sábado, 14 de abril de 2018

O Diário Secreto da Senhorita Demetria Cheever Prólogo


Quando tinha dez anos, a Senhorita Demetria Cheever não mostrava sinais de grande beleza. Seu cabelo era castanho, infelizmente igual aos olhos; e suas pernas extraordinariamente longas, negavamse á aprender qualquer coisa que pudesse ser nem remotamente chamado graça. Sua mãe costumava comentar que definitivamente andava a pernadas pela casa.
Desgraçadamente para Demetria, a sociedade em que nasceu dava grande valor à aparência feminina. E embora, só tivesse dez anos, sabia que a esse respeito era considerada inferior à maioria das outras garotas que viviam nas cercanias. As crianças sempre encontravam uma forma de inteirarse destas coisas: normalmente, graças a outras crianças.
Na festa do décimo aniversário de Lady Selena e o honorável Mikey Bevelstoke, os dois filhos gêmeos do Conde e Condessa de Rudland, ocorreu um incidente verdadeiramente desagradável. A casa de Demetria ficava bem próxima a Haverbreaks, a velha casa dos Rudland, perto de Ambleside, no distrito dos Lagos de Cumberland, e sempre compartilhou as lições com Selena e Mikey quando estavam na residência. Converteramse em um trio bastante inseparável e raramente se incomodavam em brincar com outras crianças da região, muitos dos quais viviam quase à uma hora de distancia.
Mas uma dúzia ou assim de vezes ao ano, especialmente nos aniversários, todas as crianças da nobreza e a alta burguesia local se reuniam. Foi por esta razão que
Lady Rudland deixou escapar um grunhido nada próprio de uma dama; dezoito diabinhos estavam deixando barro após pisarem com grande regozijo por toda sua sala de estar, depois que a festa dos gêmeos no jardim foi interrompida pela chuva.
—Tem barro na bochecha, Livvy — disse Demetria, elevando a mão para limpar.
Selena deixou escapar um dramático suspiro pesado.
—Será melhor que vá ao banheiro, então. Não quero que mamãe me veja assim. Ela detesta sujeira, e eu detesto ouvila dizendo o quanto a aborrece.
—Não vejo como teria tempo para reclamar por um pouco de lama em seu rosto quando tem por todo o tapete. —Demetria olhou William Evans, que deu um grito de guerra e se lançou sobre o sofá. Apertou os lábios; ou de outra forma, sorriria.
—E os móveis.
—É a mesma coisa, será melhor que faça algo com isto.
Deslizou para fora do aposento, deixando Demetria perto da entrada. Demetria observou a comoção durante um minuto ou mais, muito contente de estar em seu lugar habitual como observadora, até que, pela extremidade do olho, viu que alguém se aproximava.
—O que trouxe para Selena por seu aniversário, Demetria?
Demetria virou para ver Fiona Bennet diante ela, elegantemente vestida com um vestido branco com uma faixa rosa.
—Um livro – respondeu. —Selena gosta de ler. O que você trouxe?
Fiona elevou uma caixa vistosamente pintada amarrada com uma fita prateada.
—Uma coleção de fitas para o cabelo. Seda e cetim, muito suave. Quer ver?
—OH, mas eu não gostaria de estragar a embalagem.
Fiona deu de ombros.
—Tudo o que tem que fazer é desfazer o laço com cuidado. Eu o faço cada Natal — deslizou o laço e levantou a tampa.
Demetria conteve o fôlego. Sobre o cetim negro da caixa descansavam ao menos duas dúzias de fitas para o cabelo, todas elas requintadamente amarradas em um laço.
—São lindas, Fiona. Posso ver uma? —Fiona semicerrou os olhos. —Não tenho barro nas mãos. Olhe. —Demetria sustentou as mãos no alto para que as inspecionasse.
—OH, muito bem.
Demetria baixou a mão e levantou uma fita violeta. O cetim parecia pecaminosamente lustroso e suave em suas mãos. Colocou o laço contra o cabelo.
—O que você acha?
Fiona revirou os olhos.
—Violeta não, Demetria. Todo mundo sabe que fica melhor com o cabelo loiro.
A cor virtualmente desaparece contra o castanho. Você obviamente não pode usar um.
Demetria estendeu de volta a fita.
—Que cor combina com o cabelo castanho? O verde? Minha mamãe tem o cabelo castanho e a vi usar fitas verdes.
