domingo, 27 de janeiro de 2019

Esplendor da Honra Capitulo 8


Examinai tudo. Retenha o bem
Primeira epístola aos Tessalonicenses 5:21.
Demétria se sentou na beira da cama, concentrando-se em fazer com que suas pernas recuperassem as forças. Uma tímida pancada ressoou sobre a porta uns minutos depois de Joseph sair. Demétria respondeu e uma criada entrou no quarto. Fina como um pergaminho e com aspecto de cansada, a criada tinha os ombros encurvados e sua larga testa estava sulcada por profundas rugas de preocupação. Quando se dirigiu para a cama, seus passos tornaram-se cuidadosos.
A criada parecia estar a ponto de sair correndo a qualquer momento, e foi então que Demétria percebeu que possivelmente estivesse assustada. A mulher não parava de lançar longos olhares à porta.
Demétria sorriu em uma tentativa de aliviar o visível desconforto da criada, embora estivesse perplexa ante o tímido comportamento.
A mulher segurava alguma coisa atrás de suas costas. Movendo-se muito devagar, fez com que uma mochila ficasse visível e então balbuciou:
- Trouxe sua bagagem, milady.
- Oh, isso é muito amável de sua parte - respondeu Demétria.
Demétria pôde ver que seu agradecimento satisfez a mulher. Agora já não parecia tão preocupada, só um pouco confusa.
- Não sei por que tem tanto medo de mim - apressou-se a dizer, decidindo enfrentar o problema da maneira mais direta possível -. Não vou lhe fazer mal, posso prometer isso. O que os irmãos Wexton disseram para lhe assustar tanto?
A franqueza de Demétria aliviou a tensão que havia na postura da mulher.
- Não me disseram nada, milady, mas não sou surda. Pude ouvir como gritava dentro deste quarto, inclusive quando eu estava lá embaixo fazendo manteiga, e quase todos os gritos eram seus.
- Eu estava gritando? - perguntou Demétria, horrorizada por aquela revelação e pensando que a mulher deveria estar enganada.
- Estavam sim - respondeu a criada, assentindo vigorosamente com a cabeça -. Sabia que tinha febre e não podia evitar fazê-lo. Gerty trará sua comida daqui a pouco. Eu tenho que ajudá-la a trocar de roupa, se este for seu desejo.
- Estou faminta - observou Demétria. Flexionou suas pernas, testando sua força -. E, além disso, estou tão fraca como um bebê. Qual é o seu nome?
- Meu nome é Maude, como a rainha - anunciou a criada -. A que morreu, naturalmente, já que nosso rei William ainda não tem uma esposa.
Demétria sorriu.
- Maude, acredita que poderia me arrumar um banho? - perguntou -. Sinto-me tão suja...
- Um banho, minha senhora? - Maude pareceu horrorizar-se ante a ideia -. No mais frio inverno?
- Estou acostumada a tomar banho todos os dias, Maude, e parece que se passou uma eternidade desde a última vez em que...
- Um banho por dia? E para quê?
- É que eu gosto de me sentir limpa - respondeu Demétria. Jogou um longo olhar à criada e chegou à conclusão de que àquela boa mulher também não seria nada mal tomar um banho, embora guardasse seu comentário para si mesma, por temer ofender a pobre Maude -. Acredita que seu senhor permitiria que eu desfrutasse desta pequena vaidade?
Maude encolheu os ombros.
- Pode ter todo aquilo que quiser, desde que fique sempre aqui neste quarto - respondeu -. O barão não quer que fique doente, tentando se esforçar muito. Suponho que poderia encontrar alguma banheira por aí e fazer com que meu homem a subisse pela escada.
- Tem família, Maude?
- Sim, um homem muito bom e um moço que já tem quase cinco verões. O menino é um demônio.
Maude ajudou Demétria a levantar e a acompanhou até a cadeira que havia junto ao fogo.
- Meu menino se chama William - seguiu dizendo -. Colocamos esse nome pelo nosso rei morto, e não por aquele que está no comando agora.
A porta se abriu durante o relato de Maude. Outra criada se apressou a entrar, trazendo consigo uma bandeja de comida.
- Não há necessidade de ficar tão nervosa, Gerty - disse Maude -. Não está tão maluca como imaginávamos.
Gerty sorriu. Era uma mulher volumosa, de olhos castanhos e pele impecável.
- Sou a cozinheira aqui - informou a Demétria -. Ouvi dizer que era muito bonita. Mas está um pouco magra, sim, demasiadamente magra. Coma até o último pedacinho desta comida, ou do contrário você será levada embora pelo primeiro vento mais forte que soprar.
- Ela quer tomar banho, Gerty - anunciou Maude.
Gerty arqueou uma sobrancelha.
- Bom, então ela pode ter um. Mas não poderá nos culpar se ficar rígida de frio.
As duas mulheres continuaram conversando animadamente entre elas enquanto limpavam os aposentos de Demétria. Era evidente que sabiam fazer amizade com facilidade, e Demétria desfrutou em ouvir suas fofocas.
Elas também a ajudaram com o banho. Quando a banheira foi tirada do quarto, Demétria já estava exausta. Lavou seu cabelo, mas estava demorando uma eternidade para secar e Demétria se sentou sobre uma suave pele de animal, estendida em frente à lareira. Ela separou as mechas de seu longo cabelo, aproximando-as das chamas para que secassem mais rápido, até que seus braços começaram a doer. Com um ruidoso bocejo, que não ficava nada elegante em uma dama, Demétria se deitou sobre aquela macia pele de animal, pensando apenas em descansar por pouco tempo. Só vestia sua regata, e ainda não queria colocar suas roupas até que seus cabelos estivessem secos e trançados.
Joseph a encontrou profundamente adormecida. Deitada de lado, em frente ao fogo, Demétria oferecia uma imagem realmente sedutora. Tinha encolhido suas pernas douradas até deixá-las junto ao seio, e seu magnífico cabelo cobria a maior parte de sua face.
Não pôde deixar de sorrir. Deus, como parecia uma gatinha, enrolada feita um novelo! Sim, não havia dúvida de que Demétria estava muito atraente, e provavelmente terminaria morrendo de frio, se ele não fizesse algo a respeito.
Demétria nem sequer abriu os olhos quando Joseph a agarrou em seus braços e a levou para cama. Ele sorriu pela maneira com que ela se aconchegou instintivamente contra seu peito. Também suspirou, como se s sentisse muito à vontade e, maldição, voltava a cheirar à rosa.
Joseph a colocou em cima da cama e a cobriu. Tentou se comportar da maneira mais distante possível, mas não pôde evitar passar a mão pela lisa suavidade de sua bochecha.
Demétria tinha um aspecto terrivelmente vulnerável quando estava dormindo. Certamente esta era a razão pela qual ele não queria sair dali. Demétria era tão inocente e confiante, que o impulso de protegê-la era esmagadora. Em seu coração, Joseph sabia que não deixaria que ela voltasse para o irmão. Demétria era um anjo e ele não permitiria que voltasse a estar perto daquele demônio do Sebastian, nunca mais.
Era como se todas as regras estivessem de cabeça para baixo diante dele. Com um gemido de exasperação, Joseph foi para a porta. Demônios, pensou, já nem sequer sabia o que passava por sua cabeça.
E tudo era obra de Demétria, embora certamente ela não tivesse consciência daquele fato. Ela o distraía, e quando estava perto dela Joseph quase não podia pensar.
Decidiu que teria que colocar um pouco de distância entre ele e Demétria até que pudesse resolver todas as questões que o preocupavam tanto. Mas assim que tomou a decisão de se afastar de Demétria, seu humor tornou-se sombrio. Finalmente resmungou uma maldição, deu meia volta e fechou a porta atrás dele lentamente, sem fazer nenhum ruído.
