sábado, 5 de janeiro de 2019

ESPLENDOR DA HONRA Capitulo 6 parte1


Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus.
Primeira epístola aos Corintios, 3, 19
Em seguida ficou evidente que ao barão de Wexton pouco lhe importava que o elemento surpresa não estivesse do seu lado. Seu grito de guerra ecoou pelos arredores, fazendo-se ouvir com tal força, que pouco faltou para que as folhas murchas caíssem de seus ramos. Logo soou uma trombeta, enviando dessa maneira uma mensagem adicional aos soldados que avançavam por baixo, e se por acaso tudo aquilo não fosse suficiente, o estrondo dos cascos dos cavalos que baixavam as encostas a galope, sem dúvida alertou Sebastian e seus homens da ameaça que se aproximava.
Demétria se viu presa entre Joseph e seu irmão, quando começaram a descida. Os soldados também os rodeavam com seus escudos levantados. Embora Demétria não tivesse semelhante proteção, tanto Joseph como Nicholas detiveram os ramos que a teriam arrancado de sua sela, utilizando seus escudos em forma de pipa como barreiras contra os nodosos ramos que bloqueavam seu caminho.
Quando os soldados chegaram a um pequeno penhasco, que se elevava sobre o lugar que seu senhor tinha escolhido para o confronto, Joseph puxou as rédeas do garanhão e gritou uma ordem para o animal. O cavalo se deteve imediatamente. Na sequência, Joseph usou sua mão livre para segurar o queixo de Demétria, e aplicou uma firme pressão, obrigando-a a levantar o olhar para ele.
Olhos cinza desafiaram os azuis.
- Não se atreva a sair deste lugar - disse Joseph.
Ia soltá-la, mas Demétria deteve sua mão.
- Se morrer, não vou chorar por você - murmurou.
Joseph chegou a sorrir para ela.
- Sei que o faria - respondeu com uma voz tão arrogante quanto suave.
Demétria não teve tempo para responder. Joseph colocou seu cavalo em movimento, apertando suas esporas e galopando em direção à batalha que já estava acontecendo em um lugar mais abaixo. Demétria se viu subitamente só no alto daquele penhasco, quando o último dos soldados de Joseph passou junto dela em um furioso galope.
O ruído era realmente ensurdecedor. Metal se estrelava contra metal, ressoando com uma intensidade que ensurdecia os ouvidos. Os gritos de tormenta se mesclavam com os de vitória. Demétria não estava perto o bastante para que pudesse distinguir os rostos, mas manteve sua atenção firmemente dirigida para as costas de Joseph. O animal cinzento que montava era fácil de ver. Demétria contemplou Joseph enquanto este brandia sua espada com golpes precisos, e pensou que o barão de Wexton sem dúvida tinha sido abençoado pelos deuses, quando o inimigo o deixou virtualmente rodeado e Joseph derrubou sua montaria cada oponente com mortíferas cutiladas de sua espada.
Demétria fechou os olhos por um instante. Quando voltou a contemplar a cena, o cinzento tinha desaparecido. Demétria percorreu freneticamente a área com o olhar, procurando por Joseph, e também por Nicholas, mas não conseguiu encontrar nenhum dos dois irmãos. A batalha avançava em sua direção.
Ela não procurou, nem por um só instante, por seu irmão, sabendo que ele não estaria no meio da batalha. Diferentemente de Joseph, Sebastian sempre seria o último a levantar sua espada. O risco era excessivo. Não, seu irmão valorizava muito sua vida, da mesma forma que Joseph parecia não dar nenhum valor a sua. Sebastian deixava que os homens que tinham-lhe jurado lealdade se encarregassem do trabalho de lutar. E se o curso da batalha terminasse virando contra ele, então sempre seria o primeiro a fugir.
- Esta não é minha luta! - gritou Demétria com toda a força de seus pulmões. Puxou as rédeas, determinada a partir com a maior rapidez possível. Não presenciaria aquela batalha nem um minuto a mais. Sim, ela deixaria todos eles ali.