—O verde seria aceitável, suponho. Mas fica melhor com o cabelo loiro. Tudo fica melhor com o cabelo loiro.
Demetria sentiu uma faísca de indignação elevarse em seu interior.
—Bom, então não sei o que você irá fazer então, Fiona, já que seu cabelo é tão castanho quanto o meu.
Fiona retrocedeu com um ofego.
—Não é!
—Sim é!
—Não é!
Demetria se inclinou para frente, com os olhos entrecerrados de maneira ameaçadora.
—É melhor que de uma olhada no espelho quando estiver em casa, Fiona, porque seu cabelo não é loiro.
Fiona devolveu à fita violeta a caixa e fechou a tampa de repente.
—Bom, costumava ser loiro, enquanto que o seu nunca foi. E, além disso, meu cabelo é castanho claro e todos sabem que é melhor que castanho escuro. Como o seu.
—Meu cabelo castanho escuro não tem nada de mau! —protestou Demetria.
Mas já sabia que a maior parte da Inglaterra estava em desacordo com ela.
—E — acrescentou Fiona com malícia — tem os lábios grandes!
A mão de Demetria voou até sua boca. Sabia que não era bela; sabia que nem sequer a consideravam bonitas. Mas nunca antes tinha visto nada de mal em seus lábios. Levantou a cabeça e olhou para aquela garota que sorria com satisfação.
—Você tem sarda! —gritou.
Fiona retrocedeu como se a tivessem esbofeteado.
—As sardas somem. As minhas sumirão algum dia antes que complete os dezoito. Minha mãe põe suco de limão todas às noites. —Soprou pelo nariz com desdém. —Mas não há remédio para você, Demetria. Você é feia.
—Não é!
Ambas as garotas se viraram para ver Selena, que voltava após ter se lavado.
—OH, Selena — disse Fiona. —Sei que você e Demetria são amigas porque vivem muito próximas e compartilham as lições, mas deve admitir que não seja muito bonita.
Minha mamãe diz que nunca conseguirá um marido.
Os olhos azuis de Selena brilharam perigosamente. A única filha do conde de Rudland sempre foi excessivamente leal e Demetria era sua melhor amiga.
—Demetria conseguirá um marido melhor que o seu Fiona Bennet! O pai dela é um barão enquanto que o seu é um simples senhor.
—Ser a filha de um barão não faz muita diferença a menos que alguém tenha beleza ou dinheiro — recitou Fiona, repetindo as palavras que obviamente ouviu em casa. —E Demetria não tem nenhum dos dois.
—Calese, estúpida! —exclamou Selena, batendo o pé contra o chão. —Esta é minha festa de aniversário e se não puder ser amável, vai embora!
Fiona engoliu sem seco. Sabia bem que não deveria ofender Selena, cujos pais tinham o status mais alto da região.
—Sinto muito, Selena — murmurou.
—Não se desculpe comigo. Desculpese com Demetria.
—Sinto muito, Demetria.
Demetria ficou em silêncio até que por fim Selena lhe deu um chute.
—Aceito suas desculpas — disse a contra gosto.
Fiona assentiu e saiu correndo.
—Não posso acreditar que a chamou de estúpida — disse Demetria.
—Tem que aprender a se defender sozinha, Demetria.
—Estava me defendendo sozinha muito bem antes que você aparecesse, Livvy. Só que não em voz tão alta.
Selena suspirou.
—Mamãe diz que não tenho nenhum pingo de autocontrole, nem de sentido comum.
—É verdade — conveio Demetria.
—Demetria!
—É verdade, não tem. Mas adoro você de todas as formas.
—E eu também adoro você, Demetria. E não se preocupe pela tola da Fiona. Pode se casar com Mikey quando crescer e então seremos verdadeiras irmãs.
Demetria olhou ao outro lado do aposento e observou receosa Mikey. Estava puxando o cabelo de uma garota pequena.
—Não sei — disse duvidosa. —Não estou segura de querer me casar com Mikey.
—Tolices. Seria perfeito. Além disso, olhe, acaba de derramar ponche em cima do vestido da Fiona.
Demetria sorriu abertamente.
—Venha comigo — disse Selena, agarrando pela mão. —Quero abrir meus presentes. Prometo que gritarei mais forte quando chegar o seu.
