segunda-feira, 16 de abril de 2018

O Diário Secreto da Senhorita Demetria Cheever Capitulo1


Joseph Bevelstoke, mais conhecido como Adam por todo aquele que se preocupava em tentar agradálo, sabia muitas coisas. Sabia ler latim e grego, e sabia como seduzir uma mulher em francês e italiano. Sabia atirar em um objetivo em movimento do alto de um cavalo em movimento, e sabia exatamente quanto podia beber antes de perder a dignidade.
Podia dar um soco ou defenderse como um perito, e podia fazer ambos enquanto recitava Shakespeare ou Donne.
Resumindo, sabia tudo o que um cavalheiro tinha que saber, e, conforme se dizia, sobressaíase em todas as áreas.
As pessoas o olhavam.
As pessoas elevavam os olhos para observálo.
Mas nada nem um segundo de sua proeminente e privilegiada vida o preparou para aquele momento. E nunca sentiu tanto o peso de um olhar como agora, enquanto dava um passo à frente e jogava um pouco de terra sobre o caixão de sua esposa.
Sinto tanto, seguia dizendo as pessoas. Sinto muito. Sentimos muito.
E enquanto isso, Adam não podia evitar pensar se Deus o castigaria, porque tudo no que podia pensar era: Eu não.
Ah, Camille. Tinha tanto que agradecer a ela. Vejamos. Por onde começar? É obvio, estava a perda de sua reputação. Só o demônio sabia quantas pessoas eram conscientes de que lhe pôs chifres. Várias vezes. Em seguida estava a perda de sua inocência. Era difícil recordar nesse momento, mas uma vez tinha dado à humanidade o benefício da dúvida. Em geral, acreditou no melhor das pessoas, que se tratassem os outros com honra e respeito, eles fariam o mesmo com relação a ele.
E logo havia a perda de sua alma.
Porque enquanto retrocedia, juntando as mãos rigidamente atrás dele enquanto escutava o sacerdote enviar o corpo de Camille ao chão, não podia escapar do fato de que desejou aquilo. Quis livrarse dela.
E não choraria sua morte.
—É uma pena — sussurrou alguém a suas costas.
A mandíbula de Adam se contraiu. Aquilo não era uma pena. Era uma farsa. E agora passaria o próximo ano vestindose de preto por uma mulher que chegou a ele levando o filho de outro homem. Tinha enfeitiçadoo, atormentado até que não pode pensar em outra coisa que não fosse possuíla. Disse que o queria, e sorriu com suave inocência e deleite quando ele declarou sua devoção e prometeu sua alma.
Ela tinha sido seu sonho.
E mais tarde seu pesadelo.
Perdeu o bebê, que apressou o matrimônio. O pai era um conde italiano, ou ao menos era o que Camille dizia. Estava casado, ou eram pouco convenientes ou talvez ambas as coisas. Adam esteve preparado para perdoála; todos cometiam erros, e não quis ele também seduzila antes da noite de núpcias?
Mas Camille não quis seu amor. Não sabia que demônio queria, poder, talvez, a embriagadora sensação de satisfação quando outro homem caía sob seu feitiço.
Adam se perguntava se Camille havia sentido isso quando ele sucumbiu. Ou talvez tenha sido simplesmente alívio. Estava grávida de três meses quando se casaram. Não tinha tempo que perder.
E agora aqui estava ela. Ou bem, ali estava ela. Adam não estava muito seguro de que pronome de lugar era mais adequado para um corpo sem vida.
O que fosse. Só lamentava que ela passasse a eternidade em seu solo, descansando entre os Bevelstoke passados. Sua lápide levaria o nome dele, e em umas centenas de anos, alguém olharia a gravura no granito e pensaria que foi uma boa mulher, e que era uma tragédia que tivesse morrido tão jovem.
Adam elevou a vista para o sacerdote. Era um tipo jovem, novo na paróquia e pelo que se dizia ainda convencido de que poderia fazer do mundo um lugar melhor.
—Cinzas as cinzas — disse o sacerdote, e elevou os olhos para o homem que se supunha ser o aflito viúvo.
OH sim, pensou Adam mordaz, esse seria eu.
—Pó ao pó.
Atrás dele até alguém sorveu com ruído.
E o sacerdote, seus brilhantes olhos azuis com aquele horrível e imerecido brilho de simpatia, seguiu falando:
—Confiando na ressurreição...
Bom Deus.
—Á vida eterna.
O sacerdote olhou Adam e de fato estremeceu. Adam se perguntou o que era exatamente o que viu em seu rosto. Nada bom isso estava claro.