- Venha, Silenus, vamos - disse, ordenando que o animal avançasse tal como tinha visto Joseph fazer.
O cavalo não se moveu. Demétria puxou as rédeas energicamente e com a firme determinação de fazer com que o animal obedecesse a sua vontade. Os soldados estavam subindo rapidamente para o penhasco, e a urgência tornava-se subitamente imperiosa.
Joseph estava furioso. Tinha procurado por Sebastian, mas não pôde encontrar nem rastro dele. A vitória sobre seus inimigos realmente careceria de significado, se o homem que os comandava voltasse a escapar. Levantou a vista para lançar um rápido olhar em Demétria e ficou atônito ao ver que a batalha a rodeava. Então, Joseph percebeu que tinha estado tão entretido em encontrar Sebastian, que não tinha dedicado atenção suficiente à segurança de Demétria. Admitiu seu erro, reprovando-se por não ter sido previdente o bastante para deixar homens que cuidassem dela.
Joseph jogou seu escudo no chão, e soltou um estridente assobio, que esperava chegar até seu cavalo. Seu coração subiu à garganta, enquanto corria em direção ao elevado. Aquela intensa necessidade de proteger Demétria era uma reação totalmente ilógica, disse a se mesmo, mas ela era sua prisioneira e ele tinha a responsabilidade de mantê-la a salvo. Sim, essa era a razão pela qual agora estava correndo para ela, rugindo sua indignação com tanta força como teria feito em qualquer grito de batalha.
O cavalo respondeu ao sinal do assobio lançando-se à frente. Agora o animal permitiria que seu cavaleiro o controlasse, mas Demétria perdeu as rédeas quando sua montaria iniciou aquele súbito galope.
Silenus saltou por cima de dois soldados que estavam chegando ao alto do penhasco, atingindo a ambos na cabeça com suas patas traseiras. Os gritos dos soldados os seguiram colina abaixo.
Demétria não demorou a estar no meio da batalha, com homens a cavalo e mais homens a pé enchendo o chão ao redor dela, todos lutando por suas vidas. O cavalo de Joseph viu seu caminho bloqueado pelos soldados. Demétria se agarrou ao pescoço do animal e rezou por um rápido fim.
De repente viu Nicholas abrindo passagem para ela. Ia a pé, sustentando uma espada ensanguentada em uma das mãos e um escudo banguela na outra, rechaçando da esquerda os ataques de que era objeto, enquanto ia impulsionando sua espada para frente com a mão direita.
Um dos soldados de Sebastian se equilibrou sobre Demétria, com sua espada levantada contra ela. Um brilho enlouquecido vidrava seu olhar, como se já tivesse deixado para trás o conhecimento do que estava fazendo.
Demétria compreendeu que aquele homem tinha intenção de matá-la. Gritou o nome de Joseph, mas mesmo assim sabia que agora sua segurança dependia de seu próprio desempenho. Não havia outra escapatória que o chão duro, e Demétria se apressou em se lançar por cima do flanco do cavalo. Não foi rápido o bastante. A lâmina encontrou seu alvo, abrindo um talho profundo que transpassou a coxa esquerda de Demétria. Gritou em agonia, mas o som morreu em sua garganta quando se chocou contra o chão. Sua respiração foi bruscamente expelida.
Sua capa a seguiu para o chão, caindo em uma pilha em cima de seus ombros. Muito atordoada, e próxima ao estado de choque, a concentração de Demétria ficou subitamente absorvida pela tarefa de puxar aquela peça de roupa ao redor de seu corpo, em um lento e árduo processo cujo término chegou a ser uma autêntica obsessão para ela. A princípio a dor em sua coxa era tão forte que pensou fosse morrer por causa disso. E então, uma dormência abençoada foi se estendendo, pouco a pouco, por sua coxa e mente, dando-lhe novas forças. Levantou-se, sentindo-se ainda muito confusa e bastante atordoada, e se ateve à capa sobre seus seios, enquanto observava os homens que combatiam ao redor dela.
