quarta-feira, 25 de abril de 2018

O Diário Secreto da Senhorita Demetria Cheever Capítulo 2


Não teria sido um exagero dizer que Demetria sonhou com este momento durante anos. E em seus sonhos, sempre parecia saber o que dizer. Mas na realidade, pelo visto, estava longe de ser eloquente e não podia fazer outra coisa exceto olhálo fixamente, sem respirar —literalmente— pensou, literalmente sem respirar.
Gracioso, sempre pensou que fosse uma metáfora. Sem respirar. Sem respirar.
—Pensei que não — estava dizendo ele, e Demetria mal podia ouvir por cima da corrida frenética de seus pensamentos. Deveria começar a correr, mas estava paralisada e não deveria fazer isto, mas desejava, ao menos pensou que na verdade o quis desde que tinha dez anos e particularmente ainda não sabia o que esteve querendo e...
E seus lábios tocaram os dela.
—Adorável — murmurou ele, lhe dando uma chuva de beijos delicados, sedutores, ao longo da bochecha até que alcançou a linha da mandíbula.
Sentiase como no céu. Sentiase de uma maneira que nunca conheceu. Sentiu uma agitação interior, uma tensão estranha, enrolandose e alongandose e não estava segura do que significava, assim ficou ali quieta, aceitando os beijos enquanto ele se movia por seu rosto, ao longo da maçã do rosto, retornando a seus lábios.
—Abra a boca — pediu, e ela o fez, porque ele era Adam e ela queria isto. Não o quis sempre?
A língua dele se inundou dentro de sua boca e se sentiu atraída mais firmemente contra ele. Os dedos estavam exigindo e em seguida a boca exigia, e então se deu conta de que estava equivocada. Este não era o momento com o qual sonhou durante anos. Ele não a desejava. Não sabia por que a beijava, mas não a desejava. E certamente não a amava. Não havia ternura neste beijo.
—Me beije de volta, maldita seja — grunhiu ele, e pressionou seus lábios contra os dela com insistência renovada. Foi duro e estava zangado, e pela primeira vez na noite, Demetria começou a sentirse assustada.
—Não — tentou dizer Demetria, mas sua voz se perdeu contra a boca dele.
A mão dele de algum jeito encontraram suas nádegas e estava apertandoa, pressionandoa para cima contra ele na maioria dos lugares íntimos. E não entendia como podia ter procurado isto e não desejálo, como podia fazêla sentir uma comichão e fazer que se assustasse como podia amálo e o odiar ao mesmo tempo, em igual medida.
—Não — disse ela outra vez, interpondo as mãos entre eles, as palmas contra o peito. — Não!
E então ele se afastou com brutalidade, sem o mais leve indício de querer ficar.
—Demetria Cheever — murmurou com o que realmente era um tom cansado,— quem diria?
O esbofeteou.
Seus olhos se entrecerraram, mas ele não disse nada.
—Por que fez isso? —perguntou sua voz tranquila embora o resto dela tremesse.
—Beijála? –deu um encolher de ombros. — Por que não?
—Não. —tornouse para trás, horrorizada pela nota de dor que detectou em sua própria voz. Desejou estar furiosa. Estava furiosa, mas queria que ele notasse. Queria que ele soubesse.
— Não pode optar pela saída mais fácil. Perdeu esse privilégio.
Ele riu baixo, o condenado, e disse:
—É tão divertida como uma dominatrix.
—Chega — gritou Demetria. Ele seguia falando a respeito de coisas que ela não entendia e o odiou por isso. — Por que me beijou? Você não me ama.
Cravou as unhas nas palmas das mãos. Estúpida, garota estúpida. Por que disse isso?
Mas ele só sorriu.
—Me esqueci de que só tem dezenove anos e não se dá conta de que o amor nunca é um requisito prévio para um beijo.
—Não acredito que eu goste disso.
—Tolices. É obvio que sim. —Piscou, como se tratasse de recordar quando, exatamente, a conheceu. — Bem, certamente não me produz aversão.