Demétria ainda estava bastante fraca, então o isolamento forçado não a incomodava. Mas depois de dois dias, tendo apenas Gerty e Maude para lhe fazerem uma visita ocasional, já estava começando a sentir os efeitos de sua prisão. Dedicou-se a andar de lá para cá nos aposentos até que chegou a saber de cor o último centímetro dela, e logo começou a deixar as criadas nervosas, quando insistiu em fazer o que elas consideravam ser trabalho comum. Demétria esfregou o chão e as paredes. O exercício físico também foi de muita ajuda. Sentia-se tão presa como um animal. E esperava, hora após hora, que Joseph viesse vê-la.
Demétria não parava de repetir a si mesma que deveria estar agradecida por Joseph ter-se esquecido dela. Deus, por acaso não estava acostumada a ser esquecida?
Passados mais dois dias, Demétria já estava perto de se jogar pela janela, só para quebrar um pouco a rotina. Sentia-se aborrecida demais para gritar.
Ficou diante da janela e se dedicou a contemplar o pôr do sol que desvanecia sobre os campos, enquanto pensava em Joseph.
Um instante depois, Demétria pensou que o havia conjurado em sua mente, porque Joseph apareceu, de repente, justamente quando ela pensava em quanto queria vê-lo. A porta se abriu, ricocheteando no muro de pedra para anunciar sua chegada, e um instante depois ali estava ele, imponente e poderoso, realmente muito arrumado para tranquilidade dela. Para falar a verdade, Demétria poderia passar o resto da noite contemplando-o.
- Kevin vai tirar seus pontos - disse Joseph.
Então, entrou nos aposentos e se deteve diante da lareira. Cruzou os braços sobre seu peito, o que fez com que Demétria imaginasse de que aquela missão o aborrecia terrivelmente.
Não pôde evitar sentir-se ferida pela frieza de suas maneiras, mas estava decidida a não deixá-lo saber. Deu a ele o que esperava ser uma expressão máxima de serenidade.
Deus, ela era realmente digna de se ver! Demétria usava um vestido de cor creme, complementado com uma sobreveste azul. Um cordãozinho delicadamente trançado rodeava sua esbelta cintura, acentuando suas curvas femininas.
Seus cabelos não estavam recolhidos, mas sim repousavam sobre a curva de seus seios. Era uma frisada massa de mechas digna de qualquer rainha, pensou Joseph, da cor do zibelina, embora as mechas também estivessem entrelaçadas com alguns fios vermelhos. Lembrou-se da sensação de seu contato, tão suave e sedoso.
Franziu o cenho, subitamente irritado ante a maneira com que ela o perturbava. Também não podia deixar de olhar para Demétria; então admitiu que tinha sentido falta de tê-la junto dele. O pensamento era muito estúpido, algo que Joseph jamais admitiria abertamente, mas, de qualquer maneira, ali estava, esporeando-o para uma nova compreensão.
De repente, percebeu que Demétria usava suas cores, e sorriu. Duvidava que ela soubesse daquele fato, e se ela não parecesse tão malditamente adorável, ele poderia ter mencionado o fato, só para ver sua reação.
Demétria não podia olhar para Joseph por muito tempo. Temia que ele visse em sua expressão o quanto havia sentido falta dele. Então ele iria se regozijar, pensou.
- Eu gostaria de saber o que você vai fazer comigo, Joseph - disse. Voltou seu olhar para o chão, não se atrevendo a levantar os olhos para ver como ele estava interpretando sua pergunta, porque não queria perder a linha de seus pensamentos.
Sim, sua capacidade de se concentrar estava sempre ameaçada, quando ela estava próxima a Joseph. Demétria não entendia sua reação diante ele, mas a aceitava mesmo assim. O barão era capaz de colocá-la nervosa, sem nem mesmo chegar a dizer uma palavra. Ele perturbava a paz de sua alma, confundindo-a também. Quando ele estava por perto, Demétria queria que ele fosse embora. Mas quando Joseph estava longe dela, então sentia falta dele.
Demétria deu-lhe as costas e voltou a olhar pela janela.
- Pensa em me manter trancada nesta torre durante o resto de minha vida? - perguntou-lhe finalmente.
Joseph sorriu pela preocupação que ouviu em sua voz.
- Demétria, a porta não estava trancada - ele disse.
- Está brincando? - perguntou Demétria, virando-se e lançando-lhe um olhar de total incredulidade -. Está tentando me dizer que não estive trancada nesta torre durante toda a semana? - Deus, sentia desejos de gritar -. Poderia ter escapado?
- Não, não poderia ter escapado, mas poderia ter saído do quarto - respondeu Joseph.
- Não acredito em você - Demétria avisou. Cruzou os braços diante dela, imitando zombeteiramente a postura de Joseph -. Mentiria só para me fazer parecer estúpida. Conta com uma vantagem muito injusta, Joseph, porque eu nunca, nunca minto. Por isso - concluiu -, o combate é muito desigual.
Kevin apareceu no vão da porta. O irmão de Joseph tinha seu habitual cenho franzido. Mesmo assim também parecia um pouco receoso, e ficou olhando para Demétria durante um bom tempo, antes de entrar nos aposentos.
- Você vai segurá-la desta vez - disse a Joseph.
Demétria dirigiu um olhar cheio de preocupação a Joseph e o viu sorrir.
- Agora Demétria não tem febre, Kevin, e é tão dócil como uma gatinha - observou. Logo se virou para Demétria e disse que fosse até a cama para que Kevin pudesse tirasse sua bandagem.
Demétria assentiu. Sabia o que deveria fazer, mas a timidez prevaleceu à razão.
- Se vocês dois saírem, terei um minuto de privacidade para me preparar.
- Preparar o quê? - perguntou Joseph.
- Sou uma dama delicada - balbuciou Demétria -. Não permitirei que nenhum de vocês veja nada que não seja minha ferida. É por isso que vou me preparar.
Demétria ficou vermelha o suficiente para que Joseph compreendesse que ela falava muito a sério. Kevin começou a tossir, mas o suspiro de Joseph foi mais sonoro.
- Não é momento para modéstia, Demétria. Além disso, eu já vi suas... pernas.
Demétria ergueu os ombros, fulminou-o com o olhar e logo se apressou em ir para a cama. Agarrou uma das peles de animal que tinha caído no chão, e quando se deitou sobre a cama, estendeu a pele por cima dela e subiu suas roupas até o início de suas coxas.
Deixou à mostra apenas a bandagem exposta, ela começou a longa tarefa de desenrolar o tecido.
Kevin se ajoelhou perto dela enquanto a bandagem era retirada; e foi aí que Demétria percebeu que havia uma sombra escura debaixo de seu olho esquerdo. Perguntou-se como ele teria conseguido aquele arroxeado, e então chegou à conclusão de que o responsável por aquilo provavelmente fosse um de seus irmãos. Que pessoas tão odiosas, disse a si mesma, inclusive quando percebeu que Kevin estava sendo muito delicado, enquanto retirava os pegajosos fios de sua pele.
- Ora, Kevin, não é pior que um beliscão - disse com alívio.
Joseph se tinha postado junto à cama, e parecia disposto a saltar sobre ela, caso Demétria se mexesse.
Ter dois homens olhando sua coxa era bastante constrangedor. Demétria não demorou a se sentir bastante incomodada. Então disse a primeira coisa que veio a sua cabeça, pensando que assim conseguiria desviar a atenção de Joseph de sua coxa.
- Por que há fechaduras em cada lado da porta? - perguntou.
- O quê? - perguntou ele efetivamente perplexo.
- Refiro-me à ripa de madeira que desliza nos aros para trancar a porta - explicou Demétria apressada -. Existem aros em ambos os lados. Por que isso? - perguntou, fingindo interesse por um assunto tão ridículo.