O cavalo de Joseph a empurrou bruscamente entre os ombros, faltando muito pouco para que voltasse a jogá-la no chão. Demétria recuperou o equilíbrio e se apoiou no flanco do animal, achando certo consolo no fato de o cavalo não ter fugido quando ela caiu no chão. O animal também agia como uma barreira, protegendo suas costas de qualquer ataque.
As lágrimas correram por sua face, uma reação involuntária ao cheiro de morte que permeava o ar. Nicholas gritou alguma coisa no ar, mas Demétria não conseguiu entender o que ele estava gritando, e a única coisa que pôde fazer foi olhá-lo fixamente, enquanto Nicholas abria passagem até ela. Nicholas voltou a gritar, agora com voz mais premente que antes, mas a ordem se mesclou com o estrépito de metal chocando-se contra outro metal e tornou-se muito confuso para que pudesse ser entendido.
A mente de Demétria se rebelou contra toda aquela carnificina. Começou a andar na direção de Nicholas, acreditando que era isso que ele desejava que ela fizesse. Tropeçou em duas ocasiões com os braços e as pernas de guerreiros mortos espalhados pelo chão, cuspidos como lixo desprezado, mas continuou andando sem pensar em mais nada que fosse chegar até Nicholas, o único homem que conseguia reconhecer naquele bosque de destruição. Em um canto de sua mente havia a esperança de que ele a levasse até Joseph, e então estaria a salvo.
Demétria já estava a poucos metros dele quando Nicholas foi repentinamente atacado pelas costas. Nicholas se virou para fazer frente àquele novo oponente, com suas costas ficando desprotegida. Demétria viu como outro homem de Sebastian aproveitava a oportunidade que era oferecida, levantando a lâmina enegrecida de sua espada, enquanto corria para aquele alvo tão vulnerável.
Tratou de gritar uma advertência, mas sua voz falhou e de seus lábios só saiu um gemido.
Santo Deus, ela era a única pessoa que estava perto o bastante para poder ajudá-lo, a única que podia alterar aquele desfecho. Demétria não titubeou. Agarrou uma das armas abandonadas entre os rígidos dedos de um cadáver sem rosto. Era uma enorme e pesada maça coberta de pontas agudas e sangue seco.
Demétria sustentou a arma com ambas as mãos, lutando contra seu peso. Agarrou o tosco extremo, meio arrastando e meio levando consigo mesmo aquela maça, enquanto se apressava para posicionar-se atrás de Nicholas, com suas costas quase tocando as costas dele. E depois, esperou a que o inimigo efetuasse seu ataque.
O soldado não se sentiu muito impressionado, já que Demétria oferecia uma frágil defesa contra sua armadura e sua força. O reflexo de um sorriso azedou seu rosto. Lançou um grito de desafio, correu para frente, sua larga e curvada arma bramindo um ar com uma mortífera intenção.
Demétria esperou até o último segundo e então levantou a maça do chão, fazendo-a girar em um grande arco. O terror lhe deu forças. Apenas pretendia deter o ataque do soldado, mas, as pontas salientes que se sobressaíam do bulbo circular da arma rasgaram os elos da cota de malha do guerreiro e entraram na branda carne que estava escondida debaixo dela.
Nicholas terminou seu combate contra o ataque frontal, voltou-se rapidamente na tentativa de chegar até Demétria e faltou pouco para que a derrubasse. Deu a volta bem a tempo de presenciar como morria o guerreiro, e assim como Demétria, viu cair no chão o soldado inimigo com um grito preso em sua garganta e as pontas salientes da maça incrustadas no meio de seu peito. Nicholas ficou tão assustado pelo que acabava de presenciar que ficou momentaneamente sem fala.
Demétria deixou escapar um tênue gemido de angústia. Cruzou os braços diante de sua cintura e se dobrou sobre ela mesma. Nicholas pensou que ela se comportava como ela mesma tivesse recebido a ferida. Tratou de ajudá-la, estendendo a mão para tocar suavemente seu ombro.
Demétria estava tão consumida pelo horror do que acabara de fazer, que nem sequer percebeu a proximidade de Nicholas. A batalha tinha deixado de existir para ela.