—Não sou Camille — murmurou ela.
Em um segundo meio, uma mão se enrolou ao redor da parte superior de seu braço, apertando quase ao extremo da dor.
—Não mencione seu nome nunca mais. Ouviu?
Demetria ficou olhandoo fixamente, assombrada pela crua ira que emanava de seus olhos.
—Sinto muito — disse precipitadamente. — Por favor, deixeme ir.
Mas ele não o fez. Afrouxou o apertão, mas só ligeiramente, e quase era como se visse através dela. A um fantasma. Ao fantasma de Camille.
—Me solte, por favor — murmurou Demetria. — Está me machucando.
A expressão dele se suavizou e deu um passo atrás.
—Sinto muito — disse. Olhava para outro lado, à janela? Ao relógio? — Minhas desculpas — disse bruscamente. — Por agarrála. Por tudo.
Demetria engoliu saliva. Deveria ir. Deveria esbofeteálo outra vez e logo deveria ir, mas se comportou de forma miserável e não podia perdoálo pelo que disse.
—Sinto que ela o fizesse tão infeliz.
Seus olhos voaram para os de Demetria.
—As intrigas viajam até chegar às salas de aula, é assim?
—Não! —disse Demetria rapidamente. — É só que... Posso explicar.
 —OH?
Demetria mordiscou o lábio, perguntando o que deveria dizer. Houve fofocas na sala de aula. Mas, além disso, viu por si mesma. Estava tão apaixonado no dia do casamento. Seus olhos tinham brilhado com amor, e quando olhava Camille, Demetria pôde virtualmente ver o mundo desaparecer. Eram como se estivessem em seu próprio pequeno universo, somente eles, e ela estivesse olhando do exterior.
E a seguinte vez que o viu... Foi diferente.
—Demetria – ele a apressou.
Olhou para cima e disse com delicadeza.
—Qualquer um poderia darse conta de que seu matrimônio o fazia infeliz.
—E como é isso? —Adam baixou o olhar para ela e havia algo tão urgente em seus olhos que Demetria só podia lhe dizer a verdade.
—Costumava rir — disse brandamente. — Você costumava rir e seus olhos brilhavam.
—E agora?
—Agora é frio e duro.
Ele fechou os olhos e por um momento Demetria pensou que estivesse sofrendo. Mas ao final lhe dirigiu um olhar fixo e penetrante, e um canto de sua boca se curvou para cima em uma paródia sardônica de sorriso.
—Sou — cruzou os braços e se apoiou insolentemente contra uma estante. — Rogo que me diga Senhorita Cheever, desde quando se tornou tão perceptiva?
Demetria engoliu saliva, lutando contra a decepção que subiu por sua garganta.
Seus demônios tinham ganhado outra vez. Durante um instante, quando seus olhos estavam fechados, quase pareceu como se a tivesse ouvido. Não suas palavras, mas sim o significado que havia atrás delas.
—Sempre fui — disse Demetria. — Você costumava fazer comentários a respeito disso quando eu era pequena.
—Esses grandes olhos marrons — disse com uma desumana risada afogada. —Seguindome a todas as partes. Acha que não me dei conta de que estava apaixonada por mim?
As lágrimas arderam os olhos de Demetria. Como podia ser tão cruel para dizer isso?
—Foi muito amável comigo quando era criança — disse brandamente.
—Suponho que fui. Mas isso faz muito tempo.
—Ninguém se dá conta disso mais do que eu.
Não disse nada e Demetria tampouco. E depois finalmente...
—Vai.
Sua voz soou rouca, doída e cheia de angústia.
Ela se foi.
E essa noite não escreveu nada em seu diário.
Na manhã seguinte Demetria despertou com um objetivo claro. Queria ir para casa. Não se importava perder o café da manhã, não importava se os céus se abrissem e tivesse que avançar com dificuldade através da chuva torrencial. Simplesmente não queria ficar aqui, com ele, na mesma casa, na mesma propriedade.
Era muito triste. O Adam que conheceu o Adam que adorou se foi. Ela havia sentido, é obvio. Tinha sentido em suas visitas a casa. A primeira vez foram seus olhos.