Não obstante, sua estratégia funcionou. Joseph se virou, olhou a porta e voltou a olhar para Demétria. Agora estava observando sua face, esquecendo, no momento, sua coxa descoberta.
- E então? - ela o desafiou -. Ou ficou tão confuso quando fez a porta que não conseguiu decidir de que lado deveria colocar as trancas?
- Demétria, pela mesma razão pela qual a escada foi construída à esquerda - replicou Joseph. Uma tênue, mas inegável luz brilhou em seu olho, e Demétria percebeu a mudança que aquilo produzia em sua feição. Quando sorria, Joseph não era tão preocupante.
- E qual é essa razão? - perguntou, sorrindo consigo mesma.
- Que eu prefiro assim.
- Essa é uma razão muito mesquinha - concluiu Demétria.
Ela continuou sorrindo até que percebeu estar segurando a mão de Joseph. Apressadamente deixou-a livre e voltou a olhar para Kevin.
O irmão olhava para Joseph. Ele levantou e disse -: curou-se.
Demétria baixou o olhar para a linha espantosamente irregular que marcava sua coxa e torceu o rosto ante aquela horrível cicatriz. Mas recuperou rapidamente o controle de si mesma, envergonhando-se de sua reação superficial. Ora, se ela nem mesmo era vaidosa!
- Obrigada, Kevin - ela disse, enquanto puxava a coberta sobre sua perna.
Joseph não tinha visto o resultado do trabalho do Kevin. Inclinou-se para frente para afastar a pele do animal. Demétria empurrou sua mão e apertou a ponta do cobertor contra a cama.
- Seu irmão acaba de dizer que estou curada, Joseph.
Obviamente ele queria ver com seus próprios olhos. Demétria soltou um gritinho de surpresa, quando Joseph afastou o cobertor com um tapa. Demétria tentou baixar o vestido, mas Joseph agarrou suas mãos e lenta, deliberadamente, foi subindo a sobreveste até que a coxa de Demétria ficou totalmente descoberta.
- Não há nenhuma infecção - observou Kevin, dirigindo-se a Joseph, enquanto contemplava a cena do outro lado da cama.
- Sim, está curada - anunciou Joseph com uma inclinação de cabeça.
Quando soltou as mãos de Demétria, ela se apressou em esticar seu vestido. Perguntou:
- Não acreditou em seu próprio irmão? - perguntou, parecendo horrorizada.
Joseph e Kevin intercambiaram um olhar que Demétria não pôde interpretar.
- É obvio que não acreditou nele - murmurou ela -. Provavelmente deu-lhe o olho preto - acrescentou, deixando seu desgosto à mostra -. É isso que eu poderia esperar dos irmãos Wexton.
Joseph mostrou sua exasperação virando-se e caminhando até a porta. Seu forte suspiro o seguiu. Kevin permaneceu onde estava, contemplando Demétria com o cenho franzido por um minuto a mais, e então seguiu seu irmão.
Demétria repetiu seu agradecimento.
- Já sei que ele ordenou que cuidasse da minha ferida, Kevin, mas agradeço de qualquer maneira.
Demétria estava certa de que aquele homem tão rude e mal-humorado desprezaria seu agradecimento, e se preparou para suportar seus insultos. Fosse qual fosse a indelicadeza que lhe dissesse, ela humildemente dar-lhe-ia a outra face.
Kevin não se incomodou em dizer nada. Demétria se sentiu bastante decepcionada. Como ia poder demonstrar aos Wexton que era uma donzela amável e delicada se eles não lhe davam ocasião de fazê-lo?
- O jantar será servido dentro de uma hora, Demétria. Pode se juntar a nós no salão quando Nicholas vier buscá-la.
Joseph saiu pela porta depois de dar o recado. Kevin, entretanto, se deteve e se virou lentamente para olhar, outra vez, para Demétria. Parecia estar meditando alguma decisão.
- Quem é Polifemo? - perguntou finalmente.
Demétria abriu muito os olhos. Que pergunta mais estranha.
- Ora, era um gigante que mandava nos Ciclopes no antigo conto de Homero - respondeu -. Polifemo era um gigante terrivelmente deformado que tinha um olho apenas, enorme e justo no meio de sua testa. Comeu os soldados de Ulisses no jantar - acrescentou com um delicado encolhimento de ombros.
Kevin não gostou de sua resposta.
- Pelo amor de Deus - murmurou.
- Não deveria falar o nome de Deus em vão! - gritou Demétria -. E que motivo você tem para me perguntar sobre quem era Polifemo?
O som de uns passos que se afastavam rapidamente fez com que Demétria imaginasse que Kevin não iria responder.
Mas mesmo assim, nem a indelicadeza do irmão de Joseph conseguiu diminuir o prazer que Demétria estava sentindo. Saltou da cama e soltou uma gargalhada. Deus, por fim ia poder sair daquele quarto! Não tinha acreditado, nem por um só instante, que a porta tivesse permanecido sem fechar durante toda a semana. Joseph havia dito aquilo só para chateá-la. Claro, pensou, porque ele me fez acreditar que eu era estúpida, caso eu tentasse.
Demétria vasculhou sua mochila. Desejou ter um bonito vestido para usar, e então percebeu quão insensato era aquele desejo. Era sua prisioneira, pelo amor de Deus, não sua convidada.
Precisou de apenas cinco minutos para se arrumar. Ela caminhou pelo quarto por um tempo, e depois foi até a porta, averiguar quão segura estava fechada. Com o primeiro puxão, a porta se abriu tão bruscamente que quase fez com que Demétria caísse.
Era evidente que Joseph tinha deixado a porta aberta só para preparar-lhe uma armadilha. Demétria queria acreditar aquela história... até que se lembrou que Joseph tinha saído do quarto antes de Kevin.
Um som subiu pelo vão da escada, atraindo Demétria ao patamar. Inclinou-se sobre o corrimão e se esforçou para ouvir a conversa, mas a distância demonstrou ser muito longa para distinguir qualquer palavra. Demétria finalmente se deu por vencida e voltou a entrar em seu quarto. Então viu a longa madeira apoiada no muro de pedra e, seguindo um impulso, pegou-a e arrastou-a para dentro do quarto. Escondeu a tranca debaixo da cama, sorrindo para si mesma ante a ousadia de sua ação.
- Posso ter vontade de deixar você trancado do lado de fora, Joseph, ao invés de permitir que você me deixe trancada aqui dentro.
Como se ela pudesse permitir muito de coisa alguma, pensou. Deus, tinha passado muito tempo confinada dentro daquele quarto e certamente essa era a razão pela qual via tanta graça em seus pensamentos.
Nicholas demorou uma eternidade para vir buscá-la. Demétria já tinha chegado à conclusão de que Joseph tinha mentido, e que só estava sendo cruel com ela.
Quando ouviu o ruído de passos, sorriu com alívio e se apressou em postar-se junto à janela. Alisou seu vestido e arrumou bem os cabelos, obrigando-se a adotar uma expressão de calma.
Nicholas não estava franzindo o cenho. Isso já era uma surpresa. Naquela noite estava muito elegante, vestido com a cor da floresta na primavera. Aquele verde quente o deixava bonito.
Quando falou, havia ternura em sua voz.
- Lady Demétria, queria falar um momento com você antes de descermos - anunciou em lugar de falar uma saudação.
Depois ele lançou um olhar cheio de preocupação, juntou as mãos atrás das costas e caminhou diretamente para frente dela.
- Miley provavelmente vai se juntar à família. Ela sabe que você está aqui e...
- Sente-se muito infeliz?
- Sim, apesar de ser algo mais que um mero sentir-se infeliz. Miley não disse nada, mas a expressão que há em seus me deixou um pouco preocupado.
- Por que me está contando tudo isto? - perguntou Demétria.
- Digo isso porque senti que lhe devia uma explicação, para que assim você pudesse se preparar.
