surpresa não estivesse do seu lado. Seu grito de guerra ecoou pelos
arredores, fazendo-se ouvir com tal força, que pouco faltou para que as folhas
murchas caíssem de seus ramos. Logo soou uma trombeta, enviando dessa maneira
uma mensagem adicional aos soldados que avançavam por baixo, e se por acaso
tudo aquilo não fosse suficiente, o estrondo dos cascos dos cavalos que
baixavam as encostas a galope, sem dúvida alertou Sebastian e seus homens da
ameaça que se aproximava.
Demétria
se viu presa entre Joseph e seu irmão, quando começaram a descida. Os soldados
também os rodeavam com seus escudos levantados. Embora Demétria não tivesse
semelhante proteção, tanto Joseph como Nicholas detiveram os ramos que a teriam
arrancado de sua sela, utilizando seus escudos em forma de pipa como barreiras
contra os nodosos ramos que bloqueavam seu caminho.
Quando
os soldados chegaram a um pequeno penhasco, que se elevava sobre o lugar que
seu senhor tinha escolhido para o confronto, Joseph puxou as rédeas do garanhão
e gritou uma ordem para o animal. O cavalo se deteve imediatamente. Na
sequência, Joseph usou sua mão livre para segurar o queixo de Demétria, e
aplicou uma firme pressão, obrigando-a a levantar o olhar para ele.
Olhos
cinza desafiaram os azuis.
-
Não se atreva a sair deste lugar - disse Joseph.
Ia
soltá-la, mas Demétria deteve sua mão.
-
Se morrer, não vou chorar por você - murmurou.
Joseph
chegou a sorrir para ela.
-
Sei que o faria - respondeu com uma voz tão arrogante quanto suave.
Demétria
não teve tempo para responder. Joseph colocou seu cavalo em movimento,
apertando suas esporas e galopando em direção à batalha que já estava
acontecendo em um lugar mais abaixo. Demétria se viu subitamente só no alto
daquele penhasco, quando o último dos soldados de Joseph passou junto dela em
um furioso galope.
O
ruído era realmente ensurdecedor. Metal se estrelava contra metal, ressoando
com uma intensidade que ensurdecia os ouvidos. Os gritos de tormenta se
mesclavam com os de vitória. Demétria não estava perto o bastante para que
pudesse distinguir os rostos, mas manteve sua atenção firmemente dirigida para
as costas de Joseph. O animal cinzento que montava era fácil de ver. Demétria
contemplou Joseph enquanto este brandia sua espada com golpes precisos, e
pensou que o barão de Wexton sem dúvida tinha sido abençoado pelos deuses,
quando o inimigo o deixou virtualmente rodeado e Joseph derrubou sua montaria
cada oponente com mortíferas cutiladas de sua espada.
Demétria
fechou os olhos por um instante. Quando voltou a contemplar a cena, o cinzento
tinha desaparecido. Demétria percorreu freneticamente a área com o olhar,
procurando por Joseph, e também por Nicholas, mas não conseguiu encontrar
nenhum dos dois irmãos. A batalha avançava em sua direção.
Ela
não procurou, nem por um só instante, por seu irmão, sabendo que ele não
estaria no meio da batalha. Diferentemente de Joseph, Sebastian sempre seria o
último a levantar sua espada. O risco era excessivo. Não, seu irmão valorizava
muito sua vida, da mesma forma que Joseph parecia não dar nenhum valor a sua.
Sebastian deixava que os homens que tinham-lhe jurado lealdade se encarregassem
do trabalho de lutar. E se o curso da batalha terminasse virando contra ele,
então sempre seria o primeiro a fugir.
-
Esta não é minha luta! - gritou Demétria com toda a força de seus pulmões.
Puxou as rédeas, determinada a partir com a maior rapidez possível. Não
presenciaria aquela batalha nem um minuto a mais. Sim, ela deixaria todos eles
ali.
-
Venha, Silenus, vamos - disse, ordenando que o animal avançasse tal como tinha
visto Joseph fazer.
O
cavalo não se moveu. Demétria puxou as rédeas energicamente e com a firme
determinação de fazer com que o animal obedecesse a sua vontade. Os soldados
estavam subindo rapidamente para o penhasco, e a urgência tornava-se
subitamente imperiosa.