A seguinte sua boca e as linhas brancas de cólera gravadas nos cantos.
Havia sentido, mas até agora verdadeiramente não se permitiu saber.
—Está acordada.
Era Selena, completamente vestida e brilhando encantadora, inclusive com seu negro de luto.
—Infelizmente — murmurou Demetria.
—O que diz?
Demetria abriu a boca, logo recordou que Selena não ia esperar para obter uma resposta, para que gastar energia?
—Bem, ande depressa — disse Selena. — Se vista e enviarei minha donzela para os toques finais. É sem dúvidas, mágica com o cabelo.
Demetria se perguntou quando Selena se daria conta de que não tinha movido um só músculo.
—Levantese, Demetria
Demetria quase ficou de pé de um salto.
—Meu Deus, Selena. Ninguém te disse que é de má educação gritar no ouvido de outro ser humano?
O rosto de Selena apareceu acima do dela, bastante perto.
—Não parece muito humana esta manhã, para falar a verdade.
Demetria se virou.
—Não me sinto humana.
—Se sentirá melhor depois do café da manhã.
—Não tenho fome.
—Mas não pode perder o café da manhã.
Demetria apertou os dentes. Tal vitalidade deve ser ilegal antes do meiodia.
—Demetria.
Demetria colocou um travesseiro em cima da cabeça.
—Se disser meu nome uma vez mais, terei que te matar.
—Mas temos trabalho a fazer.
Demetria fez uma pausa. A respeito de que diabos, Livvy estava falando?
—Trabalho? —repetiu.
—Sim, trabalho — Selena arrancou o travesseiro e o jogou ao chão. — Tive a ideia mais maravilhosa. Sobreveiome em um sonho.
—Está brincando.
—Muito bem, estou brincando, mas me veio esta manhã quando estava na cama.
Selena sorriu com um tipo de sorriso, bem felino, realmente do tipo que significava que teve um brilho de genialidade ou destruiria o mundo tal e como o conheciam. E então Selena esperou, tratavase da primeira vez que esperava e Demetria a premiou com um...
—Muito bem, qual foi?
—Você.
—Eu.
—E Mikey.
Por um momento, Demetria não pôde falar. Logo disse.
—Está louca.
Selena deu um encolher de ombros e se recostou.
—Ou muito, muito inteligente. Pensa nisso, Demetria. É perfeito.
Demetria não podia imaginar pensar em ter uma relação com algum cavalheiro nesse momento, muito menos um com o sobrenome Bevelstoke, mesmo que não fosse Adam.
—O conhece bem e está na idade — disse Selena, enumerando os motivos com os dedos.
Demetria negou com a cabeça e escapou para o outro lado da cama.
Mas Selena era ágil e esteve ao seu lado em questão de segundos.
—Você realmente não quer uma temporada — continuou. — Disse em numerosas ocasiões. E odeia conversar com pessoas que não conhece.
Demetria tratou de esquivála e escapuliu para o guardaroupa.
—Posto que conheça Mikey, como já disse, isso elimina a necessidade de conversar com desconhecidos, e, além disso – o rosto sorridente de Selena se fez visível— significa que seremos irmãs.
Demetria estava imóvel, seus dedos agarrando firmemente o vestido de dia que havia tirado do guardaroupa.
—Isso seria encantador, Selena — disse, porque realmente, que outra coisa poderia dizer?
—OH, estou emocionada de que esteja de acordo! — Exclamou Selena, e abraçou Demetria. — Será maravilhoso. Esplêndido. Mais que esplêndido. Será perfeito.
Demetria ficou quieta, perguntandose como diabos conseguiu se meter em tal enredo.
Selena retrocedeu ainda radiante.
—Mikey não terá a menor ideia do que estar por vim.
—O propósito disto é o de igualar ou simplesmente se trata de algum jeito de superar seu irmão?
—Bem, ambos são obvio — admitiu Selena com franqueza. Soltou Demetria e se deixou cair em uma cadeira próxima. — Tem importância?