- Por que está preocupado? É evidente que mudou consideravelmente a opinião que tinha a meu respeito. É porque ajudei você durante a batalha contra meu irmão?
- Bem, é obvio que sim - balbuciou Nicholas.
- Esta é uma razão realmente lamentável - disse Demétria.
- Arrepende-se por ter salvado minha vida? - perguntou Nicholas.
- Você não entendeu, Nicholas. Sinto muito por ter sido obrigada a tirar a vida de outro homem para poder ajudar você - ela explicou -. Mas não lamento ter sido capaz de lhe ajudar.
- Lady Demétria está se contradizendo - disse Nicholas. Parecia muito confuso.
Ele possivelmente não entenderia. Ele se parecia muito com seu irmão. Sim, supôs Demétria, Nicholas estava acostumado a matar, e nunca compreenderia a vergonha que ela estava sentindo pela maneira com havia se comportado. Deus, ele provavelmente veria sua ajuda como um ato heroico!
- Eu preferiria que tivesse encontrado algo de bom em mim e que essa fosse a razão pela qual mudou de opinião.
- Não entendo você - observou Nicholas, encolhendo-se de ombros.
- Eu sei. - As palavras foram ditas com tanta tristeza que Nicholas sentiu o impulso de consolá-la.
- É uma mulher realmente excepcional.
- Tento não ser. Mas é difícil, porém, quando você considera meu passado.
- Quando digo que a vejo como excepcional, estou lhe fazendo um elogio - replicou Nicholas por sua vez, sorrindo ante a preocupação que tinha percebido na voz dela e perguntou-se se Demétria acharia que excepcional significasse um tipo de defeito.
Sacudiu a cabeça e virou-se para conduzi-la escada abaixo, explicando a Demétria que se ela escorregasse, então ela teria que se agarrar rapidamente nos ombros dele para não perder o equilíbrio. Os degraus estavam um pouco úmidos, e havia alguns lugares bastante escorregadios.
Nicholas manteve um incessante monólogo enquanto desciam a escada, mas Demétria estava muito nervosa para poder escutá-lo. Por dentro parecia um autêntico feixe de nervos ante a possibilidade de enfim conhecer Miley.
Quando chegaram à entrada do salão, Nicholas se apressou em ficar ao lado de Demétria, oferecendo-lhe o braço. Demétria rechaçou aquele gesto tão galante, temerosa de que a mudança de atitude de Nicholas não fosse bem vista entre seus irmãos.
Com uma pequena sacudida em sua cabeça, Demétria cruzou as mãos diante dela e voltou sua atenção para o salão. Céus, era de proporção realmente gigantesca, com uma lareira de pedra ocupando uma considerável porção da parede na frente dela. À direita da grande lareira, e a certa distância dela, havia uma enorme mesa, longa o bastante para acolher, pelo menos, umas vinte pessoas. A mesa estava colocada em cima de uma plataforma de madeira. Tamboretes cheios de sinais se alinhavam ao longo dos dois lados da mesa, alguns deles na posição vertical, mas outros virados.
Um aroma estranho chegou até Demétria, e ela enrugou o nariz em resposta. Então olhou a seu redor e em seguida avistou a causa daquele aroma. Os juncos que cobriam o chão da sala estavam escurecidos pelo passar do tempo. De fato, estavam cheios de sujeira acumulada. Um grande fogo ardia na lareira, esquentando o mal cheiro, e como se isso não fosse suficiente para revolver seu estômago, uma dúzia de cães acrescentava àquela pestilência o aroma da sujeira de seus corpos, enquanto dormiam colados uns aos outros, formando uma pilha satisfeita no centro da sala.
Demétria ficou completamente atônita com aquela desordem, mas estava decidida a guardar seus pensamentos para ela mesma. Se os Wexton desejavam viver igual aos animais, então que assim fosse. Certamente pouco lhe importava o que fizessem.
Quando Nicholas a empurrou suavemente com o cotovelo, Demétria andou na direção da plataforma. Kevin já estava sentado à mesa, de costas para a parede que se elevava atrás dele. O irmão de Joseph observava Demétria e seu rosto demonstrava estar mergulhado em profundas reflexões sobre alguma coisa. Tratava de olhar através de Demétria, da mesma maneira que Demétria fingia agir com indiferença.
Uma vez que ela e Nicholas ocuparam seus lugares à mesa, soldados de diversas categorias e altura lotaram no salão. Os recém-chegados ocuparam os bancos restantes, salvo o que havia na cabeceira da mesa, junto ao lugar de Demétria. Ela imaginou que o banco vazio pertencesse a Joseph, já que ele era o chefe do clã Wexton.
Demétria preparava-se para perguntar a Nicholas quando Joseph se reuniria com eles, quando a voz de Kevin ressoou no salão.
- Gerty!
O alarido levou embora a pergunta de Demétria. A mensagem foi prontamente atendida com uma estrondosa resposta, procedente da despensa que havia à direita do salão:
- Já ouvi você!
Em seguida, Gerty apareceu, equilibrando-se com uma pilha de pranchas vazias segurando em um braço e uma grande bandeja cheia de carne no outro. Duas outras jovens criadas seguiram os passos de Gerty, carregando outras bandejas adicionais, todas elas transbordantes de comida. Uma terceira criada apareceu atrás delas para colocar fim à procissão, com pães crocantes nas mãos e outros mais seguros sob os braços.
O que ocorreu a seguir foi tão repulsivo que Demétria ficou sem fala. Gerty depositou os pratos ruidosamente no centro da mesa, e indicou com um gesto às outras criadas que fizessem o mesmo. As pranchas usadas para comer voaram pelos ares como discos movidos em um campo de batalha, girando loucamente ao redor dela, antes de aterrissarem sobre a mesa, seguidas por gordas jarras de cerveja. Os homens, encabeçados por Kevin, começaram a comer imediatamente.
Obviamente aquilo representava algum tipo de sinal para os cães adormecidos, já que todos se apressaram em se levantar de uma vez e correram para ocupar posições ao longo de ambos os lados da mesa. Demétria não entendeu a razão daquele comportamento tão estranho até que o primeiro osso passou voando por cima dos ombros de um dos soldados. O osso descartado foi recolhido imediatamente por um dos maiores cães, uma espécie de mastim que era quase duas vezes maior que os galgos que estavam perto deles. A seguir houve uma série de ferozes grunhidos até que outro resto bruscamente descartado da mesa foi arrojado por cima de outro ombro, e logo este foi seguido por mais e mais restos, até que todos os cães ficaram freneticamente entretidos em se alimentarem, assim como os homens que a rodeavam.
Demétria observou os homens. Não podia esconder a repugnância que sentia e nem sequer tentou fazê-lo. Ela, no entanto, perdeu o apetite.
Durante todo o jantar nenhuma palavra decente foi dita, e por cima do estalar de queixos dos cães, que ressoava como cortina de fundo, só se podia ouvir os grunhidos obscenos de homens profundamente concentrados em desfrutar de seus pratos.
A princípio Demétria pensou que aquilo era algum tipo de truque para fazê-la vomitar, mas como a coisa continuou até que todos os homens encheram seus estômagos e arrotaram suas satisfações, ela se viu obrigada a reconsiderar sua maneira de pensar.
- Não está comendo nada, Demétria. Não está com fome? - perguntou Nicholas com a boca cheia de comida, já que, por fim, percebeu que Demétria não havia tocado em nenhum alimento passado entre eles.
- Tinha, mas a perdi - sussurrou Demétria.
Viu como Nicholas bebia um longo gole de cerveja e depois limpava a boca com a manga de sua túnica. Demétria fechou os olhos.
- Diga-me uma coisa, Nicholas - conseguiu murmurar finalmente -. Por que razão os homens não esperaram por Joseph? Eu imagino que ele exigiria isso.