Joseph
estava furioso. Tinha procurado por Sebastian, mas não pôde encontrar nem
rastro dele. A vitória sobre seus inimigos realmente careceria de significado,
se o homem que os comandava voltasse a escapar. Levantou a vista para lançar um
rápido olhar em Demétria e ficou atônito ao ver que a batalha a rodeava. Então,
Joseph percebeu que tinha estado tão entretido em encontrar Sebastian, que não
tinha dedicado atenção suficiente à segurança de Demétria. Admitiu seu erro,
reprovando-se por não ter sido previdente o bastante para deixar homens que
cuidassem dela.
Joseph
jogou seu escudo no chão, e soltou um estridente assobio, que esperava chegar
até seu cavalo. Seu coração subiu à garganta, enquanto corria em direção ao
elevado. Aquela intensa necessidade de proteger Demétria era uma reação
totalmente ilógica, disse a se mesmo, mas ela era sua prisioneira e ele tinha a
responsabilidade de mantê-la a salvo. Sim, essa era a razão pela qual agora
estava correndo para ela, rugindo sua indignação com tanta força como teria feito
em qualquer grito de batalha.
O
cavalo respondeu ao sinal do assobio lançando-se à frente. Agora o animal
permitiria que seu cavaleiro o controlasse, mas Demétria perdeu as rédeas
quando sua montaria iniciou aquele súbito galope.
Silenus
saltou por cima de dois soldados que estavam chegando ao alto do penhasco,
atingindo a ambos na cabeça com suas patas traseiras. Os gritos dos soldados os
seguiram colina abaixo.
Demétria
não demorou a estar no meio da batalha, com homens a cavalo e mais homens a pé
enchendo o chão ao redor dela, todos lutando por suas vidas. O cavalo de Joseph
viu seu caminho bloqueado pelos soldados. Demétria se agarrou ao pescoço do
animal e rezou por um rápido fim.
De
repente viu Nicholas abrindo passagem para ela. Ia a pé, sustentando uma espada
ensanguentada em uma das mãos e um escudo banguela na outra, rechaçando da
esquerda os ataques de que era objeto, enquanto ia impulsionando sua espada
para frente com a mão direita.
Um
dos soldados de Sebastian se equilibrou sobre Demétria, com sua espada
levantada contra ela. Um brilho enlouquecido vidrava seu olhar, como se já
tivesse deixado para trás o conhecimento do que estava fazendo.
Demétria
compreendeu que aquele homem tinha intenção de matá-la. Gritou o nome de
Joseph, mas mesmo assim sabia que agora sua segurança dependia de seu próprio
desempenho. Não havia outra escapatória que o chão duro, e Demétria se apressou
em se lançar por cima do flanco do cavalo. Não foi rápido o bastante. A lâmina
encontrou seu alvo, abrindo um talho profundo que transpassou a coxa esquerda
de Demétria. Gritou em agonia, mas o som morreu em sua garganta quando se
chocou contra o chão. Sua respiração foi bruscamente expelida.
Sua
capa a seguiu para o chão, caindo em uma pilha em cima de seus ombros. Muito
atordoada, e próxima ao estado de choque, a concentração de Demétria ficou
subitamente absorvida pela tarefa de puxar aquela peça de roupa ao redor de seu
corpo, em um lento e árduo processo cujo término chegou a ser uma autêntica
obsessão para ela. A princípio a dor em sua coxa era tão forte que pensou fosse
morrer por causa disso. E então, uma dormência abençoada foi se estendendo,
pouco a pouco, por sua coxa e mente, dando-lhe novas forças. Levantou-se,
sentindo-se ainda muito confusa e bastante atordoada, e se ateve à capa sobre
seus seios, enquanto observava os homens que combatiam ao redor dela.
O
cavalo de Joseph a empurrou bruscamente entre os ombros, faltando muito pouco
para que voltasse a jogá-la no chão. Demétria recuperou o equilíbrio e se
apoiou no flanco do animal, achando certo consolo no fato de o cavalo não ter
fugido quando ela caiu no chão. O animal também agia como uma barreira,
protegendo suas costas de qualquer ataque.