Demetria abriu a boca, mas Selena foi mais rápida.
—É obvio que não — disse. — O que importa é ficar igualado, Demetria. —Verdadeiramente estou surpreendida de não ter tido estes sérios pensamentos antes.
Como estava atrás de Selena, Demetria se deu o gosto de fazer uma careta. É obvio que não pensou seriamente. Esteve muito ocupada sonhando com Adam.
—E vi o Mikey te olhando ontem à noite.
—Só havia cinco pessoas no aposento, Selena. Poderia muito bem não estar olhando para mim.
—Tudo está em como — persistiu Selena. — Estava como se nunca tivesse te visto antes.
Demetria começou a vestirse.
—Estou convencida de que está equivocada.
—Não estou. Virese, fecharei os botões. Nunca me engano a respeito destas coisas.
Demetria permaneceu de pé pacientemente enquanto Selena fechava o vestido.
E então lhe ocorreu.
—Quando teve a ocasião de saber que tem razão? Estamos aqui enterradas no campo. Não é como se tivéssemos sido testemunhas de que alguém caísse apaixonado.
—É obvio que o fomos. Há Billy Evans e...
—Tiveram que casar Selena. Sabe.
Selena acabou de fechar o último botão, moveu as mãos para os ombros de Demetria e a virou até que ficaram cara a cara. Sua expressão era de superioridade, inclusive para Selena.
—Sim, mas por que tiveram que casar? Porque se amavam.
—Não recordo suas predições sobre o casamento.
—Tolices. É obvio que as fiz. Você estava na Escócia. E não pude lhe dizer isso por carta, isso teria feito que tudo, parecer completamente sórdido.
Demetria não estava segura de que esse fosse o caso, uma gravidez imprevista era uma gravidez imprevista. Escrever sobre não mudaria as coisas. Mas apesar de tudo, Selena tinha um pouco de razão. Demetria ia à Escócia durante seis semanas cada ano para visitar seus avôs maternos, e Billy Evans se casou enquanto ela não estava.
Selena veio com o único argumento que ela não poderia refutar.
—Vamos tomar café da manhã? — perguntou Demetria com desalento.
Não havia maneira de evitar deixarse ver, e, além disso, Adam esteve um tanto estranho a noite anterior. Se houvesse justiça no mundo, então estaria como uma cuba em sua cama com a cabeça palpitando toda a manhã.
—Não até que Maria arrume seu cabelo — decidiu Selena. — Não devemos deixar nada ao azar. Agora seu trabalho é ficar maravilhosa. OH, não me olhe fixamente. É mais bonita do que pensa.
—Selena...
—Não, não, foi uma má escolha de palavras. Você não é bonita. Eu sou bonita. Bonita e insípida. Você tem algo mais.
—Um rosto longo.
—A verdade é que não. Não tanto como quando era pequena, pelo menos.
 Selena inclinou a cabeça. E não disse nada.
Nada.
—O que foi? —perguntou Demetria com receio.
—Acredito que ficou maior.
Era o que Adam disse há tantos anos antes. Algum dia irá crescer e será tão bela como agora é inteligente. Demetria odiou a lembrança. E realmente o odiou até o ponto de querer gritar.
Selena, vendo a emoção em seus olhos empanados, disse abraçandoa apertadamente.
—OH, Demetria. Eu também te quero. Seremos as melhores irmãs. Não posso esperar.
Quando Demetria chegou a tomar o café da manhã (exatamente trinta minutos inteiros mais tarde, juraria que nunca tinha demorado tanto em arrumar o cabelo, e depois jurou que nunca o faria outra vez) o estômago rugia.
—Bom dia, família — disse Selena alegremente enquanto pegava um prato do aparador. — Onde está Adam?
Demetria elevou uma silenciosa oração de agradecimento pela ausência dele.
—Ainda na cama, imagino — respondeu Lady Rudland. — O pobre. Sofreu uma comoção.
—Foi uma semana terrível.
Ninguém disse nada. A nenhum deles gostava de Camille.