- Oh, Joseph nunca come conosco - respondeu Nicholas. Arrancou um pedaço de pão de uma enorme fogaça e ofereceu uma parte a Demétria. Ela sacudiu a cabeça.
- Joseph nunca como com vocês?
- Não, desde que nosso pai morreu e Mary ficou doente - afirmou Nicholas.
- Quem é Mary?
- Era - corrigiu-a Nicholas -. Agora está morta. - Arrotou antes de continuar falando -. Mary era a governanta. Já tinha passado muitos anos da sua hora de morrer - prosseguiu, demonstrando bastante falta de sensibilidade na opinião de Demétria -. Eu pensei que ela sobreviveria a todos nós. Miley não queria nem ouvir falar em substituí-la, porque dizia que isso feria seus sentimentos. No final, seus olhos estavam falhando e a metade das vezes ela não podia encontrar a mesa.
Nicholas deu outra enorme dentada na carne e lançou distraidamente o osso por cima de seu ombro. Demétria se viu obrigada a desviar do resto de comida. Uma nova onda de raiva se apoderou dela.
- Em todo caso - continuou Nicholas -, Joseph é o senhor desta fortaleza. Sempre se mantém o mais distante possível da família. Acredito que também prefira comer sozinho.
- Não duvido - murmurou Demétria.
E pensar que ela tinha tido tanta vontade de sair de sua casa!
- Os homens de Joseph sempre comem com semelhante entusiasmo? - perguntou.
Sua pergunta pareceu deixar Nicholas bastante confuso. Encolheu os ombros e disse:
- Quando estão de serviço durante um dia inteiro, eu diria que sim.
Quando Demétria já estava começando a pensar que não poderia continuar vendo aqueles homens nem um instante a mais, a terrível provação chegou a um brusco final. Os soldados se levantaram um a um, arrotaram e partiram. Se o ritual não tivesse sido tão repugnante, Demétria poderia ter achado graça.
Os cães também se retiraram, dirigindo-se com lânguido andar para a lareira para formar uma nova pirâmide diante dela. Demétria percebeu que aqueles animais eram mais disciplinados que seus donos. Nenhum deles se despediu com um arroto.
- Não comeu nada - disse Nicholas -. Não gostou do jantar? - perguntou. Tinha falado em voz muito baixa, e Demétria imaginou que assim o fazia para que Kevin não pudesse ouvir o que estava dizendo.
- Isso era um jantar? - perguntou Demétria, sem poder evitar que a raiva que sentia aparecesse em sua voz.
- Como você o chamaria? - interveio Kevin, subitamente, com um franzido no cenho do tamanho da sala.
- Eu chamaria de engolir a comida.
- Não entendo o que quer dizer com isso - replicou Kevin.
- Pois então, eu terei um imenso prazer em explicar - respondeu Demétria -. Vi animais que tinham melhores maneiras. - Assentiu, dando assim mais ênfase a seu comentário -. Uma ninhada de homens comia sua comida, Kevin. O que acabo de presenciar não foi um jantar. Não, porque era apenas um bando de animais vestidos de homens que enchiam o bucho. Isso está claro o bastante para você?
O rosto do Kevin foi-se avermelhando durante o discurso de Demétria. Parecia a ponto de saltar sobre da mesa e estrangulá-la. Demétria estava muito furiosa para poder se importar. Extravasar sua raiva a fez sentir bem.
- Acredito que você deixou sua posição sobre isso muito clara. Não está de acordo, Kevin?
Oh, Deus, era Joseph quem acabava de falar e sua grave voz tinha reverberado atrás dela. Não se atreveu a se virar, temendo perder sua recém-encontrada coragem.
Demétria o sentia terrivelmente perto dela. Ela se inclinou um pouco para trás, de maneira quase imperceptível, e sentiu como as coxas de Joseph roçavam seu ombro. Demétria percebeu que não deveria tocá-lo, porque se lembrava muito bem do poder que encerravam aquelas coxas tão musculosas.
Decidiu que o faria cair da plataforma. Demétria levantou-se, virando-se rapidamente ao mesmo tempo em que se incorporava, mas se viu comprimida contra o barão de Wexton. Joseph não tinha cedido nem um único centímetro, e agora era Demétria que se via obrigada a deslizar cautelosamente ao redor dele. Recolheu suas saias e desceu da plataforma, virando-se novamente para Joseph com o firme propósito de dizer o que pensava sobre aquele bárbaro jantar. Mas, cometeu o erro de levantar o olhar para ele, e se pegou contemplando seus olhos cinza e sentiu como a coragem lhe escapava.
Aquele poder místico que Joseph parecia possuir sobre a mente de Demétria era realmente muito constrangedor. Agora ele o usava, pensou consigo mesma, para roubar seus pensamentos. Que Deus a ajudasse, porque nem sequer podia se lembrar do que gostaria de dizer.
Sem que tivesse chegado a pronunciar uma única palavra de despedida, Demétria deu meia volta e começou a se afastar lentamente. Ela considerou aquilo como uma grande vitória, porque na realidade tinha preferido correr.
Já tinha percorrido metade da distância que a separava da entrada do salão quando a ordem de Joseph a deteve.
- Não dei permissão para que saísse, Demétria.
Cada palavra foi articulada com uma grande lentidão.
Demétria se virou para Joseph com as costas rígidas, dirigiu-lhe um sorriso que não podia ser menos verdadeiro e lançou sua resposta com o mesmo tom exagerado que ele tinha empregado.
- Eu não pedi permissão.
Demétria teve tempo de ver a feição de espanto de Joseph antes de voltar a dar-lhe as costas. Ela começou a andar, murmurando para si mesma que afinal de contas ela não era nada mais que uma prisioneira, e que os prisioneiros certamente não tinham que obedecer a vontade de seus captores. Sim, as injustiças a ela infligidas eram realmente desleais. Ela era uma dama doce e delicada.
Demétria estava tão concentrada falando com seus sussurros, que não ouviu quando Joseph se moveu. Quando sentiu como suas enormes mãos posavam sobre seus ombros, Demétria pensou de maneira frenética que agora ele acabava de agir como um lobo.
Joseph aplicou uma sutil pressão para detê-la, mas na realidade ela não era necessária. Assim que ele a tocou, ele sentiu como a rigidez abandonava seus ombros.
Demétria se apoiou nele. Joseph a sentiu tremer, e foi então que percebeu que ela não prestava a menor atenção nele. Não, Demétria estava encarando a entrada do salão. Ela estava encarando Miley.




sábado, 19 de janeiro de 2019

ESPLENDOR DA HONRA Capitulo 7


Uma resposta suave acalma a ira.
Provérbios, 15, 1
Demétria esteve dormindo por quase vinte e quatro horas seguidas. Quando por fim abriu os olhos, o aposento estava mergulhado nas sombras do entardecer, apenas com algumas poucas franjas de sol, filtrando-se através das portinholas de madeira. Demétria viu todo, um pouco confuso, e se sentiu tão desorientada que não conseguia se lembrar de onde estava.
Tratou de se sentar na cama e fez uma careta ao sentir o incômodo que aquele movimento lhe causou; então se lembrou até o último detalhe do ocorrido.
Deus, sentia-se realmente horrível! Cada músculo de seu corpo doía. Demétria pensou que possivelmente alguém tivesse batido um pau em suas costas, ou usado uma varinha de ferro quente em um dos lados sua perna. Seu estômago grunhia, mas Demétria não queria comer nada. Não, só tinha uma sede terrível e tudo lhe ardia. A única coisa que queria fazer agora era tirar toda aquela roupa e plantar-se nua diante da janela aberta.