Houve um coro de améns, e nesse momento terminou o serviço. Todos olharam o sacerdote, e olharam Adam e em seguida todos observaram o sacerdote segurar as mãos de Adam nas suas e dizer:
—Sentimos muito.
—Eu —disse Adam entre os dentes apertados — não.
Não posso acreditar que disse isso.
****
Demetria baixou a vista às palavras que acaba de escrever. Naquele momento, estava na página quarenta e dois de seu décimo terceiro diário, mas aquela era a primeira vez, a primeira desde aquele fatídico dia, nove anos antes, que não tinha nem ideia do que escrever. Inclusive quando os dias eram aborrecidos, e estavam acostumados a ser, conseguia escrever apressadamente uma anotação.
Em Maio, quando tinha quatorze anos...
Despertei.
Vestime.
Tomei o café da manhã: torradas, ovos, bacon.
Li Razão e sensibilidade, autor, dama desconhecida.
Escondi Razão e sensibilidade do meu pai.
Comi: frango, pão, queijo.
Conjuguei verbos franceses.
Escrevi uma carta à vovó.
Jantei: bife, sopa, pudim.
Li mais de Razão e sensibilidade, a identidade da autora ainda desconhecida.
Retireime.
Dormi.
Sonhei com ele.
Este não devia confundirse com a anotação de 12 de Novembro do mesmo ano...
Despertei.
Tomei o café da manhã: ovos, torradas, presunto.
Fiz um grande alarde de leitura da tragédia grega. Em vão.
Passei a maior parte do tempo olhando pela janela.
Almocei: peixe, pão, ervilhas.
Conjuguei os verbos em Latim.
Escrevi uma carta à vovó.
Jantei: assado, batatas, pudim.
Levei a tragédia à mesa (o livro, não o evento)
Papai não se deu conta.
Retireime.
Dormi.
Sonhei com ele.
Mas agora, agora que algo enorme e transcendental ocorreu, o que nunca havia acontecido, não tinha nada a dizer, exceto...
Não posso acreditar que disse isso.
—Bem, Demetria — murmurou, observando a tinta seca na ponta da pluma — não será famosa como novelista.
—O que disse?
Demetria fechou de repente o diário. Não se deu conta de que Selena havia entrado no quarto.
—Nada — disse com rapidez.
Selena caminhou pelo tapete e se deixou cair sobre a cama.
—Que dia tão horrível.
Demetria assentiu, girando no assento para poder estar de cara com a amiga.
—Alegrame que esteja aqui — disse Selena com um suspiro. — Obrigada por ficar o resto da noite.
—É obvio — replicou Demetria.
Não houve perguntas, não quando Selena disse que precisava dela.
—O que escreve?
Demetria olhou o diário, só para darse conta de que suas mãos descansavam protetoras sobre ele.
—Nada — disse.
Selena tinha estado com os olhos fixos no teto, mas ante isso moveu a cabeça em direção a Demetria.
—Isso não pode ser verdade.
—Tristemente, é.
—Por que é triste?
Demetria piscou. Selena estava acostumada fazer as perguntas mais óbvias, e as que tinham respostas menos óbvias.
—Bom — disse Demetria, não precisamente para ganhar tempo, já que na realidade, era mais porque estava tentando pensar enquanto o fazia. Moveu as mãos e olhou o diário como se a resposta correta estivesse magicamente inscrita na capa.
—Isto é tudo o que tenho. É o que sou.
Selena a olhou duvidosa.
—É um livro.
—É minha vida.
—Por que será —opinou Selena— que as pessoas me chamam de dramática?
—Não digo que seja minha vida — disse Demetria com um tom de impaciência,
— só que a contém. Tudo. Tenho escrito tudo. Desde que tinha dez anos.
—Tudo?
Demetria pensou nos muitos dias em que registrou obedientemente o que comeu e pouco mais.
—Tudo.
—Eu nunca poderia ter um diário.
—Não.
Selena virou e ficou de lado, escorando a cabeça com uma mão.
—Não tem por que estar de acordo comigo com tanta rapidez.
Demetria simplesmente sorriu.
Selena se deixou cair para trás.
—Creio que vai escrever que tenho um curto lapso de atenção.
—Já escrevi.
Silêncio, então:
—Sério?
—Acredito que disse que se aborrecia com facilidade.
—Bom — replicou sua amiga, com um único momento de reflexão — é bastante certo.
Demetria voltou a baixar o olhar à escrivaninha. A vela derramava brilhos de luz sobre o secante, e se sentiu repentinamente cansada. Cansada, mas felizmente, não sonolenta.
Esgotada, talvez. Intranquila.