Joseph também tinha presenciado aquela morte. Em uma única e rápida ação, montou em seu cavalo, dirigindo o animal até Nicholas. Seu irmão deu um salto para afastar-se de seu caminho, no mesmo instante em que Joseph se inclinava para agarrar Demétria. Levantou-a com seus fortes braços, deixando-a virtualmente sentada na sela de montar diante dele. Deus demonstrou ser misericordioso, porque foi o lado direito de Demétria que suportou toda a força do impacto e sua coxa ferida quase não recebeu nenhuma sacudida.
A batalha já estava quase terminada. Os soldados de Joseph perseguiam as forças de Sebastian enquanto estas iam-se retirando vale abaixo.
- Termine você! - gritou Joseph a Nicholas, jogando as rédeas para dirigir os arreios de sua montaria colina acima. O animal se afastou a galope do campo de batalha, com a pureza de sua raça e resistência tornando-se evidente, quando subiu pelo traiçoeiro terreno, movendo-se com uma velocidade assombrosa.
Joseph tinha se livrado de sua capa e de seu escudo durante a batalha, e passou a utilizar suas mãos para proteger Demétria dos ramos que balançavam em seu caminho.
Demétria não queria sua consideração. Empurrou-se contra ele, tentando fazer com que ele a soltasse, preferindo o chão duro, àquele toque repugnante.
Tinha matado um homem por causa de Joseph.
Joseph não tentou acalmá-la. Agora, sua principal preocupação era colocá-los a salvo. Não fez diminuir o ritmo do galope até que estivessem bem longe da ameaça. Finalmente deteve seu cavalo com um puxão de rédeas, quando entraram em um pequeno bosque. Ali tudo estava calmo, e, além disso, era um lugar bem protegido.
Furioso consigo mesmo por ter colocado Demétria em semelhante perigo, Joseph voltou sua atenção para ela. Quando viu as lágrimas que corriam por sua face, deixou escapar um lamento cheio de frustração.
Depois tratou de tranquilizá-la.
- Já pode deixar de chorar, Demétria - disse -. Seu irmão não estava entre os mortos. Economize suas lágrimas.
Ela nem sequer percebeu que estava chorando. Quando sua mente, por fim, assimilou as palavras de Joseph, Demétria ficou tão furiosa ante aquela má interpretação de sua aflição, que ela mal conseguiu articular uma resposta. Aquele homem era realmente desprezível.
Demétria limpou as lágrimas de suas bochechas e respirou profundamente, armazenado ar fresco e uma nova fúria.
- Até hoje eu não sabia o que é o verdadeiro ódio, barão - disse-lhe -. Mas agora você acaba de dar um novo significado a essa palavra tão vil. Coloco Deus por testemunha de que vou odiá-lo até morrer. É bem possível - continuou dizendo - que me veja condenada ao inferno de qualquer maneira, e todo por sua culpa.
Falava em um tom de voz tão baixo, que Joseph se viu obrigado a inclinar-se para frente até que sua testa roçou a de Demétria, só para poder ouvir suas palavras.
Nada do que ela estava dizendo fazia sentido.
- Será que não me está escutando? - quis saber, embora mantivesse a voz tão suave como era a sua mesma. Sentia a tensão que havia nos ombros de Demétria e sabia que estava muito perto de perder o controle, por isso, tratou de voltar à calmaria. Queria ser amável e delicado com ela, uma reação que nada habitual em sua maneira de pensar, mas Joseph desculpou sua conduta dizendo para si mesmo que era unicamente por se sentir responsável por ela -. Acabo de explicar que seu irmão está a salvo, Demétria. No momento - acrescentou, decidindo ser honesto ao mesmo tempo em que a consolava.
- É você que não me está escutando - replicou Demétria. As lágrimas começaram a cair de novo, interrompendo seu discurso. Ela se calou para pôr-se de lado . Por sua causa, eu tirei a vida a um homem. Foi um grave pecado, e você tem tanta culpa disso como eu. Se não tivesse me levado com você à força, então eu não teria matado ninguém.