As duas garotas caminharam de volta ao aposento e Selena e Mikey abriram os presentes. Felizmente, na opinião de Lady Rudland, terminou as quatro em ponto, à hora em que as crianças deveriam voltar para casa. Nenhum menino foi recolhido por serventes; um convite a Haverbreaks era considerado uma grande honra, e nenhum dos pais queriam perder a oportunidade de acotovelarse com o conde e a condessa.
Nenhum pai, exceto o de Demetria. As cinco ainda estavam na sala, avaliando os presentes de aniversário com Selena.
—Não posso imaginar o que terá ocorrido aos seus pais, Demetria — disse Lady Rudland.
—OH, eu sim — replicou Demetria jovialmente. —Mamãe foi a Escócia visitar a mãe dela e estou segura de que papai se esqueceu de mim. Faz frequentemente, sabe? Quando está escrevendo um manuscrito. Ele faz traduções do Grego.
—Eu sei — sorriu Lady Rudland.
—Grego antigo.
—Sim — disse Lady Rudland com um suspiro. Aquela não era a primeira vez que Sir Rupert Cheever perdia a filha. —Bom, terá que ir para casa de alguma forma.
—Irei com ela — sugeriu Selena.
—Você e Mikey precisam guardar seus novos brinquedos e escrever as notas de agradecimento. Se não o fizerem esta noite, não recordarão quem lhes deu o que.
—Mas não pode mandar Demetria para casa com um criado. Não terá ninguém com quem conversar.
—Posso falar com o criado — disse Demetria. —Sempre falo com eles em casa.
—Não com os nossos — sussurrou Selena. —São estirados e calados e sempre me olham com desaprovação.
—A maior parte do tempo merece ser olhada assim. —Interpôs Lady Rudland, dando a filha um carinhoso tapinha na cabeça. —Faremos um acordo, Demetria. Por que não fazemos que Joseph a leve para casa?
—Joseph! —chiou Selena. —Demetria, que sorte.
Demetria elevou as sobrancelhas. Não conhecia o irmão mais velho de Selena.
—De acordo — disse lentamente. —Eu gostaria de finalmente conhecêlo. Fala dele tão frequentemente, Selena.
Lady Rudland mandou que uma criada fosse chamálo.
—Não o conhece, Demetria? Que estranho. Bom, suponho que só costuma vir no natal e você sempre está na Escócia durante as férias. Tive que ameaçar deserdálo para conseguir que viesse ao aniversário dos gêmeos. Entretanto, não participou da festa por medo de que uma das mães tentasse casálo com uma menina de dez anos.
—Joseph tem dezenove e é muito desejável. —Disse Selena prática. —É um visconde. E é muito atraente. Parecese comigo.
—Selena! —disse Lady Rudland com reprovação.
—Bom, é assim, mamãe. Eu seria muito atraente se fosse um menino.
—Você é bastante bonita sendo garota, Livvy. —Disse Demetria leal, olhando os cachos loiros da amiga com um pingo de inveja.
—Igual a você. Toma, pegue um dos laços da tola da Fiona. De todas as formas, não preciso de todos.
Demetria sorriu ante aquela mentira. Selena era uma boa amiga. Olhou às fitas e teimosa, escolheu o de cetim violeta.
—Obrigado, Livvy. Porei isso para a aula da segundafeira.
—Chamou mãe?
Ante o som da grave voz, Demetria virou o rosto para a entrada e quase ofegou.
Ali estava a criatura mais esplêndida que tinha contemplado. Selena disse que Joseph tinha dezenove anos, mas Demetria o reconheceu imediatamente como o homem que realmente seria. Seus ombros eram maravilhosamente largos e o resto dele era esbelto e firme. Tinha o cabelo tão escuro como o de Selena, mas com reflexos dourados, dando mostras do tempo passado sob o sol. Mas a melhor parte decidiu imediatamente Demetria, eram seus olhos, de um brilhante azul claro, como os de Selena. Também brilhavam com malicia.
Demetria sorriu. Sua mãe sempre dizia que alguém podia conhecer uma pessoa pelos olhos e o irmão de Selena tinha bons olhos.
—Joseph, poderia, por favor, escoltar Demetria para casa? —perguntou Lady Rudland. —O pai dela parece ter se entretido.
Demetria se perguntou por que ele fez uma careta quando a mãe falou o nome dele.
—Claro que sim mamãe. Selena teve uma boa festa?
—Magnífica.
—Onde está Mikey?
Selena deu um encolher de ombros.
—Está lá fora brincando com o sabre que Billy Evans lhe deu de presente.