—Estou exausta — declarou Selena, deslizando para fora da cama.
A criada havia deixado a roupa de dormir sobre as mantas e Demetria virou cabeça respeitosamente enquanto Selena se trocava.
—Quanto tempo acha que Adam ficará aqui? —perguntou Demetria, tentando não morder a língua. Odiava ficar ainda tão desesperada por vêlo embora fosse fugazmente, mas assim foi durante anos. Inclusive quando ele se casou e ela se sentou em um banco da igreja durante o casamento e o observou, quer dizer, o viu olhar a noiva com todo o amor e a devoção que ardiam em seu próprio coração...
Ainda o olhava. Ainda o queria. Sempre o faria. Era o homem que a fez acreditar em si mesma. Ele não tinha nem ideia do que lhe fez — o que fez por ela— e provavelmente não saberia nunca. Mas Demetria ainda suspirava por ele. E provavelmente suspiraria sempre.
Selena engatinhou para cama.
—Ficará acordada por muito tempo? —perguntou, a voz pesada pelo inicio do torpor.
—Não muito. —Assegurou Demetria.
Selena não podia dormir com uma vela acesa tão perto.
Demetria não podia entender, já que o fogo da lareira não parecia incomodála, mas viu Selena se mexer e virar com seus próprios olhos, e por isso, quando se deu conta de que sua mente estava ainda funcionando e que "não muito" tinha sido um pouco mentiroso. Inclinouse para frente e soprou a vela.
—Levarei isto a outro lugar — disse Demetria, colocando o diário sob o braço.
—Obrigada — murmurou Selena, e no momento em que Demetria lhe pôs uma coberta e chegou ao corredor, já estava dormindo.
Demetria segurou o diário sob o queixo e o encaixou contra o esterno para liberar as mãos e poder amarrar o roupão à cintura. Era uma convidada noturna frequente em Haverbreaks, mas ainda assim, não era questão de vagar pelos corredores da casa de outra pessoa com nada mais que uma camisola.
Era uma noite escura, como única guia tinha a luz da lua que se filtrava através das janelas, mas Demetria poderia ter feito o caminho do quarto de Selena até a biblioteca com os olhos fechados. Selena sempre dormia antes que ela — tinha muitos pensamentos na cabeça, dizia Selena— e por isso Demetria estava acostumada a levar o diário a outro aposento para guardar seus pensamentos. Supunha que poderia ter pedido um quarto para ela, mas a mãe de Selena não acreditava em extravagâncias desnecessárias e não via razão para esquentar dois quartos quando com um era suficiente.
Demetria não se importava. De fato, agradecia a companhia. Sua própria casa estava muito silenciosa aqueles dias. Sua querida mãe tinha morrido fazia quase um ano e Demetria ficou sozinha com o pai. Devido à dor, seu pai se trancou com os preciosos manuscritos, deixando que a filha se arrumasse por conta própria. Demetria foi aos Bevelstoke em busca de amor e amizade, e eles a acolheram com os braços abertos. Selena inclusive se vestiu de negro durante três semanas em honra à Lady Cheever.
—Se uma de minhas primas morresse me veria obrigada a fazer o mesmo — disse Selena no funeral— E de verdade, gostava da sua mãe muito mais que a qualquer de minhas primas.
—Selena! —Demetria estava comovida, mas ainda assim, pensou que deveria estar surpreendida.
Selena revirou os olhos.
—Conheceu minhas primas?
E Demetria riu. No funeral de sua própria mãe, riu. Mais tarde se deu conta de que era o presente mais precioso que sua amiga poderia ter lhe devotado.
—Amo você, Livvy — disse.
Selena segurou a mão dela.
—Sei que sim — disse brandamente. — E eu a você. – Em seguida ajeitou os ombros e assumido sua postura usual. — Seria bastante incorrigível sem você, sabe?
Minha mãe costumame dizer que é a única razão pela qual não cometi alguma ofensa irredimível.
Era provavelmente por essa razão, refletiu Demetria, que Lady Rudland se ofereceu para ser sua madrinha durante a temporada em Londres. Ao receber o convite, seu pai suspirou com alívio e adiantou com rapidez os recursos necessários. Sir Rupert Cheever não era um homem excepcionalmente rico, mas possuía o suficiente para cobrir uma temporada em Londres para sua única filha. O que não possuía era a paciência necessária — ou para ser franca, o interesse — para levála ele mesmo.
A estreia de Demetria e Selena se atrasou um ano. Demetria não pôde ir durante o período de luto de sua mãe, e Lady Rudland decidiu permitir a Selena esperar também.
