Quando
tinha dez anos, a Senhorita Demetria Cheever não mostrava sinais de grande
beleza. Seu cabelo era castanho, infelizmente igual aos olhos; e suas pernas extraordinariamente
longas, negavam‐se á aprender qualquer coisa que pudesse ser nem remotamente
chamado graça. Sua mãe costumava comentar que definitivamente andava a pernadas
pela casa.
Desgraçadamente
para Demetria, a sociedade em que nasceu dava grande valor à aparência
feminina. E embora, só tivesse dez anos, sabia que a esse respeito era considerada
inferior à maioria das outras garotas que viviam nas cercanias. As crianças sempre
encontravam uma forma de inteirar‐se destas coisas:
normalmente, graças a outras crianças.
Na
festa do décimo aniversário de Lady Selena e o honorável Mikey Bevelstoke, os
dois filhos gêmeos do Conde e Condessa de Rudland, ocorreu um incidente
verdadeiramente desagradável. A casa de Demetria ficava bem próxima a Haverbreaks,
a velha casa dos Rudland, perto de Ambleside, no distrito dos Lagos de Cumberland,
e sempre compartilhou as lições com Selena e Mikey quando estavam na
residência. Converteram‐se em um trio bastante inseparável e raramente se incomodavam em
brincar com outras crianças da região, muitos dos quais viviam quase à uma hora
de distancia.
Mas
uma dúzia ou assim de vezes ao ano, especialmente nos aniversários, todas as
crianças da nobreza e a alta burguesia local se reuniam. Foi por esta razão que
Lady
Rudland deixou escapar um grunhido nada próprio de uma dama; dezoito diabinhos
estavam deixando barro após pisarem com grande regozijo por toda sua sala de
estar, depois que a festa dos gêmeos no jardim foi interrompida pela chuva.
—Tem
barro na bochecha, Livvy — disse Demetria, elevando a mão para limpar.
Selena
deixou escapar um dramático suspiro pesado.
—Será
melhor que vá ao banheiro, então. Não quero que mamãe me veja assim. Ela
detesta sujeira, e eu detesto ouvi‐la dizendo o quanto a
aborrece.
—Não
vejo como teria tempo para reclamar por um pouco de lama em seu rosto quando
tem por todo o tapete. —Demetria olhou William Evans, que deu um grito de
guerra e se lançou sobre o sofá. Apertou os lábios; ou de outra forma,
sorriria.
—E
os móveis.
—É a
mesma coisa, será melhor que faça algo com isto.
Deslizou
para fora do aposento, deixando Demetria perto da entrada. Demetria observou a
comoção durante um minuto ou mais, muito contente de estar em seu lugar
habitual como observadora, até que, pela extremidade do olho, viu que alguém se
aproximava.
—O
que trouxe para Selena por seu aniversário, Demetria?
Demetria
virou para ver Fiona Bennet diante ela, elegantemente vestida com um vestido
branco com uma faixa rosa.
—Um
livro – respondeu. —Selena gosta de ler. O que você trouxe?
Fiona
elevou uma caixa vistosamente pintada amarrada com uma fita prateada.
—Uma
coleção de fitas para o cabelo. Seda e cetim, muito suave. Quer ver?
—OH,
mas eu não gostaria de estragar a embalagem.
Fiona
deu de ombros.
—Tudo
o que tem que fazer é desfazer o laço com cuidado. Eu o faço cada Natal —
deslizou o laço e levantou a tampa.
Demetria
conteve o fôlego. Sobre o cetim negro da caixa descansavam ao menos duas dúzias
de fitas para o cabelo, todas elas requintadamente amarradas em um laço.
—São
lindas, Fiona. Posso ver uma? —Fiona semicerrou os olhos. —Não tenho barro nas
mãos. Olhe. —Demetria sustentou as mãos no alto para que as inspecionasse.
—OH,
muito bem.
Demetria
baixou a mão e levantou uma fita violeta. O cetim parecia pecaminosamente
lustroso e suave em suas mãos. Colocou o laço contra o cabelo.
—O
que você acha?
Fiona
revirou os olhos.
—Violeta
não, Demetria. Todo mundo sabe que fica melhor com o cabelo loiro.