A ideia lhe pareceu realmente maravilhosa. Tentou se levantar da cama para ir abrir as portinholas, mas então descobriu que estava tão fraca que nem sequer podia se separar dos cobertores de um chute. Continuou tentando, até que percebeu que não usava suas roupas. Alguém as tinha tirado, embora esse fato ofendesse o sentido de pudor de Demétria, não era tão alarmante quanto perceber que ela não tinha nem ideia de como aquilo tinha acontecido.
Agora Demétria usava um tipo de camisa de algodão branco, uma peça de roupa indecente, com certeza, porque parcamente conseguia cobrir seus joelhos. Mesmo assim, as mangas eram muito longas. Quando tentou dobrar um pouco o tecido para aproximá-la a seus punhos, Demétria se lembrou de onde tinha visto semelhante peça antes. Ora, aquilo era uma camisa de homem! E a julgar por suas proporções gigantescas, obviamente pertencia a Joseph. Era o mesmo traje, disso não restava dúvida. Joseph usava uma camisa idêntica quando dormiu junto dela dentro da tenda na noite anterior… ou agora já fazia duas noites disso? Demétria se sentia muito sonolenta para poder se lembrar. Decidiu fechar os olhos durante outro minuto para continuar pensando nisso.
Então teve um sonho dos mais aprazíveis. Demétria voltava a ter onze anos e estava vivendo com seu querido tio, o padre Berton. O padre Robert e o padre Samuel tinham vindo à mansão do barão de Grinstead para fazer uma visita a seu tio e apresentar seu respeito ao ancião Morton, senhor da mansão de Grinstead. Além dos camponeses que se encarregavam de trabalhar na pequena propriedade do barão Morton, Demétria era a única pessoa jovem que residia ali. Estava rodeada por homens amáveis e bondosos, todos eles bastante velhos que poderiam ser seus avós. Tanto o padre Robert como o padre Samuel vinham do monastério de Claremont, e lorde Morton lhes oferecia uma acomodação permanente em sua mansão. O idoso barão não tinha demorado em se afeiçoar aos amigos do padre Berton. Ambos eram excelentes jogadores de xadrez, e os dois o gostavam de ouvir o barão contar suas favoritas histórias do passado. Demétria estava rodeada de anciões decididos a mimá-la e a consideravam uma criança bem talentosa. Os três se alternavam entre eles para ensiná-la a ler e escrever, e o sonho de Demétria terminou se concentrando em uma tarde em que esteve particularmente cheia de paz. Estava sentada à mesa e lia para seus “tios” as últimas linhas que tinha escrito. Um fogo ardia dentro da lareira, e nos aposentos reinava uma atmosfera cálida e tranquila. Demétria estava contando uma história que não tinha nada de comum, a das aventuras de seu herói favorito, Ulisses. O poderoso guerreiro fazia companhia durante seu sonho, inclinando-se sobre o ombro de Demétria e sorrindo amavelmente, enquanto ela voltava a contar os maravilhosos acontecimentos que tinham ocorrido durante sua longa viagem.
Quando voltou a despertar, certa de que só tinham transcorrido alguns minutos desde que havia decidido descansar, mas Demétria percebeu que alguém tinha, na verdade, mantido suas pálpebras fechadas.
- Como pude permitir ser tratada desta maneira? - murmurou em voz alta, sem dirigir sua indignação a ninguém em particular.
E, além disso, a amarra estava molhada. Demétria arrancou aquela contensão ofensiva, resmungando um xingamento digno de um camponês obsceno. O mais curioso de tudo aquilo foi que então pareceu ouvir alguém rindo. Demétria tentava se concentrar no som, quando sua mente subitamente se distraiu com alguma coisa. Maldição, estavam colocando outra contensão em sua testa! Aquilo não tinha absolutamente nenhum sentido. Acaso não acabava de tirar a primeira amarra que tinham-lhe colocado? Demétria sacudiu a cabeça, sentindo-se incapaz de poder entender toda aquela confusão.
Alguém falou com ela, mas Demétria não pôde entender o que estavam lhe dizendo. Se deixasse de sussurrar e de formar cada palavra confundindo-a com as demais, tudo seria muito mais fácil. Demétria pensou que quem quer que estivesse lhe dirigindo a palavra estava sendo terrivelmente descortês, e gritou aquela opinião.
Um instante depois se lembrou subitamente do calor que tinha sentido quando o peso de outro cobertor caiu bruscamente sobre seus ombros. Demétria sabia que tinha que chegar à janela e respirar um pouco daquele saudável ar frio. Era o único que podia salvá-la daquele espantoso calor. Se não soubesse que aquilo era impossível, teria pensado que estava no purgatório. Mas ela era uma garota muito boa, e, portanto, não seria certo estar no purgatório. Não, porque Demétria ia para o céu, acontecesse o que acontecesse.
Por que não podia abrir os olhos? Então sentiu que alguém puxava seus ombros, e um instante depois a água fresca entrou em contato com seus lábios ressecados. Demétria tentou beber um longo gole, mas a água se desvaneceu subitamente antes que seus lábios pudessem saboreá-la, o que lhe pareceu apenas algumas gotas. Demétria decidiu que alguém estava brincando cruelmente com ela e franziu o cenho com toda a ferocidade com que foi capaz, dadas as circunstâncias em que se encontrava.
De repente, tudo se tornou tão claro como o cristal. Estava no Hades, não no purgatório, e se achava a mercê de todos os monstros e demônios que tinham tratado de enganar Ulisses. Agora tentavam enganá-la também. Bom, disse a si mesma, não iria consentir.
A ideia daqueles demônios não preocupou Demétria. O efeito que teve foi justamente o contrário, já que ficou furiosa. Seus tios tinham mentido para ela. As histórias de Ulisses não eram falsas ou lendas passadas de geração em geração. Os monstros realmente existiam. Demétria podia senti-los em torno dela, rodeando-a enquanto esperavam que abrisse seus olhos.
Mas onde estava Ulisses? Como se atrevia a deixá-la só para enfrentar seus demônios? Acaso não entendia o que devia fazer? Será que ninguém tinha falado de seus próprios triunfos?
De repente sentiu que a mão de alguém tocava sua coxa, interrompendo com esse contato o curso cheio de desgosto que seguiam seus pensamentos. Demétria tirou a nova amarra que estava abrasando seus olhos e virou a cabeça justo a tempo de ver quem estava ajoelhado perto de sua cama. Então ela gritou, em uma reação instintiva à presença daquele horrível gigante torto que a olhava com um sorriso zombador em seu distorcido rosto, e então se lembrou que estava furiosa, não assustada. Sim, tinha certeza de que aquele era um dos Ciclopes, provavelmente o líder, Polifemo, o mais desprezível de todos eles, e que tinha a intenção de fazer algo realmente terrível caso ela permitisse.
Demétria fechou o punho com toda sua força, apressando-se a dar um forte golpe no gigante. Tinha escolhido como alvo seu nariz e falhou por alguns centímetros, mas se sentiu satisfeita por tê-lo acertado. A ação a deixou esgotada e se deixou cair novamente sobre o colchão, sentindo-se subitamente tão fraca como uma gatinha. Mesmo assim em seu rosto havia um sorriso de satisfação, porque pôde ouvir com toda clareza como Polifemo deixava escapar um uivo de desconforto.
Virou a cabeça para que seu rosto não ficasse voltada na direção do Ciclope, firmemente resolvida a desdenhar do monstro enquanto ele tocava em sua coxa. Olhou para a lareira. E então o viu. Ora, mas estava ali de pé diante o fogo, com a luz das chamas resplandecendo ao redor de seu magnífico corpo! Era muito maior do que ela imaginava, e também muito mais atraente. Mas então, tentou se lembrar disso, ele não era mortal. Demétria supôs que esse fato explicava o tamanho de suas proporções e a mística luz que resplandecia ao redor dele.
- Pode-se saber onde você esteve? - perguntou com um grito que pretendia ganhar a atenção dele.