- Sente-se aflita porque matou um homem? - perguntou Joseph, sem poder manter afastada de sua voz a surpresa que sentia. Teve que se lembrar que Demétria era apenas uma mulher, e que coisas mais estranhas pareciam afetar o sexo frágil. Também sopesou dentro de sua cabeça tudo aquilo pelo qual tinha feito Demétria passar durante os últimos dois dias -. Eu matei muitos mais - disse, pensando que isso faria com que a consciência de Demétria se sentisse um pouco menos culpada.
Seu plano não teve nenhum êxito.
- Eu não me importo se você matou uma legião de soldados - anunciou Demétria -. Você não tem alma, assim não importa quantas vidas ceifou.
Joseph não tinha nenhuma resposta para dar àquela afirmação, e compreendeu que não adiantaria de nada discutir com Demétria. Agora estava muito afetada para poder pensar com lógica, e sem dúvida estaria também esgotada. De fato, estava tão fora de si que nem sequer podia levantar a voz.
Joseph a sustentou entre seus braços apertando-a cada vez com mais força até que Demétria deixou de se debater. Com um arquejo cheio de cansaço e se dirigindo mais a ele mesmo que a ela, murmurou:
- O que vou fazer com você?
Demétria o ouviu, e sua resposta foi muito rápida.
- Eu não me importo com o que você vai fazer comigo. - Jogou a cabeça para trás e o olhou fixamente. Então viu o corte que havia justo debaixo do olho direito de Joseph. Utilizou a manga de seu traje para conter o sangue, mas ao mesmo tempo contradisse a delicadeza de sua ação com umas palavras cheias de fúria -. Pode me deixar aqui, ou pode me matar - informou-lhe enquanto ia secando os cantos de sua ferida -. Nada do que faça mudará as coisas para mim. Não deveria ter-me levado com você, Joseph.
- Seu irmão veio atrás de você - observou Joseph.
- Não o fez - contradisse-o Demétria -. Veio atrás de você porque destruiu seu lar. Eu não tenho importância para ele. Se você apenas abrisse sua mente, sei que poderia se convencer da verdade. Mas é muito teimoso para escutar qualquer pessoa. Descobri que falar com você é inútil. Sim, é inútil! Juro que nunca voltarei a falar com você.
Seu discurso consumiu suas últimas forças. Demétria terminou de limpar o melhor que pôde a ferida sofrida por Joseph e depois se apoiou em seu peito, esquecendo-se dele.
Lady Demétria era um paradoxo. Joseph quase não pôde resistir à delicadeza com a qual ela tocou sua face, quando tentou estancar sua ferida. Não acreditava que ela tivesse consciência em nenhum momento do que estava fazendo, e de repente se lembrou de como se afrontou com Nicholas, quando estavam na fortaleza de Sebastian. Sim, ali também Demétria também tinha sido uma contradição. Demétria tinha dado um olhar sereno a Nicholas enquanto ele gritava sua ira, e apesar disso não tinha deixado de segurar, em nenhum momento, a mão de Joseph.
Agora estava furiosa com ele, enquanto o atendia. Joseph voltou a suspirar. Apoiou o queixo na cabeça de Demétria e se perguntou como era possível que uma mulher tão doce e delicada estivesse aparentada com aquele diabo.
A dormência inicial estava começando a se dissipar. Agora que a onda da ira a abandonava, a coxa de Demétria começou a palpitar dolorosamente. Sua capa ocultava dos olhos de Joseph o mal que tinha sofrido. Demétria sabia que ele não tinha percebido sua ferida, e achava uma perversa satisfação naquele fato. Era uma reação ilógica, mas, agora Demétria não parecia ser capaz de pensar razoavelmente. De repente estava tão cansada e faminta, tão dolorida, que simplesmente não podia pensar.
Os soldados se juntaram a Joseph, e em questão de minutos já estavam se dirigindo à fortaleza de Wexton. Uma hora depois, sua teimosa determinação foi a única coisa que impediu Demétria de gritar seu protesto.