A
cor virtualmente desaparece contra o castanho. Você obviamente não pode usar
um.
Demetria
estendeu de volta a fita.
—Que
cor combina com o cabelo castanho? O verde? Minha mamãe tem o cabelo castanho e
a vi usar fitas verdes.
—O
verde seria aceitável, suponho. Mas fica melhor com o cabelo loiro. Tudo fica
melhor com o cabelo loiro.
Demetria
sentiu uma faísca de indignação elevar‐se em seu interior.
—Bom,
então não sei o que você irá fazer então, Fiona, já que seu cabelo é tão castanho
quanto o meu.
Fiona
retrocedeu com um ofego.
—Não
é!
—Sim
é!
—Não
é!
Demetria
se inclinou para frente, com os olhos entrecerrados de maneira ameaçadora.
—É
melhor que de uma olhada no espelho quando estiver em casa, Fiona, porque seu
cabelo não é loiro.
Fiona
devolveu à fita violeta a caixa e fechou a tampa de repente.
—Bom,
costumava ser loiro, enquanto que o seu nunca foi. E, além disso, meu cabelo é
castanho claro e todos sabem que é melhor que castanho escuro. Como o seu.
—Meu
cabelo castanho escuro não tem nada de mau! —protestou Demetria.
Mas
já sabia que a maior parte da Inglaterra estava em desacordo com ela.
—E —
acrescentou Fiona com malícia — tem os lábios grandes!
A
mão de Demetria voou até sua boca. Sabia que não era bela; sabia que nem sequer
a consideravam bonitas. Mas nunca antes tinha visto nada de mal em seus lábios.
Levantou a cabeça e olhou para aquela garota que sorria com satisfação.
—Você
tem sarda! —gritou.
Fiona
retrocedeu como se a tivessem esbofeteado.
—As
sardas somem. As minhas sumirão algum dia antes que complete os dezoito. Minha
mãe põe suco de limão todas às noites. —Soprou pelo nariz com desdém. —Mas não
há remédio para você, Demetria. Você é feia.
—Não
é!
Ambas
as garotas se viraram para ver Selena, que voltava após ter se lavado.
—OH,
Selena — disse Fiona. —Sei que você e Demetria são amigas porque vivem muito
próximas e compartilham as lições, mas deve admitir que não seja muito bonita.
Minha
mamãe diz que nunca conseguirá um marido.
Os
olhos azuis de Selena brilharam perigosamente. A única filha do conde de Rudland
sempre foi excessivamente leal e Demetria era sua melhor amiga.
—Demetria
conseguirá um marido melhor que o seu Fiona Bennet! O pai dela é um barão
enquanto que o seu é um simples senhor.
—Ser
a filha de um barão não faz muita diferença a menos que alguém tenha beleza ou dinheiro
— recitou Fiona, repetindo as palavras que obviamente ouviu em casa. —E Demetria
não tem nenhum dos dois.
—Cale‐se,
estúpida! —exclamou Selena, batendo o pé contra o chão. —Esta é minha festa de
aniversário e se não puder ser amável, vai embora!
Fiona
engoliu sem seco. Sabia bem que não deveria ofender Selena, cujos pais tinham o
status mais alto da região.
—Sinto
muito, Selena — murmurou.
—Não
se desculpe comigo. Desculpe‐se com Demetria.
—Sinto
muito, Demetria.
Demetria
ficou em silêncio até que por fim Selena lhe deu um chute.
—Aceito
suas desculpas — disse a contra gosto.
Fiona
assentiu e saiu correndo.
—Não
posso acreditar que a chamou de estúpida — disse Demetria.
—Tem
que aprender a se defender sozinha, Demetria.
—Estava
me defendendo sozinha muito bem antes que você aparecesse, Livvy. Só que não em
voz tão alta.
Selena
suspirou.
—Mamãe
diz que não tenho nenhum pingo de autocontrole, nem de sentido comum.
—É
verdade — conveio Demetria.
—Demetria!
—É
verdade, não tem. Mas adoro você de todas as formas.