Demétria não tinha certeza se os guerreiros mitológicos podiam conversar com meros mortais e supôs rapidamente que aquele não podia, ou que ao menos não queria fazê-lo, porque se limitou a continuar contemplando-a, sem se mover de onde estava e não deu uma única palavra como resposta a sua pergunta.
Demétria pensou em tentar outra vez, embora a tarefa fosse terrivelmente exasperante. Havia um Ciclope bem ao lado dela, pelo amor de Deus, e embora o guerreiro não pudesse falar com ela, podia ver que havia um trabalho a ser feito.
- Coloque mãos à obra, Ulisses - exigiu Demétria, assinalando com o dedo o monstro que estava ajoelhado perto dela.
Maldição, se ele não ficasse ali parado com o olhar confuso. Apesar de todo seu tamanho e poder, ele não parecia ser muito inteligente.
- Devo lutar todas as batalhas sozinha? - quis caber Demétria, levantando a voz até que os músculos de seu pescoço começaram a doer pelo esforço. Lágrimas de ira nublaram sua vista, mas isso era algo que ela não podia evitar. Ulisses estava tentando desvanecer entre a luz, algo que Demétria pensou ser muito indelicado da parte dele.
Não podia permitir que ele desaparecesse. Mentecapto ou não era tudo o que ela tinha. Demétria tratou de apaziguá-lo.
- Prometo perdoá-lo por todas as vezes que você permitiu que Sebastian me maltratasse - disse -, mas não vou perdoá-lo se me deixar sozinha agora.
Ulisses não parecia estar muito interessado em ganhar seu perdão. Demétria quase não podia vê-lo mais, sabia que não demoraria para desaparecer e compreendeu que se quisesse conseguir alguma ajuda dele, então teria que incrementar suas ameaças.
- Se me deixar, Ulisses, enviarei alguém a sua procura para ensiná-lo boas maneiras. Sim - acrescentou, entusiasmando-se com sua ameaça -. Enviarei o mais temível todos os guerreiros. Vá embora e verá o que acontece! Se você não se livrar dele - declarou, fazendo uma pausa na ameaça para apontar dramaticamente ao Ciclope durante um longo instante -, enviarei Joseph atrás de você.
Demétria se sentia tão satisfeita de si mesma que fechou os olhos com um suspiro. Fingiu que enviaria Joseph atrás dele, sem dúvida tinha colocado o temor de Zeus, à mais magnífica de todas as criaturas, o poderoso Ulisses. Estava tão orgulhosa de sua astúcia que deixou escapar um arquejo pouco elegante.
Voltou a fechar os olhos, sentindo-se como se acabasse de ganhar uma batalha muito importante. E tudo com palavras amáveis e delicadas, lembrou a si mesma. Não tinha utilizado nenhum tipo de força.
- Eu sempre sou uma donzela muito doce e carinhosa - gritou -. Que me enforquem se não for!
Durante três longos dias e noites, Demétria esteve lutando com aqueles monstros que apareciam, de repente, para tentar levá-la a Hades. Ulisses sempre estava ali, do seu lado, ajudando-a a rechaçar cada um dos ataques quando ela assim lhe pedia.
Às vezes, o teimoso gigante, inclusive, chegava a conversar com ela. Gostava muito de fazer perguntas a respeito de seu passado, e quando ela entendia o que ele estava perguntando, respondia-lhe imediatamente. O que parecia interessar muito a Ulisses, acima de tudo, era um período muito específico de sua infância. Ele queria que ela contasse como tinham sido as coisas depois a morte de sua mãe, quando Sebastian passou a ser seu tutor.
Demétria não suportava ter que responder a essas perguntas. Só queria falar de sua vida com o padre Berton, mas também não queria que Ulisses se zangasse com ela e a deixasse. Por esta razão, suportava seu amável interrogatório.
- Não quero falar dele.
A veemência da declaração de Demétria fez com que Joseph despertasse sobressaltado. Não sabia a respeito do que ela poderia estar delirando agora, mas se apressou em ir para sua cama. Sentou-se junto dela e pegou em seus braços.
- Silêncio, agora - sussurrou -. Volte a dormir, Demétria.
- Quando me fez voltar da casa do padre Berton, Sebastian sempre se comportava de uma maneira horrível. A cada noite, ele entrava no meu quarto. Ficava em pé ali, aos pés da cama. Eu podia sentir como ele me olhava. Pensava que se eu abrisse os olhos... Ficava muito assustada.
- Agora não pense em Sebastian - disse Joseph. Ele se esticou na cama assim que ela começou a chorar e a tomou em seus braços.
Embora ele tivesse o cuidado de esconder sua reação, por dentro Joseph estava tremendo de raiva. Sabia que Demétria não entendia o que estava dizendo, mas ele compreendia muito bem. Tranquila por aquele contato, Demétria logo voltou dormir. Mas não descansou por muito tempo e despertou para encontrar Ulisses que continuava ali, velando por ela. Quando ele estava ao seu lado, Demétria não tinha medo. Ulisses era o guerreiro mais maravilhoso que poderia imaginar. Era forte e arrogante, embora não reprovasse aquele pequeno defeito, e tinha um coração muito bom.
Também era muito peralta. Seu jogo favorito era mudar sua aparência. Aquilo acontecia tão depressa, que Demétria nem sequer tinha tempo de chegar a suspirar de surpresa. Em um momento fingia ser Joseph, e no momento seguinte já voltava a ser Ulisses. E em uma ocasião, quando era noite fechada e Demétria teve mais medo que nunca, chegou ao extremo de se converter em Aquiles, apenas para diverti-la. Estava sentado ali, em uma cadeira de respaldo reto, que era muito pequena para sua estatura e tamanho, e olhava para Demétria da maneira mais peculiar que pudesse imaginar.
Aquiles não havia calçado suas botas. Aquilo preocupou Demétria, e em seguida se apressou em lhe advertir que deveria proteger seus calcanhares de qualquer ferida. O conselho pareceu deixar Aquiles bastante confuso, forçando Demétria a lembrá-lo que sua mãe tinha mergulhado sua cabeça nas águas mágicas da lagoa Estígia, tornando-o todo seu corpo jamais vulnerável, salvo pelo pequeno pedaço de carne que havia na parte de trás de seu calcanhar, lugar no qual ela o havia segurado para que não fosse arrastado, por aquelas águas turbulentas.
- A água não chegou a tocar seus calcanhares, e aí é onde você é mais vulnerável - explicou -. Entende o que quero dizer?
Demétria em seguida chegou à conclusão de que ele não a entendia, absolutamente. A expressão de perplexidade que tinha colocado em seu rosto, assim indicava. Possivelmente sua mãe não se importou em lhe contar essa história. Demétria suspirou e o olhou com olhos cheios de compaixão. Sabia muito bem o que iria acontecer com Aquiles, mas mesmo assim faltou coragem para dizer que tivesse muito cuidado com as flechas perdidas. Supôs que ele não demoraria a descobrir quão perigosas essas flechas podiam ser.
Já tinha começado a chorar pelo futuro de Aquiles, quando de repente viu que ele se levantava e ia na direção dela. Mas agora não era Aquiles. Não, era Joseph, tomando-a em seus braços e consolando-a. O que mais a surpreendeu foi que ele a tocava exatamente como Ulisses.
Demétria convenceu Joseph a ir para cama ao lado dela, e então, imediatamente, rolou sobre ele. Apoiou a cabeça em seu peito para que ele pudesse olhá-la nos olhos.
- Meus cabelos são como uma cortina - ela disse -, escondendo sua face de todo mundo exceto de mim. O que você diz sobre isso, Joseph?
- Então agora eu volto a ser Joseph, não? - questionou ele -. Não sabe o que está dizendo, Demétria. Está ardendo em febre. Essa é minha opinião - acrescentou.