—De mentira, espero.
—Que Deus nos ajude se fosse. —Adicionou Lady Rudland. —De acordo, Demetria, hora de ir para casa. Acredito que sua capa está no aposento do lado.
Desapareceu através da entrada e emergiu segundo depois com o prático casaco de Demetria.
—Podemos ir, Demetria? —A criatura com aparência de um deus lhe estendeu a mão.
Demetria se encolheu dentro de seu casaco e colocou a mão sobre a dele. Era o paraíso!
—A verei na segundafeira! —gritou Selena. —E não se preocupe pelo que Fiona disse. Só é uma estúpida.
—Selena!
—Bom, é que o é, mamãe. Não quero que volte.
Demetria sorriu enquanto permitia ao irmão de Selena guiála para o vestíbulo, as vozes de Selena e Lady Rudland foram se apagando lentamente.
—Muito obrigada por me levar para casa, Joseph — disse brandamente.
Ele voltou a fazer uma careta.
—S... Sinto muito — disse rapidamente. —Devia ter dito milord, não é? É só que Selena e Mikey sempre se referem a você por seu nome e eu... —Baixou os olhos tristes para o chão.
Só estava ha dois minutos em sua esplêndida companhia, e já havia metido os pés pelas mãos.
Ele se deteve e se agachou para que ela pudesse ver seu rosto.
—Não se preocupe pelo "milord", Demetria. Direi um segredo.
Os olhos de Demetria aumentaram e esqueceu respirar.
—Desprezo meu nome de batismo.
—Isso não é tão segredo, Jos... Quero dizer, milord, digo, como é que deseja ser chamado? Faz careta cada vez que sua mãe o diz.
Ele sorriu. Sentiu um aperto no coração quando viu aquela garota com expressão muito séria brincando com sua indomável irmã. Era uma pequena criatura de aspecto gracioso, mas havia algo verdadeiramente adorável em seus grandes e comoventes olhos castanhos.
—Como o chamam? —perguntou Demetria.
Ele sorriu ante seu modo direto.
—Adam.
Por um momento, acreditou que ela talvez não respondesse. Simplesmente ficou ali, totalmente quieta à exceção do piscar de seus olhos. E então, como se tivesse chegado por fim a uma conclusão, disse:
—É um nome agradável. Um pouco estranho, mas eu gosto.
—É muito melhor que Joseph, não acha?
Demetria assentiu.
—Você escolheu? Sempre acreditei que as pessoas deveriam escolher seus próprios nomes. Acredito que muitos escolheriam diferente ao que têm.
—E qual você escolheria?
—Não estou segura, mas não seria Demetria. Algo mais singelo, eu acredito. As pessoas esperam coisas diferentes de uma Demetria e quase sempre os decepciono quando me conhecem.
—Tolices — disse Adam energicamente. —É uma Demetria perfeita.
Ela sorriu radiante.
—Obrigada, Adam. Posso chamálo assim?
—É obvio. E não o escolhi, receio. É só um título de cortesia. Visconde Adam. O uso ao invés de Joseph desde que fui a Eton.
—OH. Creio que combina com você.
—Obrigado — disse ele gravemente, completamente enfeitiçado por aquela séria menina. —Agora, me dê de novo à mão e poderemos seguir caminho.
Ele levantou a mão para ela. Demetria rapidamente trocou a fita da mão direita à esquerda.
—O que é isso?
—Isto? OH, uma fita para o cabelo. Fiona Bennet deu de presente duas dúzias a Selena e Selena disse que poderia ficar com uma.
Os olhos de Adam se entrecerraram ligeiramente quando recordou as últimas palavras de Selena. “Não se preocupe pelo que Fiona disse”. Tirou a fita da mão dela.
—As fitas são para os cabelos, acredito.
—OH, mas não combina com o vestido — disse Demetria em um frágil protesto.
Ele já a tinha colocado no alto de sua cabeça.
—Que tal está? —sussurrou ela.
—Esplêndido.
—De verdade? — aumentou os olhos duvidosos.
—Sério. Sempre pensei que as fitas violetas brilhavam especialmente bem com o cabelo castanho.
Demetria se apaixonou ali mesmo. O sentimento foi tão intenso que quase se esqueceu de agradecer pelo elogio.
—Vamos? —disse ele.
Ela assentiu, sem confiar em sua voz.
Saíram da casa e foram aos estábulos.