—E
eu também adoro você, Demetria. E não se preocupe pela tola da Fiona. Pode se
casar com Mikey quando crescer e então seremos verdadeiras irmãs.
Demetria
olhou ao outro lado do aposento e observou receosa Mikey. Estava puxando o
cabelo de uma garota pequena.
—Não
sei — disse duvidosa. —Não estou segura de querer me casar com Mikey.
—Tolices.
Seria perfeito. Além disso, olhe, acaba de derramar ponche em cima do vestido
da Fiona.
Demetria
sorriu abertamente.
—Venha
comigo — disse Selena, agarrando pela mão. —Quero abrir meus presentes. Prometo
que gritarei mais forte quando chegar o seu.
As
duas garotas caminharam de volta ao aposento e Selena e Mikey abriram os presentes.
Felizmente, na opinião de Lady Rudland, terminou as quatro em ponto, à hora em
que as crianças deveriam voltar para casa. Nenhum menino foi recolhido por serventes;
um convite a Haverbreaks era considerado uma grande honra, e nenhum dos pais
queriam perder a oportunidade de acotovelar‐se com o conde e a condessa.
Nenhum
pai, exceto o de Demetria. As cinco ainda estavam na sala, avaliando os presentes
de aniversário com Selena.
—Não
posso imaginar o que terá ocorrido aos seus pais, Demetria — disse Lady Rudland.
—OH,
eu sim — replicou Demetria jovialmente. —Mamãe foi a Escócia visitar a mãe dela
e estou segura de que papai se esqueceu de mim. Faz frequentemente, sabe?
Quando está escrevendo um manuscrito. Ele faz traduções do Grego.
—Eu
sei — sorriu Lady Rudland.
—Grego
antigo.
—Sim
— disse Lady Rudland com um suspiro. Aquela não era a primeira vez que Sir
Rupert Cheever perdia a filha. —Bom, terá que ir para casa de alguma forma.
—Irei
com ela — sugeriu Selena.
—Você
e Mikey precisam guardar seus novos brinquedos e escrever as notas de
agradecimento. Se não o fizerem esta noite, não recordarão quem lhes deu o que.
—Mas
não pode mandar Demetria para casa com um criado. Não terá ninguém com quem
conversar.
—Posso
falar com o criado — disse Demetria. —Sempre falo com eles em casa.
—Não
com os nossos — sussurrou Selena. —São estirados e calados e sempre me olham
com desaprovação.
—A
maior parte do tempo merece ser olhada assim. —Interpôs Lady Rudland, dando a
filha um carinhoso tapinha na cabeça. —Faremos um acordo, Demetria. Por que não
fazemos que Joseph a leve para casa?
—Joseph!
—chiou Selena. —Demetria, que sorte.
Demetria
elevou as sobrancelhas. Não conhecia o irmão mais velho de Selena.
—De
acordo — disse lentamente. —Eu gostaria de finalmente conhecê‐lo.
Fala dele tão frequentemente, Selena.
Lady
Rudland mandou que uma criada fosse chamá‐lo.
—Não
o conhece, Demetria? Que estranho. Bom, suponho que só costuma vir no natal e
você sempre está na Escócia durante as férias. Tive que ameaçar deserdá‐lo para
conseguir que viesse ao aniversário dos gêmeos. Entretanto, não participou da festa
por medo de que uma das mães tentasse casá‐lo com uma menina de dez
anos.
—Joseph
tem dezenove e é muito desejável. —Disse Selena prática. —É um visconde. E é
muito atraente. Parece‐se comigo.
—Selena!
—disse Lady Rudland com reprovação.
—Bom,
é assim, mamãe. Eu seria muito atraente se fosse um menino.
—Você
é bastante bonita sendo garota, Livvy. —Disse Demetria leal, olhando os cachos
loiros da amiga com um pingo de inveja.
—Igual
a você. Toma, pegue um dos laços da tola da Fiona. De todas as formas, não
preciso de todos.
Demetria
sorriu ante aquela mentira. Selena era uma boa amiga. Olhou às fitas e teimosa,
escolheu o de cetim violeta.
—Obrigado,
Livvy. Porei isso para a aula da segunda‐feira.
—Chamou
mãe?