- Vai chamar um padre? - perguntou Demétria. A pergunta que acabava de fazer a entristeceu, e seus olhos encheram de lágrimas.
- Você gostaria que o fizesse? - perguntou Joseph.
- Não - abaixou-se à direita de seu rosto -. Se um padre fosse chamado, eu saberia que estava morrendo. Eu ainda não estou preparada para morrer Joseph. Há tanto ainda a ser feito.
- E o que você gostaria de fazer? - perguntou Joseph, rindo de sua expressão feroz.
Então Demétria se inclinou sobre ele e esfregou seu nariz contra o queixo de Joseph.
- Acredito que eu gostaria de beijar você, Joseph - disse -. Isso vai fazê-lo ficar zangado?
- Tem que descansar, Demétria - disse Joseph. Tentou rolar para o lado, mas Demétria demonstrou ser capaz de agarrar-se a ele como uma videira. Joseph não a forçou, temendo que com isso pudesse lhe fazer algum mal, acidentalmente. O certo era que ele gostava que Demétria estivesse exatamente onde estava.
- Se você me beijar só uma vez, então descansarei - ela prometeu. Não lhe deu tempo para responder, porque pegou suavemente o rosto de Joseph entre suas mãos e pressionou o seu junto ao dele.
Deus, ela realmente o beijou. A boca Demétria estava quente, aberta, e não podia ser mais excitante. O beijo foi tão apaixonado e estava tão cheio de desejo, que Joseph não pôde evitar, correspondendo-o. Seus braços deslizaram lentamente ao redor da cintura de Demétria. Quando sentiu o calor de sua pele, Joseph percebeu que a saia de Demétria tinha subido ao longo de seu corpo. As mãos de Joseph acariciaram aquela nádega suave, e não demorou muito tempo para ele também ficar preso em sua própria febre.
Demétria era selvagem e totalmente indisciplinada enquanto o beijava. Sua boca se inclinou sobre a de Joseph, e sua língua penetrou e acariciou até que ela ficou sem fôlego.
- Quando beijo você, não quero parar. Isso é pecaminoso, não é? - perguntou a Joseph.
Ele percebeu que aquela admissão não parecia causar nenhum remorso especial em Demétria, e supôs que a febre a tivesse liberado de suas inibições.
- Tenho você deitado sobre suas costas, Joseph - disse Demétria -. Se quisesse, poderia fazer com você o que me desse vontade.
Joseph suspirou com exasperação. Mas logo o suspiro se converteu em um gemido quando Demétria agarrou sua mão e a colocou, com ousadia, em cima de um de seus seios.
- Não, Demétria - murmurou ele, embora não afastasse sua mão. Deus, ela estava tão quente. O mamilo endureceu quando o polegar de Joseph o esfregou instintivamente. Ele voltou a gemer -. Não é o momento mais apropriado para amar. Você não sabe o que está fazendo comigo, sabe? - perguntou então, assustado ao perceber que sua voz soava tão áspera como o vento que uivava fora.
Demétria, em seguida, começou a chorar.
- Joseph? Diga-me que você se importa comigo. Ainda que seja uma mentira, diga-me de qualquer maneira.
- Sim, Demétria, eu me importo com você - respondeu Joseph, cingiu sua cintura com os braços, atraindo-a suavemente para ele -. Essa é a verdade.
Sabia que tinha que colocar um pouco de distância entre eles, ou do contrário perderia aquela doce batalha de tortura. Mas não pôde evitar e voltou a beijá-la.
Aquele gesto pareceu apaziguar Demétria. Antes que o trêmulo Joseph pudesse respirar novamente, Demétria adormeceu.
A febre passou a tomar conta da mente de Demétria por completo, e da vida de Joseph. Não se atrevia a deixá-la só com Nicholas ou Kevin, porque não queria que nenhum de seus irmãos pudesse chegar receber os beijos de Demétria, quando sua apaixonada natureza voltasse a aparecer. Ninguém mais iria oferecer consolo a Demétria, além dele, durante aqueles momentos carentes de inibição.
Finalmente, os demônios deixaram Demétria na terceira noite. Na manhã do quarto dia, despertou sentindo-se tão espremida como um dos panos molhados que limpavam o chão. Joseph estava sentado na cadeira que havia junto à lareira. Parecia exausto. Demétria se perguntou se teria adoecido. Preparava-se para perguntar quando, de repente, ele percebeu que ela olhava para ele. Levantou-se de um salto com a rapidez de um lobo e foi para a cama, parando ao lado dela. Demétria surpreendeu-se ver que ele parecia aliviado.
- Você teve febre - anunciou Joseph secamente.
- É por isso que minha garganta dói - disse Demétria. Deus, quase não reconhecia sua própria voz. Soava rouca, e sentia como se tivesse a garganta em carne viva.
Percorreu os aposentos com o olhar e viu a desordem que a rodeava. Sacudiu a cabeça, visivelmente confusa. Teria acontecido uma batalha por ali enquanto ela dormia?
Quando se virou para perguntar a Joseph por aquele caos, viu que ele a olhava com uma expressão divertida.
- Está com dor de garganta? - ele perguntou.
- Você acha divertido que minha garganta esteja doendo? - perguntou Demétria, pouco contente por ela reação tão descortês.
Joseph sacudiu a cabeça, negando seu questionamento. Demétria não ficou nada convencida. Joseph ainda estava sorrindo.
Céus, naquela manhã ele estava realmente muito arrumado. Joseph vestia roupa preta, uma cor que era evidentemente austera, mas quando sorria aqueles olhos cinza não pareciam frios ou aterradores. Lembrava alguém, mas não sabia quem poderia ser. Demétria estava certa de que se tivesse conhecido qualquer homem, remotamente parecido com o barão de Wexton, iria se lembrar. Mesmo assim, havia uma vaga lembrança de alguém mais que...
Joseph interrompeu sua concentração.
- Agora que está acordada, enviarei uma criada, para que cuide de você. Não sairá deste quarto até que esteja curada, Demétria.
- Estive muito doente? - perguntou Demétria.
- Sim, esteve muito doente - admitiu Joseph. Depois deu meia volta e caminhou em direção à porta.
Demétria pensou que ele parecia ter muita pressa em afastar-se dela. Empurrou dos olhos uma mecha do cabelo e contemplou as costas de Joseph.
- Deus, devo estar tão bagunçada como um esfregão - murmurou para si mesma.
- Sim, você está - respondeu Joseph.
Ela pôde ouvir o sorriso que havia em sua voz, mas mesmo assim sua descortesia fez que franzisse o cenho.
- Joseph, por quanto tempo eu tive febre?
- Mais de três dias, Demétria.
Virou-se para ver como ela reagia. Demétria parecia assustada.
- Não se lembra de absolutamente nada, lembra? - ele perguntou.
Demétria sacudiu a cabeça, sentindo-se totalmente atônita porque, agora, ele voltava a sorrir. Realmente, Joseph era um homem diferente, que encontrava humor nas coisas mais estranhas.
- Joseph?
- Sim?
Demétria ouviu a exasperação que havia em sua voz começou a ficar aborrecida.
- Você esteve aqui durante os três dias? Neste quarto, comigo?
Joseph já tinha começado a fechar a porta atrás dele. Demétria não acreditou que fosse responder à pergunta que acabava de fazer, até que de repente ouviu soar sua voz, firme e precisa.
- Não.
E bateu a porta atrás dele com um golpe seco.
Demétria não acreditava que Joseph tivesse dito a verdade. Não podia se lembrar do que havia acontecido, mas mesmo assim, instintivamente, sabia que Joseph não havia se separado dela em nenhum momento.
Por que tinha negado?
- Que homem contraditório você é - Demétria murmurou.
E havia um sorriso na voz dela.



postei e sai correndo