As
lágrimas correram por sua face, uma reação involuntária ao cheiro de morte que
permeava o ar. Nicholas gritou alguma coisa no ar, mas Demétria não conseguiu
entender o que ele estava gritando, e a única coisa que pôde fazer foi olhá-lo
fixamente, enquanto Nicholas abria passagem até ela. Nicholas voltou a gritar,
agora com voz mais premente que antes, mas a ordem se mesclou com o estrépito
de metal chocando-se contra outro metal e tornou-se muito confuso para que
pudesse ser entendido.
A
mente de Demétria se rebelou contra toda aquela carnificina. Começou a andar na
direção de Nicholas, acreditando que era isso que ele desejava que ela fizesse.
Tropeçou em duas ocasiões com os braços e as pernas de guerreiros mortos
espalhados pelo chão, cuspidos como lixo desprezado, mas continuou andando sem
pensar em mais nada que fosse chegar até Nicholas, o único homem que conseguia
reconhecer naquele bosque de destruição. Em um canto de sua mente havia a
esperança de que ele a levasse até Joseph, e então estaria a salvo.
Demétria
já estava a poucos metros dele quando Nicholas foi repentinamente atacado pelas
costas. Nicholas se virou para fazer frente àquele novo oponente, com suas
costas ficando desprotegida. Demétria viu como outro homem de Sebastian
aproveitava a oportunidade que era oferecida, levantando a lâmina enegrecida de
sua espada, enquanto corria para aquele alvo tão vulnerável.
Tratou
de gritar uma advertência, mas sua voz falhou e de seus lábios só saiu um
gemido.
Santo
Deus, ela era a única pessoa que estava perto o bastante para poder ajudá-lo, a
única que podia alterar aquele desfecho. Demétria não titubeou. Agarrou uma das
armas abandonadas entre os rígidos dedos de um cadáver sem rosto. Era uma
enorme e pesada maça coberta de pontas agudas e sangue seco.
Demétria
sustentou a arma com ambas as mãos, lutando contra seu peso. Agarrou o tosco
extremo, meio arrastando e meio levando consigo mesmo aquela maça, enquanto se
apressava para posicionar-se atrás de Nicholas, com suas costas quase tocando
as costas dele. E depois, esperou a que o inimigo efetuasse seu ataque.
O
soldado não se sentiu muito impressionado, já que Demétria oferecia uma frágil
defesa contra sua armadura e sua força. O reflexo de um sorriso azedou seu
rosto. Lançou um grito de desafio, correu para frente, sua larga e curvada arma
bramindo um ar com uma mortífera intenção.
Demétria
esperou até o último segundo e então levantou a maça do chão, fazendo-a girar
em um grande arco. O terror lhe deu forças. Apenas pretendia deter o ataque do
soldado, mas, as pontas salientes que se sobressaíam do bulbo circular da arma
rasgaram os elos da cota de malha do guerreiro e entraram na branda carne que
estava escondida debaixo dela.
Nicholas
terminou seu combate contra o ataque frontal, voltou-se rapidamente na
tentativa de chegar até Demétria e faltou pouco para que a derrubasse. Deu a
volta bem a tempo de presenciar como morria o guerreiro, e assim como Demétria,
viu cair no chão o soldado inimigo com um grito preso em sua garganta e as
pontas salientes da maça incrustadas no meio de seu peito. Nicholas ficou tão
assustado pelo que acabava de presenciar que ficou momentaneamente sem fala.
Demétria
deixou escapar um tênue gemido de angústia. Cruzou os braços diante de sua
cintura e se dobrou sobre ela mesma. Nicholas pensou que ela se comportava como
ela mesma tivesse recebido a ferida. Tratou de ajudá-la, estendendo a mão para
tocar suavemente seu ombro.
Demétria
estava tão consumida pelo horror do que acabara de fazer, que nem sequer
percebeu a proximidade de Nicholas. A batalha tinha deixado de existir para
ela.