Selena aproveitou o silêncio.
—Correto — disse. — Bem, espero que não esteja muito faminto. Tampouco jantou conosco ontem à noite.
—Selena, a esposa dele acaba de morrer — disse Mikey. — Com o pescoço quebrado, nada menos. Rogo um pouco de benevolência.
—Porque o amo é o motivo de que eu esteja preocupada com seu bem estar,— disse Selena, com a irritabilidade que reservava só para o irmão gêmeo. — Não come.
—Pedi que subissem uma bandeja ao quarto — disse sua mãe, pondo fim à rixa. — Bom dia, Demetria.
Demetria avançou. Esteve ocupada olhando Selena e Mikey.
—Bom dia, Lady Rudland — disse rapidamente. — Confio que tenha dormido bem.
—Tão bem como pode esperarse. — A condessa suspirou e tomou um gole de chá. — São tempos duros. Mas devo agradecêla outra vez que tenha passado a noite aqui. Sei que foi um consolo para Selena.
—É obvio — murmurou Demetria. — Fico feliz por ter ajudado.
Seguiu Selena para o aparador e se serviu um prato de café da manhã. Quando retornou à mesa, viu que Selena lhe deixou um assento ao lado de Mikey.
Sentouse e contemplou os Bevelstoke. Todos estavam sorridentes, Lorde e Lady Rudland de forma totalmente benevolente, Selena com um indício de astúcia, e Mikey...
—Bom dia, Demetria — disse afetuosamente. E seus olhos... Tinham... Interesse?
Meu Deus! Selena teria razão? Havia algo diferente na forma que a estava olhando.
—Bom dia — disse Demetria, completamente perturbada.
Mikey era quase seu irmão, não? De maneira nenhuma podia pensar que o agradava, e ela tampouco. Mas se ele podia então, ela podia? E...
—Tem intenção de ficar em Haverbreaks toda a manhã? — perguntou Mikey.
— Pensei que poderíamos dar um passeio. Talvez depois do café da manhã? Deus querido. Selena tinha razão.
Demetria sentiu que seus lábios se abriam com surpresa.
—Eu, isto, não decidi ainda.
Selena lhe deu um chute por debaixo da mesa.
—OH!
—Se engasgou com a cavala? —perguntou à senhora Rudland.
Demetria negou com a cabeça.
—Sinto muito — disse, clareando voz. — Ehrm, eu acredito que era uma espinha.
—Esse é o motivo pelo qual nunca como peixe no café da manhã — declarou Selena.
—O que diz Demetria? —insistiu Mikey. Sorriu preguiçosamente, uma obra prima de inocência, que certamente tinha quebrado mais de mil corações. — Damos um passeio a cavalo?
Demetria afastou cuidadosamente as pernas do alcance de Selena e disse.
—Receio não ter trazido meu traje de montar. —Era a verdade, e era realmente uma lástima, porque começava a pensar que uma excursão com Mikey era justamente o que necessitava para desterrar Adam de sua mente.
—Pode usar um dos meus — disse Selena, sorrindo docemente por cima da torrada. —Só ficará um pouquinho grande.
—Então, está decidido — disse Mikey. — Será esplêndido passear de dia. —Passou muito tempo desde que tivemos a oportunidade.
Demetria se encontrou sorrindo. Era tão fácil estar com Mikey, inclusive agora, quando estava confusa a respeito das intenções dele.
—Acredito que passaram vários anos. Sempre estou na Escócia quando você volta para casa da escola.
—Mas não hoje — anunciou ele felizmente. Tomou o chá, sorridente por cima da xícara, e Demetria sentiu um choque pelo muito que se parecia com Adam quanto
este era mais jovem. Mikey tinha agora vinte anos, exatamente um a mais que
Adam quando ela se apaixonou por ele.
Quando se encontraram pela primeira vez, corrigiuse. Não havia se apaixonado por ele. Simplesmente pensou que estivesse. Agora tinha melhor critério.