Ante
o som da grave voz, Demetria virou o rosto para a entrada e quase ofegou.
Ali
estava a criatura mais esplêndida que tinha contemplado. Selena disse que Joseph
tinha dezenove anos, mas Demetria o reconheceu imediatamente como o homem que
realmente seria. Seus ombros eram maravilhosamente largos e o resto dele era esbelto
e firme. Tinha o cabelo tão escuro como o de Selena, mas com reflexos dourados,
dando mostras do tempo passado sob o sol. Mas a melhor parte decidiu imediatamente
Demetria, eram seus olhos, de um brilhante azul claro, como os de Selena.
Também brilhavam com malicia.
Demetria
sorriu. Sua mãe sempre dizia que alguém podia conhecer uma pessoa pelos olhos e
o irmão de Selena tinha bons olhos.
—Joseph,
poderia, por favor, escoltar Demetria para casa? —perguntou Lady Rudland. —O
pai dela parece ter se entretido.
Demetria
se perguntou por que ele fez uma careta quando a mãe falou o nome dele.
—Claro
que sim mamãe. Selena teve uma boa festa?
—Magnífica.
—Onde
está Mikey?
Selena
deu um encolher de ombros.
—Está
lá fora brincando com o sabre que Billy Evans lhe deu de presente.
—De
mentira, espero.
—Que
Deus nos ajude se fosse. —Adicionou Lady Rudland. —De acordo, Demetria, hora de
ir para casa. Acredito que sua capa está no aposento do lado.
Desapareceu
através da entrada e emergiu segundo depois com o prático casaco de Demetria.
—Podemos
ir, Demetria? —A criatura com aparência de um deus lhe estendeu a mão.
Demetria
se encolheu dentro de seu casaco e colocou a mão sobre a dele. Era o paraíso!
—A
verei na segunda‐feira! —gritou Selena. —E não se preocupe pelo que Fiona disse. Só
é uma estúpida.
—Selena!
—Bom,
é que o é, mamãe. Não quero que volte.
Demetria
sorriu enquanto permitia ao irmão de Selena guiá‐la para o vestíbulo, as
vozes de Selena e Lady Rudland foram se apagando lentamente.
—Muito
obrigada por me levar para casa, Joseph — disse brandamente.
Ele
voltou a fazer uma careta.
—S...
Sinto muito — disse rapidamente. —Devia ter dito milord, não é? É só que Selena
e Mikey sempre se referem a você por seu nome e eu... —Baixou os olhos tristes
para o chão.
Só
estava ha dois minutos em sua esplêndida companhia, e já havia metido os pés
pelas mãos.
Ele
se deteve e se agachou para que ela pudesse ver seu rosto.
—Não
se preocupe pelo "milord", Demetria. Direi um segredo.
Os
olhos de Demetria aumentaram e esqueceu respirar.
—Desprezo
meu nome de batismo.
—Isso
não é tão segredo, Jos... Quero dizer, milord, digo, como é que deseja ser
chamado? Faz careta cada vez que sua mãe o diz.
Ele
sorriu. Sentiu um aperto no coração quando viu aquela garota com expressão
muito séria brincando com sua indomável irmã. Era uma pequena criatura de
aspecto gracioso, mas havia algo verdadeiramente adorável em seus grandes e comoventes
olhos castanhos.
—Como
o chamam? —perguntou Demetria.
Ele
sorriu ante seu modo direto.
—Adam.
Por
um momento, acreditou que ela talvez não respondesse. Simplesmente ficou ali,
totalmente quieta à exceção do piscar de seus olhos. E então, como se tivesse chegado
por fim a uma conclusão, disse:
—É
um nome agradável. Um pouco estranho, mas eu gosto.
—É
muito melhor que Joseph, não acha?
Demetria
assentiu.
—Você
escolheu? Sempre acreditei que as pessoas deveriam escolher seus próprios
nomes. Acredito que muitos escolheriam diferente ao que têm.
—E
qual você escolheria?
—Não
estou segura, mas não seria Demetria. Algo mais singelo, eu acredito. As pessoas
esperam coisas diferentes de uma Demetria e quase sempre os decepciono quando
me conhecem.