Joseph
também tinha presenciado aquela morte. Em uma única e rápida ação, montou em
seu cavalo, dirigindo o animal até Nicholas. Seu irmão deu um salto para
afastar-se de seu caminho, no mesmo instante em que Joseph se inclinava para
agarrar Demétria. Levantou-a com seus fortes braços, deixando-a virtualmente
sentada na sela de montar diante dele. Deus demonstrou ser misericordioso,
porque foi o lado direito de Demétria que suportou toda a força do impacto e
sua coxa ferida quase não recebeu nenhuma sacudida.
A
batalha já estava quase terminada. Os soldados de Joseph perseguiam as forças
de Sebastian enquanto estas iam-se retirando vale abaixo.
-
Termine você! - gritou Joseph a Nicholas, jogando as rédeas para dirigir os
arreios de sua montaria colina acima. O animal se afastou a galope do campo de
batalha, com a pureza de sua raça e resistência tornando-se evidente, quando
subiu pelo traiçoeiro terreno, movendo-se com uma velocidade assombrosa.
Joseph
tinha se livrado de sua capa e de seu escudo durante a batalha, e passou a
utilizar suas mãos para proteger Demétria dos ramos que balançavam em seu
caminho.
Demétria
não queria sua consideração. Empurrou-se contra ele, tentando fazer com que ele
a soltasse, preferindo o chão duro, àquele toque repugnante.
Tinha
matado um homem por causa de Joseph.
Joseph
não tentou acalmá-la. Agora, sua principal preocupação era colocá-los a salvo.
Não fez diminuir o ritmo do galope até que estivessem bem longe da ameaça.
Finalmente deteve seu cavalo com um puxão de rédeas, quando entraram em um
pequeno bosque. Ali tudo estava calmo, e, além disso, era um lugar bem
protegido.
Furioso
consigo mesmo por ter colocado Demétria em semelhante perigo, Joseph voltou sua
atenção para ela. Quando viu as lágrimas que corriam por sua face, deixou
escapar um lamento cheio de frustração.
Depois
tratou de tranquilizá-la.
-
Já pode deixar de chorar, Demétria - disse -. Seu irmão não estava entre os
mortos. Economize suas lágrimas.
Ela
nem sequer percebeu que estava chorando. Quando sua mente, por fim, assimilou
as palavras de Joseph, Demétria ficou tão furiosa ante aquela má interpretação
de sua aflição, que ela mal conseguiu articular uma resposta. Aquele homem era
realmente desprezível.
Demétria
limpou as lágrimas de suas bochechas e respirou profundamente, armazenado ar
fresco e uma nova fúria.
-
Até hoje eu não sabia o que é o verdadeiro ódio, barão - disse-lhe -. Mas agora
você acaba de dar um novo significado a essa palavra tão vil. Coloco Deus por
testemunha de que vou odiá-lo até morrer. É bem possível - continuou dizendo -
que me veja condenada ao inferno de qualquer maneira, e todo por sua culpa.
Falava
em um tom de voz tão baixo, que Joseph se viu obrigado a inclinar-se para
frente até que sua testa roçou a de Demétria, só para poder ouvir suas
palavras.
Nada
do que ela estava dizendo fazia sentido.
-
Será que não me está escutando? - quis saber, embora mantivesse a voz tão suave
como era a sua mesma. Sentia a tensão que havia nos ombros de Demétria e sabia
que estava muito perto de perder o controle, por isso, tratou de voltar à
calmaria. Queria ser amável e delicado com ela, uma reação que nada habitual em
sua maneira de pensar, mas Joseph desculpou sua conduta dizendo para si mesmo
que era unicamente por se sentir responsável por ela -. Acabo de explicar que
seu irmão está a salvo, Demétria. No momento - acrescentou, decidindo ser
honesto ao mesmo tempo em que a consolava.
-
É você que não me está escutando - replicou Demétria. As lágrimas começaram a
cair de novo, interrompendo seu discurso. Ela se calou para pôr-se de lado .
Por sua causa, eu tirei a vida a um homem. Foi um grave pecado, e você tem
tanta culpa disso como eu. Se não tivesse me levado com você à força, então eu
não teria matado ninguém.