11 DE ABRIL DE 1819
Hoje desfrutei de um esplêndido passeio com Mikey. É muito parecido ao
irmão, se seu irmão fosse amável e atento e ainda tivesse senso de humor.
******
Adam não dormiu bem, mas não o assombrou; agora raramente dormia bem.
E certamente, pela manhã ainda estava irritável e zangado, sobre tudo consigo
mesmo.
Em que diabo, esteve pensando? Beijando Demetria Cheever. A garota era virtualmente sua irmã menor. Estava zangado, e talvez um pouco bêbado, mas essa não era desculpa para tão mau comportamento. Camille matou muitas coisas dentro dele, mas por Deus, ainda era um cavalheiro. De outra maneira, o que restava?
Nem sequer a desejava. Não realmente. Sabia o que era o desejo, conhecia essa força que retorcia as vísceras com a necessidade de possuir e reclamar, e o que sentiu por Demetria...
Bem, não sabia o que era, mas não tinha sido isso.
Eram aqueles grandes olhos marrons dela. Viam tudo. Desconcertavamno.
Sempre o fizeram. Inclusive quando era uma menina, parecia incrivelmente sábia. Quando esteve no estúdio de seu pai, se sentiu exposto, transparente. Era somente uma jovenzinha, recém saída da sala de aula, mas viu através dele. A intrusão foi exasperante, assim foi que repartiu golpes a torto e a direito do único modo que lhe pareceu apropriado então.
Exceto que, nada poderia ter sido menos apropriado.
E agora teria que se desculpar. Meu Deus, mas em nisso pensar era intolerável.
Seria mais fácil fingir que nunca ocorreu e a ignoraria para o resto de sua vida, mas isso claramente não iria redimilo, não se pretendesse manter relação com sua irmã. E, além disso, esperava que ficasse algum farrapo de decência cavalheiresca.
Camille matou a maior parte da bondade e inocência que havia nele, mas certamente tinha que restar algo dentro dele. E quando um cavalheiro ofendia uma dama, um cavalheiro se desculpava.
Quando Adam desceu para tomar o café da manhã, sua família já havia saído, o que o satisfez. Comeu rapidamente e engoliu o café, tomandoo preto, como penitência e sem estremecer quando desceu quente e amargo por sua garganta.
—Deseja algo mais?
Adam contemplou o lacaio, que permanecia imóvel ao seu lado.
—Não, agora não.
O lacaio deu um passo atrás, mas não saiu da sala e Adam decidiu nesse instante que era o momento de ir embora de Haverbreaks. Havia muitas pessoas ali.
Inferno, sua mãe provavelmente tinha dado instruções a todos os serventes para que o vigiassem de perto.
Ainda com o cenho franzido, separouse de um empurrão a cadeira e caminhou a grandes passos saindo para o vestíbulo. Avisaria ao ajudante de quarto que iria a toda pressa. Poderiam ir á uma hora. Tudo o que restava fazer era encontrar Demetria e conseguir se livrar do irritante assunto e uma vez feito voltaria a esconderse em sua própria casa e...
Risadas.
Elevou a vista. Mikey e Demetria acabavam de entrar, as bochechas rosadas e viçosas por causa do ar fresco e o sol.
Adam arqueou uma sobrancelha e parou, esperando ver quanto tempo demoravam em notar sua presença.
—E assim — estava dizendo Demetria, claramente chegando ao final de uma história, — foi como soube que Selena não era de confiança com o chocolate.
Mikey riu seus olhos examinandoa calorosamente.
—Mudou Demetria.
Ela ruborizou o bastante.
—Nem tanto. Apenas cresci.
—Sim, tem razão.
Adam pensou que talvez fosse engasgar.
—Pensou que poderia ir à escola e me encontrar exatamente igual a quando me deixou?
Mikey sorriu abertamente.
—Algo assim. Mas devo dizer que estou satisfeito com o resultado. —Ele tocou seu cabelo, que tinha sido enrolado em um coque rígido. — Creio que não voltarei a lhe dar nenhum puxão.
Demetria ruborizou outra vez e, de verdade, isto simplesmente não podia tolerar.