A mão de Joseph tinha roçado acidentalmente na coxa ferida de Demétria, e sua capa e seu vestido apenas ofereceram algum amparo contra a abrasadora agonia. Demétria conteve seu grito. Separou os dedos de Joseph com um tapa, mas o fogo de seu contato continuava presente, inflamando a ferida até levá-la a um nível insuportável.
Demétria soube que ia vomitar.
- Temos que parar um momento - disse a Joseph. Queria gritar, e também chorar, mas tinha jurado que ele não destruiria o que ainda restava de seu doce caráter.
Demétria sabia que ele havia ouvido sua solicitação. Seu aceno de cabeça confirmou isso, mas mesmo assim continuaram cavalgando e, depois de uns minutos, Demétria chegou à conclusão que Joseph tinha decidido não atender seu pedido.
Que besta tão desumana era aquele homem! Embora isso lhe proporcionasse pouco consolo, ela mentalmente fez uma lista de nomes insultantes que queria despejar sobre ele. Recorreu a todas as palavras injuriosas que podia se lembrar, apesar de seu vocabulário de palavras cruéis ser limitado. Isso a satisfez, até que percebeu que provavelmente estivesse se rebaixando ao nível de Joseph. Maldição, ela era uma mulher doce e carinhosa!
Seu estômago se negava a se acalmar. Demétria se lembrou de seu juramento de não voltar a lhe dirigir a palavra nunca mais, mas agora se via obrigada, pelas circunstâncias, a repetir seu pedido.
- Se não mandar fazer uma parada, vou vomitar em cima de você - disse.
Sua ameaça conseguiu uma reação imediata. Joseph elevou a mão, dando a ordem de parar. Um instante depois já tinha desmontado de seu cavalo e estava baixando Demétria ao chão, antes mesmo que ela pudesse fazer frente a semelhante ação.
- Por que nos detivemos? Pergunta vinha de Nicholas, quem também tinha desmontado e corria para seu irmão -. Já estamos quase em casa.
- Por lady Demétria - respondeu Joseph, não dando mais nenhuma informação a Nicholas.
Demétria já se dirigia ao tortuoso caminho para a intimidade que as árvores ofereciam, mas se deteve quando ouviu a pergunta de Nicholas.
- Pode ficar aqui e me esperar, Nicholas - disse.
Parecia uma ordem. Nicholas levantou uma sobrancelha, demonstrando sua surpresa e se voltou para seu irmão. Joseph estava franzindo o cenho enquanto contemplava Demétria, e Nicholas chegou à conclusão de que seu irmão estava irritado pela maneira com que Demétria acabava de lhe falar.
- Acaba de passar por uma prova muito dura - apressou-se em desculpá-la, em caso de Joseph decidir em fazê-la pagar de alguma maneira.
Joseph sacudiu a cabeça e continuou olhando para Demétria até que ela desapareceu dentro do bosque.
- Algo vai mal - murmurou, franzindo o cenho enquanto tentava descobrir o estava preocupando.
Nicholas suspirou.
- Talvez esteja doente?
- E, e ameaçou com... - Joseph se dispôs a seguir Demétria sem que chegasse a concluir seu comentário. Nicholas tentou detê-lo com a mão.
- Dê-lhe um pouco de intimidade, Joseph. Ela vai retornar conosco - disse -. Não há nenhum lugar onde possa se esconder - argumentou.
Joseph afastou a mão de seu irmão. Tinha visto a expressão de dor nos olhos de Demétria, e também se fixou na extremada rigidez com que se movia. Joseph soube instintivamente que um estômago enjoado não era a causa daquilo, porque se fosse assim ela não teria favorecido seu peso sobre a perna direita. E se estivesse disposta a vomitar, teria se afastado correndo de seus soldados em vez de andar. Não, algo ia mal e Joseph estava decidido a averiguar o que era.

Um comentário:

  1. Sebastian é um amarelão mesmo, mas eu já sabia que ele não estaria na batalha, e agora tadinha da Demétria machucada sem necessidade.

    Eu espero que a segunda parte do capítulo venha ainda esse final de semana.

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