-
Sente-se aflita porque matou um homem? - perguntou Joseph, sem poder manter
afastada de sua voz a surpresa que sentia. Teve que se lembrar que Demétria era
apenas uma mulher, e que coisas mais estranhas pareciam afetar o sexo frágil.
Também sopesou dentro de sua cabeça tudo aquilo pelo qual tinha feito Demétria
passar durante os últimos dois dias -. Eu matei muitos mais - disse, pensando
que isso faria com que a consciência de Demétria se sentisse um pouco menos
culpada.
Seu
plano não teve nenhum êxito.
-
Eu não me importo se você matou uma legião de soldados - anunciou Demétria -.
Você não tem alma, assim não importa quantas vidas ceifou.
Joseph
não tinha nenhuma resposta para dar àquela afirmação, e compreendeu que não
adiantaria de nada discutir com Demétria. Agora estava muito afetada para poder
pensar com lógica, e sem dúvida estaria também esgotada. De fato, estava tão
fora de si que nem sequer podia levantar a voz.
Joseph
a sustentou entre seus braços apertando-a cada vez com mais força até que
Demétria deixou de se debater. Com um arquejo cheio de cansaço e se dirigindo
mais a ele mesmo que a ela, murmurou:
-
O que vou fazer com você?
Demétria
o ouviu, e sua resposta foi muito rápida.
-
Eu não me importo com o que você vai fazer comigo. - Jogou a cabeça para trás e
o olhou fixamente. Então viu o corte que havia justo debaixo do olho direito de
Joseph. Utilizou a manga de seu traje para conter o sangue, mas ao mesmo tempo
contradisse a delicadeza de sua ação com umas palavras cheias de fúria -. Pode
me deixar aqui, ou pode me matar - informou-lhe enquanto ia secando os cantos
de sua ferida -. Nada do que faça mudará as coisas para mim. Não deveria ter-me
levado com você, Joseph.
-
Seu irmão veio atrás de você - observou Joseph.
-
Não o fez - contradisse-o Demétria -. Veio atrás de você porque destruiu seu lar.
Eu não tenho importância para ele. Se você apenas abrisse sua mente, sei que
poderia se convencer da verdade. Mas é muito teimoso para escutar qualquer
pessoa. Descobri que falar com você é inútil. Sim, é inútil! Juro que nunca
voltarei a falar com você.
Seu
discurso consumiu suas últimas forças. Demétria terminou de limpar o melhor que
pôde a ferida sofrida por Joseph e depois se apoiou em seu peito, esquecendo-se
dele.
Lady
Demétria era um paradoxo. Joseph quase não pôde resistir à delicadeza com a
qual ela tocou sua face, quando tentou estancar sua ferida. Não acreditava que
ela tivesse consciência em nenhum momento do que estava fazendo, e de repente
se lembrou de como se afrontou com Nicholas, quando estavam na fortaleza de
Sebastian. Sim, ali também Demétria também tinha sido uma contradição. Demétria
tinha dado um olhar sereno a Nicholas enquanto ele gritava sua ira, e apesar
disso não tinha deixado de segurar, em nenhum momento, a mão de Joseph.
Agora
estava furiosa com ele, enquanto o atendia. Joseph voltou a suspirar. Apoiou o
queixo na cabeça de Demétria e se perguntou como era possível que uma mulher
tão doce e delicada estivesse aparentada com aquele diabo.
A
dormência inicial estava começando a se dissipar. Agora que a onda da ira a
abandonava, a coxa de Demétria começou a palpitar dolorosamente. Sua capa
ocultava dos olhos de Joseph o mal que tinha sofrido. Demétria sabia que ele
não tinha percebido sua ferida, e achava uma perversa satisfação naquele fato.
Era uma reação ilógica, mas, agora Demétria não parecia ser capaz de pensar
razoavelmente. De repente estava tão cansada e faminta, tão dolorida, que
simplesmente não podia pensar.
Os
soldados se juntaram a Joseph, e em questão de minutos já estavam se dirigindo
à fortaleza de Wexton. Uma hora depois, sua teimosa determinação foi a única
coisa que impediu Demétria de gritar seu protesto.