—Tolices
— disse Adam energicamente. —É uma Demetria perfeita.
Ela
sorriu radiante.
—Obrigada,
Adam. Posso chamá‐lo assim?
—É
obvio. E não o escolhi, receio. É só um título de cortesia. Visconde Adam. O uso
ao invés de Joseph desde que fui a Eton.
—OH.
Creio que combina com você.
—Obrigado
— disse ele gravemente, completamente enfeitiçado por aquela séria menina.
—Agora, me dê de novo à mão e poderemos seguir caminho.
Ele
levantou a mão para ela. Demetria rapidamente trocou a fita da mão direita à
esquerda.
—O
que é isso?
—Isto?
OH, uma fita para o cabelo. Fiona Bennet deu de presente duas dúzias a Selena e
Selena disse que poderia ficar com uma.
Os
olhos de Adam se entrecerraram ligeiramente quando recordou as últimas palavras
de Selena. “Não se preocupe pelo que Fiona disse”. Tirou a fita da mão dela.
—As
fitas são para os cabelos, acredito.
—OH,
mas não combina com o vestido — disse Demetria em um frágil protesto.
Ele
já a tinha colocado no alto de sua cabeça.
—Que
tal está? —sussurrou ela.
—Esplêndido.
—De
verdade? — aumentou os olhos duvidosos.
—Sério.
Sempre pensei que as fitas violetas brilhavam especialmente bem com o cabelo castanho.
Demetria
se apaixonou ali mesmo. O sentimento foi tão intenso que quase se esqueceu de
agradecer pelo elogio.
—Vamos?
—disse ele.
Ela
assentiu, sem confiar em sua voz.
Saíram
da casa e foram aos estábulos.
—Acredito
que teremos que ir a cavalo — disse Adam. —Faz um dia muito bom para ir de
carruagem.
Demetria
voltou a assentir. Fazia um dia anormalmente quente para março.
—Pode
pegar o pônei de Selena. Estou segura de que não se importará.
—Livvy
não tem um pônei — disse Demetria, encontrando por fim a voz. Agora tem uma
égua. Eu também tenho uma em casa. Não somos bebê, sabe?
Adam
conteve um sorriso.
—Não,
já vejo que não. Que tolo da minha parte. Não estava pensando.
Poucos
minutos depois, os cavalos estavam selados e se colocaram em marcha para o
caminho de quinze minutos até a casa dos Cheever.
Demetria
permaneceu em silêncio o primeiro minuto ou algo assim, muito perfeitamente
feliz para estragar o momento com palavras.
—Foi
boa a festa? —perguntou finalmente Adam.
—OH,
sim. A maior parte foi encantadora.
—A
maior parte?
Viu‐a
fazer uma careta. Era óbvio que se arrependia de ter dito muito.
—Bom
— disse com lentidão, capturando o lábio entre os dentes e logo o soltando
antes de continuar — uma das garotas me disse algumas coisas desagradáveis.
—Sim?
Sabia
que não devia ser muito curioso.
E
obviamente, estava certo, porque quando Demetria falou, recordou um pouco a sua
irmã, olhando‐o com olhos francos enquanto as palavras saíam com firmeza de sua
boca.
—Foi
Fiona Bennet — disse, com grande aversão — e Selena a chamou de estúpida, e
devo dizer que não sinto que o tenha feito.
Adam
manteve a expressão apropriadamente grave.
—Eu
tampouco, se Fiona disse coisas desagradáveis de você.
—Sei
que não sou bonita — soltou Demetria. —Mas é descortês dizê‐lo,
sem mencionar que é claramente malvado.
Adam
a olhou durante um longo momento, não de todo seguro de como consolar à
pequena. Não era bela, isso era verdade, e se tentasse lhe dizer que era ela não
acreditaria. Mas não era feia. Simplesmente era... Um pouco... Elegante. Salvou‐se,
entretanto, de ter que dizer algo devido ao seguinte comentário de
Demetria.
—Acredito
que é este cabelo castanho.
Ele
elevou as sobrancelhas.
—Não
está na moda — explicou Demetria. —E tampouco meus olhos castanhos.
Sou
muito magra e meu rosto é muito longo, e também sou muito pálida.