Com vinte anos o fariam tão bem como com dezenove, declarou. E era verdade; ninguém estava preocupado se Selena conseguiria um grande partido. Com sua incrível beleza, vivaz personalidade, e, como Selena assinalava ironicamente, o enorme dote, estavam seguros de que teria êxito.
Mas a morte da Camille, além de ter sido trágica, foi particularmente inoportuna; agora teriam que guardar outro período de luto. Entretanto, a Selena bastaria apenas seis semanas, já que Camille não era irmã de sangue.
Chegariam só um pouco tarde para a temporada. Não podia evitar.
Secretamente, Demetria estava contente. Pensar em um baile em Londres a atemorizava completamente. Não porque fosse tímida precisamente, porque não achava que fosse. Era só que não gostava de grandes multidões e pensar em tantas pessoas olhandoa e julgandoa horrível.
Não se pode evitar, pensou enquanto descia as escadas. E em todo caso, seria ainda pior ficar presa em Ambleside, sem Selena como companhia.
Demetria fez uma pausa ao pé das escadas, decidindo aonde ir. O salão ao oeste tinha a melhor escrivaninha, mas a biblioteca tendia a estar quente e fazia um pouco de frio aquela noite. Por outro lado...
— Hmmm... O que foi isso?
Inclinouse para um lado, esquadrinhando o salão. Alguém estava com o fogo aceso no estúdio de Lorde Rudland. Demetria não podia imaginar que alguém estivesse ainda levantado e por aí, os Bevelstoke sempre se retiravam cedo.
Moveuse em silencio pelo tapete do corredor até que chegou à porta.
—OH!
Adam elevou a vista da cadeira do pai.
—Senhorita Demetria — disse alargando as palavras, sem reajustar nem um músculo de sua preguiçosa postura. — Quelle surprise.
Adam não estava seguro de por que não estava surpreso de ver a senhorita Demetria Cheever de pé na entrada do estúdio de seu pai. Quando ouviu os passos no vestíbulo, de algum jeito soube que era ela. É verdade que sua família tinha tendência a dormir como troncos, e era quase inconcebível que um deles pudesse estar acordado e por aí, perambulando pelos corredores em busca de um aperitivo ou um pouco de leitura.
Mas foi algo mais que o processo de eliminação o que o conduziu até Demetria como a escolha óbvia. Ela era uma observadora, sempre ali, sempre observando a cena com aqueles olhos de coruja. Não podia recordar quando a viu pela primeira vez, provavelmente antes que a mocinha deixasse de usar laços. Na realidade era um elemento fixo, de alguma forma sempre ali, inclusive em momentos como esse, que deveria ter sido só familiar.
—Irei — disse ela.
—Não — respondeu ele, por que... Por quê?
Porque se sentia como se estivesse fazendo uma travessura?
Porque tinha bebido muito?
Porque não queria ficar sozinho?
—Fique — disse, fazendo amplos gestos com a mão. Certamente havia algum lugar mais onde sentarse ali. — Tome algo.
Ela arregalou os olhos.
—Não acredito que pudessem ficar maiores — murmurou ele.
—Não posso beber — disse ela.
—Não?
—Não deveria — corrigiuse, e ele acreditou ver como juntava as sobrancelhas.
Deus, a irritou. Era bom saber que ainda podia provocar uma mulher, inclusive uma ignorante como ela.
—Está aqui — disse ele com um encolhimento de ombros. — Bem poderia tomar um brandy.
Ficou quieta por um momento, e ele pôde jurar que podia ouvir como lhe dava voltas o cérebro. Finalmente, deixou o pequeno livro em uma mesa perto da porta e se adiantou.
—Só um — disse.
Ele sorriu.
—Porque conhece seu limite?
Os olhos de ambos se encontraram.
—Porque não conheço meu limite.
—Que sabedoria em alguém tão jovem — murmurou ele.
—Tenho dezenove — disse ela, não desafiante, mas sim como estabelecendo um fato.
Ele elevou uma sobrancelha.
—Como dizia...
—Quando você tinha dezenove...
Sorriu sarcástico, notando que ela não tinha terminado a frase.
—Quando eu tinha dezenove — repetiu por ela, estendendo uma generosa porção de brandy — era um idiota.
Olhou o próprio copo, igual em volume que o de Demetria. Apurouo em um longo e satisfatório gole.
O copo aterrissou sobre a mesa com um som surdo e Adam se reclinou para trás, deixando descansar a cabeça contra as palmas de suas mãos, os cotovelos dobrados para fora.
—Como todas as crianças de dezenove anos, deveria acrescentar — terminou.