A
mão de Joseph tinha roçado acidentalmente na coxa ferida de Demétria, e sua
capa e seu vestido apenas ofereceram algum amparo contra a abrasadora agonia.
Demétria conteve seu grito. Separou os dedos de Joseph com um tapa, mas o fogo
de seu contato continuava presente, inflamando a ferida até levá-la a um nível
insuportável.
Demétria
soube que ia vomitar.
-
Temos que parar um momento - disse a Joseph. Queria gritar, e também chorar,
mas tinha jurado que ele não destruiria o que ainda restava de seu doce
caráter.
Demétria
sabia que ele havia ouvido sua solicitação. Seu aceno de cabeça confirmou isso,
mas mesmo assim continuaram cavalgando e, depois de uns minutos, Demétria
chegou à conclusão que Joseph tinha decidido não atender seu pedido.
Que
besta tão desumana era aquele homem! Embora isso lhe proporcionasse pouco
consolo, ela mentalmente fez uma lista de nomes insultantes que queria despejar
sobre ele. Recorreu a todas as palavras injuriosas que podia se lembrar, apesar
de seu vocabulário de palavras cruéis ser limitado. Isso a satisfez, até que
percebeu que provavelmente estivesse se rebaixando ao nível de Joseph.
Maldição, ela era uma mulher doce e carinhosa!
Seu
estômago se negava a se acalmar. Demétria se lembrou de seu juramento de não
voltar a lhe dirigir a palavra nunca mais, mas agora se via obrigada, pelas
circunstâncias, a repetir seu pedido.
-
Se não mandar fazer uma parada, vou vomitar em cima de você - disse.
Sua
ameaça conseguiu uma reação imediata. Joseph elevou a mão, dando a ordem de
parar. Um instante depois já tinha desmontado de seu cavalo e estava baixando
Demétria ao chão, antes mesmo que ela pudesse fazer frente a semelhante ação.
-
Por que nos detivemos? Pergunta vinha de Nicholas, quem também tinha desmontado
e corria para seu irmão -. Já estamos quase em casa.
-
Por lady Demétria - respondeu Joseph, não dando mais nenhuma informação a
Nicholas.
Demétria
já se dirigia ao tortuoso caminho para a intimidade que as árvores ofereciam,
mas se deteve quando ouviu a pergunta de Nicholas.
-
Pode ficar aqui e me esperar, Nicholas - disse.
Parecia
uma ordem. Nicholas levantou uma sobrancelha, demonstrando sua surpresa e se
voltou para seu irmão. Joseph estava franzindo o cenho enquanto contemplava
Demétria, e Nicholas chegou à conclusão de que seu irmão estava irritado pela
maneira com que Demétria acabava de lhe falar.
-
Acaba de passar por uma prova muito dura - apressou-se em desculpá-la, em caso
de Joseph decidir em fazê-la pagar de alguma maneira.
Joseph
sacudiu a cabeça e continuou olhando para Demétria até que ela desapareceu
dentro do bosque.
-
Algo vai mal - murmurou, franzindo o cenho enquanto tentava descobrir o estava
preocupando.
Nicholas
suspirou.
-
Talvez esteja doente?
-
E, e ameaçou com... - Joseph se dispôs a seguir Demétria sem que chegasse a
concluir seu comentário. Nicholas tentou detê-lo com a mão.
-
Dê-lhe um pouco de intimidade, Joseph. Ela vai retornar conosco - disse -. Não
há nenhum lugar onde possa se esconder - argumentou.
Joseph
afastou a mão de seu irmão. Tinha visto a expressão de dor nos olhos de
Demétria, e também se fixou na extremada rigidez com que se movia. Joseph soube
instintivamente que um estômago enjoado não era a causa daquilo, porque se
fosse assim ela não teria favorecido seu peso sobre a perna direita. E se
estivesse disposta a vomitar, teria se afastado correndo de seus soldados em vez
de andar. Não, algo ia mal e Joseph estava decidido a averiguar o que era.
Sebastian é um amarelão mesmo, mas eu já sabia que ele não estaria na batalha, e agora tadinha da Demétria machucada sem necessidade.
ResponderExcluirEu espero que a segunda parte do capítulo venha ainda esse final de semana.