—Bom dia — disse Adam falando alto, sem incomodarse em moverse de seu lugar no vestíbulo.
—Acredito que já é de tarde — respondeu Mikey.
—Para quem não está acostumado, possivelmente — disse Adam com um sorriso meio zombador.
—Em Londres a manhã dura até as duas? —perguntou Demetria serenamente.
—Só se a noite anterior resultou decepcionante.
—Adam — disse Mikey com recriminação.
Adam deu um encolher de ombros.
—Preciso falar com a Senhorita Cheever — disse, sem incomodarse em olhar o irmão.
Os lábios de Demetria se separaram pela surpresa, supôs Adam, e talvez também com um pouco de aborrecimento.
—Parece que isso depende de Demetria — disse Mikey.
Adam manteve os olhos em Demetria.
—Me informe quando estiver pronta para retornar para casa. Irei acompanhá-la.
A boca do Mikey se abriu com consternação.
—Olhe — disse rigidamente. — É uma dama e faria bem em oferecer a cortesia de lhe pedir permissão.
Adam virou para o irmão e fez uma pausa, ficando com o olhar fixo até que o mais jovem se sentiu envergonhado. Adam olhou de novo Demetria e disse novamente.
—Irei acompanhála até sua casa.
—Tenho...
Ele a cortou com um olhar penetrante e Demetria aceitou com um assentimento de cabeça.
—É obvio milord — disse os cantos da boca excepcionalmente apertados.
Virouse para Mikey. — Adam tem que analisar um manuscrito iluminado com meu pai. Tinha me esquecido completamente.
Inteligente Demetria. Adam quase sorriu.
—Adam? —disse Mikey duvidando. — Um manuscrito iluminado?
—É minha nova paixão — disse Adam brandamente.
Mikey olhou de Adam a Demetria e dela a Adam novamente, depois finalmente se rendeu com uma rígida inclinação de cabeça.
—Muito bem — disse. — Foi um prazer, Demetria.
—Certamente — disse ela, e por seu tom, Adam soube que não mentiu.
Adam não abandonou sua posição entre os dois jovens apaixonados e Mikey lhe lançou um olhar irritado, depois virou para Demetria dizendo.
—A verei outra vez antes que retorne a Oxford?
—Espero que sim. Não tenho planos marcados para os próximos dias, e...
Adam bocejou.
Demetria clareou a voz.
—Estou segura de que poderemos fazer planos. Talvez Selena e você possam tomar um chá.
—Gostaria muito.
Adam conseguiu proclamar seu aborrecimento com o aspecto de suas unhas, a qual inspecionou com uma significativa falta de interesse.
—Ou se Selena não puder fazer uma visita — continuou Demetria, com a voz impressionantemente acerada — talvez você possa ir.
Os olhos do Mikey aumentaram quentes e com interesse.
—Ficaria encantado — murmurou, inclinandose sobre a mão de Demetria.
—Está preparada? —Ladrou Adam.
Demetria não moveu nem um músculo quando disse com um esforço:
—Não.
—Bem, apressese então, não tenho todo o dia.
Mikey se virou para ele com incredulidade.
—O que ocorre contigo?
Foi uma boa pergunta. Quinze minutos antes, sua única meta era escapar da casa de seus pais a toda pressa, e agora estava insistindo todo o tempo em escoltar Demetria para casa.
Muito bem, ele insistiu, mas tinha suas razões.
—Estou bastante bem — disse Adam dando a volta. — Melhor que do que estive em anos. Desde 1816, para ser preciso.
Mikey com desconforto mudou seu peso de um pé ao outro e Demetria se
moveu esgotada. 1816 foram todos sabiam o ano do casamento de Adam.
—Junho — adicionou, com um toque perverso.
—Perdão? —disse Mikey com rigidez.
—Junho. Junho de 1816. —E então Adam sorriu a ambos, um sorriso claramente falso, o tipo de sorriso de autosatisfação. Virouse para Demetria.
— Esperarei no vestíbulo dianteiro. Não se atrase.