Olhoua. Ela não havia nem tocado na bebida. Nem sequer havia se sentado ainda.
—A presente companhia talvez pudesse ser excluída — emendou.
—Achava que o brandy deveria ser servido em copos para conhaque — disse ela.
Ele a observou enquanto se sentava cuidadosamente. Não estava perto dele, mas tampouco estava na outra ponta. Seus olhos nunca deixavam os dele e não pôde evitar perguntarse o que pensava que poderia fazer a ela. Equilibrarse sobre ela?
—O brandy — anunciou como se estivesse falando com um público de mais de uma pessoa— é mais bem servido no que se tem à mão. Neste caso... — Elevou o copo e o olhou, observando como a luz da lareira dançava em sua superfície.
Não se incomodou em terminar a frase. Não parecia necessário, e, além disso, estava ocupado servindose de outro gole.
—Saúde. —E bebeu.
Olhoua. Ainda estava sentada ali, observandoo. Não podia dizer se o desaprovava; sua expressão era muito inescrutável para isso. Mas desejou que dissesse algo. Qualquer coisa, na realidade, inclusive mais tolices sobre taças, seria suficiente para tirar sua mente do fato de que ainda eram onze e meia e de que restavam trinta minutos para que pudesse declarar terminado aquele miserável dia.
—Assim me diga Senhorita Demetria, desfrutou do serviço? —perguntou, desafiandoa com o olhar a que dissesse algo além do que costumava a dizer em situações assim.
A surpresa se registrou no rosto dela, a primeira emoção da noite que Adam era claramente capaz de discernir.
—Referese ao funeral?
—O único serviço do dia — disse ele, com considerável desenvoltura.
—Foi... Er... Interessante.
—OH, vamos, Senhorita Cheever, pode fazêlo melhor.
Ela capturou o lábio inferior entre os dentes. Camille costumava fazer aquilo, o recordou. Quando ainda pretendia ser inocente. Deixou de fazer quando o anel ficou a salvo em seu dedo.
Bebeu outro gole.
—Não acred...?
—Não — disse ele energicamente.
Não havia suficiente brandy no mundo para uma noite como aquela.
E nesse momento elevou a mão, pegou o copo e tomou um gole.
—Acredito que foi esplêndido.
Maldita fosse. Tossiu e balbuciou, como se fosse ele o inocente, tomando seu primeiro gole de vinho.
—Perdão?
Ela sorriu placidamente.
—Pode ser que ajude se tomar goles menores.
Fulminoua com o olhar.
—É estranho que alguém fale honestamente de um morto — disse ela. — Não estou segura de que seria o lugar mais apropriado, mas... Bom... Não era uma pessoa muito agradável, não é verdade?
Parecia tão serena, tão inocente, mas seus olhos... Eram perspicazes.
—Ora, Senhorita Cheever — murmurou ele. — Acredito que na realidade sim tenha uma veia vingativa.
Deu um encolher de ombros e tomou outro gole de sua bebida, um pequeno, o notou.
—Que nada — disse, embora ele estivesse seguro de que acreditava. — Mas sou uma boa observadora.
Ele riu entre dentes.
—Totalmente de acordo.
Ficou rígida.
—Desculpe?
Tinha alteradoa. Não sabia por que achou tão satisfatório, mas não pôde evitar sentir prazer com isso. Passou muito tempo desde que não fazia nada que lhe desse prazer. Inclinouse para frente, só para ver se podia envergonhála.
—Estive observandoa.
Ela empalideceu. Ele pôde ver inclusive à luz da lareira.
—Sabe o que vi? —murmurou ele.
Os lábios dela se entreabriram e negou com a cabeça.
—Você esteve me observando.
Ela se levantou o repentino do movimento quase jogou a cadeira ao chão.
—Devo ir — disse. — Isto é totalmente pouco ortodoxo e está tarde, e...
—OH, venha, Senhorita Cheever — disse ele, ficando em pé. — Não se preocupe. Você observa todo mundo. Acha que não me dei conta?
Alargou a mão e a segurou pelo braço. Ela paralisou. Mas não virou.
Os dedos dele apertaram mais. Só um toque. Só o suficiente para evitar que se fosse, porque não queria que o fizesse. Não queria ficar sozinho. Restavam vinte minutos mais, e queria que ela se zangasse como ele estava zangado, como esteve durante anos.
—Me diga, Senhorita Cheever — sussurrou, colocando dois dedos na parte inferior do queixo dela. — Alguma vez a beijaram?




MAS GENTEEEEEEE ESSE ADAM É ATIRADO HEIN... ou sera que é a dor pela recente morte? nao seiiii
bjemi

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