—Bom
isso é verdade — disse Adam.
Demetria
virou para olhá‐lo, os olhos grandes e tristes no rosto.
—Certamente
tem os olhos e o cabelo castanhos. Não há como dizer o contrário. —Inclinou a
cabeça e fingiu examiná‐la completamente. —É magra, e seu rosto é de fato um pouco longo.
E definitivamente é pálida.
Os
lábios tremeram e Adam não pôde mais brincar com ela.
—Mas
acontece — disse com um sorriso — que eu mesmo prefiro as mulheres com o cabelo
e os olhos castanhos.
—Não
é verdade!
—É
sim. Sempre preferi. Também gosto das magras e pálidas.
Demetria
o olhou com receio.
—E o
rosto longo?
—Bem,
devo admitir que nunca pense muito nisso, mas com certeza não me importa um
rosto longo.
—Fiona
Bennet disse que tenho os lábios grandes — disse quase desafiante.
Adam
engoliu um sorriso.
Ela
suspirou pesadamente.
—Nunca
me dei conta de que tinha os lábios grandes.
—Não
são tão grandes.
Ela
lançou um olhar receoso.
—Só diz
isso para que eu me sinta melhor.
—Na
realidade sim que quero que se sinta melhor, mas não o digo por isso. E a próxima
vez que Fiona Bennet diga que tem os lábios grandes, diga a ela que se engana.
Que tem os lábios cheios.
—Qual
é a diferença? –o olhou impaciente, com seus escuros olhos sérios.
Adam
respirou fundo.
—Bom
— andou com rodeios. —Os lábios grandes não são atraentes. Os cheios sim.
—OH.
—Aquilo pareceu satisfazê‐la. —Fiona tem os lábios finos.
—Os
lábios cheios são muito melhores que os finos — disse Adam enfaticamente.
Gostava
muito daquela divertida pequena e queria fazê‐la sentir‐se
melhor.
—Por
quê?
Adam
ofereceu uma silenciosa desculpa aos deuses da etiqueta e o decoro antes de
responder:
—Os
lábios cheios são melhores para beijar.
—OH.
—Demetria ruborizou, e logo sorriu. —Bem.
Adam
se sentiu absurdamente feliz, consigo mesmo.
—Sabe
o que penso Senhorita Demetria Cheever?
—O
que?
—Acredito
que só precisa crescer — arrependeu‐se no mesmo minuto em que disse.
Certamente lhe perguntaria o que queria dizer, e não tinha nem ideia do que responder.
Mas
a precoce pequena simplesmente inclinou a cabeça a um lado enquanto só pesava
sua declaração.
—Espero
que tenha razão — disse por fim. —Olhe só minhas pernas.
Uma
discreta tosse mascarou a risada que brotou da garganta de Adam.
—O
que quer dizer?
—Bom,
são muito longas também. Mamãe sempre diz que começam nos ombros.
—Parece
que começam apropriadamente em sua cintura.
Demetria
riu como uma menina.
—Dizia‐o
metaforicamente.
Adam
piscou. Aquela menina de dez anos tinha de fato um vocabulário extenso.
—O
que quero dizer – continuou — é que minhas pernas têm um tamanho equivocado
comparadas com o resto de mim. Creio que é por isso que não posso aprender a
dançar. Sempre estou pisando nos pés de Selena.
—Os
pés de Selena?
—Praticamos
juntas — explicou Demetria com energia. —Acredito que se o resto de meu corpo
fosse igual as minhas pernas não seriam tão lerdas. Então creio que tem razão.
Tenho que crescer.
—Esplêndido
— disse Adam, dando‐se conta com felicidade de que de algum jeito pode dizer
exatamente o adequado. —Bem, parece que chegamos.
Demetria
elevou a vista para a casa cinza de pedra que era seu lar. Estava localizada em
uma das muitas ruas que conectava aos distritos dos lagos, e as pessoas tinham
que cruzar por uma pequena ponte empedrada para chegar à porta principal.
—Muito
obrigada por me trazer para casa, Adam. Prometo que nunca o chamarei de Joseph.
—Também
promete beliscar Selena se me chamar de Joseph?
Demetria
soltou um risinho e colocou a mão na boca. Assentiu.
Adam
desmontou e então se virou para a pequena e a ajudou a desmontar.
—Sabe
o que acredito que deveria fazer Demetria? —disse de repente.
—O
que?
—Acredito
que deveria fazer um diário.
Ela
piscou surpreendida.
—Por
quê? Quem ia querer lê‐lo?
—Ninguém,
tola. Para você mesma. E talvez algum dia, depois que morra, seus netos o lerão
e saberão como foi quando era jovem.
Ela
inclinou a cabeça.
—O
que acontece se não tiver netos?
Adam
elevou a mão, impulsivo e a despenteou.
—Faz
muitas perguntas, gatinha.
—Mas
o que acontecerá se não tiver netos?
Deus
era persistente.
—Talvez
seja famosa. –Suspirou. —E as crianças que a estudem na escola irão querer
saber coisas sobre você.
Demetria
lançou um dúbio olhar.
—OH,
muito bem, quer saber a verdadeira razão de por que acredito que deveria ter um
diário?
Ela
assentiu.
—Porque
algum dia vai crescer e será tão bonita como já é. E então poderá olhar para
trás em seu diário e se dar conta de quão tolas são as meninas pequenas como
Fiona Bennet. E rirá quando recordar a sua mãe dizendo que suas pernas começam
nos ombros. E talvez me guarde um pequeno sorriso quando recordar a agradável
conversa que tivemos hoje.
Demetria
o olhou, pensando que devia ser um daqueles deuses gregos sobre os que seu pai
sempre lia.
—Sabe
o que acredito? –sussurrou. —Acredito que Selena é muito afortunada de te ter
como irmão.
—E
eu acredito que é muito afortunada ao tê‐la como amiga.
Os
lábios de Demetria tremeram.
—Guardarei
um grande, grande sorriso para você, Adam — sussurrou.
Ele
se inclinou e beijou graciosamente o dorso da mão dela como se fosse à dama
mais bela de Londres.
—Se
ocupe de que assim seja, gatinha.
Sorriu
e assentiu antes de subir ao cavalo, levando a égua de Selena atrás.
Demetria
o olhou até que desapareceu depois do horizonte e logo ficou olhando durante
uns bons dez minutos mais.
Mais
tarde aquela noite, Demetria entrou no estúdio de seu pai. Este estava inclinado
sobre um texto, inconsciente da cera da vela que jorrava sobre a escrivaninha.
—Papai,
quantas vezes tenho que te dizer que vigie as velas? —suspirou e pôs a vela em
seu suporte adequado.
—O
que? OH, querida.
—E
necessita mais de uma. Está muito escuro aqui para ler.
—Sim?
Não tinha me dado conta. —Piscou e semicerrou os olhos. —Não passou já á hora
de ir à cama?
—A
babá diz que podia ficar acordada meia hora mais esta noite.
—Sim?
Bem, o que ela diga então. —Inclinou‐se sobre o manuscrito outra
vez, despachando‐a efetivamente.
—Papai?
Ele
suspirou.
—O
que foi Demetria?
—Tem
um caderno sobrando? Como os que usam quando está traduzindo, mas antes que
copie o rascunho final?
—Creio
que sim. —Abriu a última gaveta da escrivaninha e remexeu nela. — Aqui. Mas o
que deseja fazer com ele? É um caderno de qualidade, sabe? E não um barato.
—Vou
escrever um diário.
—Agora?
Bem, suponho que é um esforço elogiável. —Estendeu o caderno.
Demetria
sorriu radiante ante o elogio de seu pai.
—Obrigada.
Deixarei saber quando acabar o espaço e necessite outro.
—De
acordo, então. Boa noite, querida. —Voltou para seus papéis.
Demetria
abraçou o caderno contra o peito e correu escada acima para seu quarto. Tirou
um pote de tinta e uma pluma e abriu o caderno na primeira página.
Escreveu
a data, e depois de muito pensar, escreveu uma única frase. Parecia ser tudo o
necessário.
2 de
Março de 1810
Hoje
me apaixonei.
Que gracinha, apesar da idade hahaha
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