—Acredito que teremos que ir a cavalo — disse Adam. —Faz um dia muito bom para ir de carruagem.
Demetria voltou a assentir. Fazia um dia anormalmente quente para março.
—Pode pegar o pônei de Selena. Estou segura de que não se importará.
—Livvy não tem um pônei — disse Demetria, encontrando por fim a voz. Agora tem uma égua. Eu também tenho uma em casa. Não somos bebê, sabe?
Adam conteve um sorriso.
—Não, já vejo que não. Que tolo da minha parte. Não estava pensando.
Poucos minutos depois, os cavalos estavam selados e se colocaram em marcha para o caminho de quinze minutos até a casa dos Cheever.
Demetria permaneceu em silêncio o primeiro minuto ou algo assim, muito perfeitamente feliz para estragar o momento com palavras.
—Foi boa a festa? —perguntou finalmente Adam.
—OH, sim. A maior parte foi encantadora.
—A maior parte?
Viua fazer uma careta. Era óbvio que se arrependia de ter dito muito.
—Bom — disse com lentidão, capturando o lábio entre os dentes e logo o soltando antes de continuar — uma das garotas me disse algumas coisas desagradáveis.
—Sim?
Sabia que não devia ser muito curioso.
E obviamente, estava certo, porque quando Demetria falou, recordou um pouco a sua irmã, olhandoo com olhos francos enquanto as palavras saíam com firmeza de sua boca.
—Foi Fiona Bennet — disse, com grande aversão — e Selena a chamou de estúpida, e devo dizer que não sinto que o tenha feito.
Adam manteve a expressão apropriadamente grave.
—Eu tampouco, se Fiona disse coisas desagradáveis de você.
—Sei que não sou bonita — soltou Demetria. —Mas é descortês dizêlo, sem mencionar que é claramente malvado.
Adam a olhou durante um longo momento, não de todo seguro de como consolar à pequena. Não era bela, isso era verdade, e se tentasse lhe dizer que era ela não acreditaria. Mas não era feia. Simplesmente era... Um pouco... Elegante. Salvouse, entretanto, de ter que dizer algo devido ao seguinte comentário de
Demetria.
—Acredito que é este cabelo castanho.
Ele elevou as sobrancelhas.
—Não está na moda — explicou Demetria. —E tampouco meus olhos castanhos.
Sou muito magra e meu rosto é muito longo, e também sou muito pálida.
—Bom isso é verdade — disse Adam.
Demetria virou para olhálo, os olhos grandes e tristes no rosto.
—Certamente tem os olhos e o cabelo castanhos. Não há como dizer o contrário. —Inclinou a cabeça e fingiu examinála completamente. —É magra, e seu rosto é de fato um pouco longo. E definitivamente é pálida.
Os lábios tremeram e Adam não pôde mais brincar com ela.
—Mas acontece — disse com um sorriso — que eu mesmo prefiro as mulheres com o cabelo e os olhos castanhos.
—Não é verdade!
—É sim. Sempre preferi. Também gosto das magras e pálidas.
Demetria o olhou com receio.
—E o rosto longo?
—Bem, devo admitir que nunca pense muito nisso, mas com certeza não me importa um rosto longo.
—Fiona Bennet disse que tenho os lábios grandes — disse quase desafiante.
Adam engoliu um sorriso.
Ela suspirou pesadamente.
—Nunca me dei conta de que tinha os lábios grandes.
—Não são tão grandes.
Ela lançou um olhar receoso.
—Só diz isso para que eu me sinta melhor.
—Na realidade sim que quero que se sinta melhor, mas não o digo por isso. E a próxima vez que Fiona Bennet diga que tem os lábios grandes, diga a ela que se engana. Que tem os lábios cheios.
—Qual é a diferença? –o olhou impaciente, com seus escuros olhos sérios.
Adam respirou fundo.
—Bom — andou com rodeios. —Os lábios grandes não são atraentes. Os cheios sim.
—OH. —Aquilo pareceu satisfazêla. —Fiona tem os lábios finos.
—Os lábios cheios são muito melhores que os finos — disse Adam enfaticamente.
Gostava muito daquela divertida pequena e queria fazêla sentirse melhor.
—Por quê?
Adam ofereceu uma silenciosa desculpa aos deuses da etiqueta e o decoro antes de responder:
—Os lábios cheios são melhores para beijar.
—OH. —Demetria ruborizou, e logo sorriu. —Bem.
Adam se sentiu absurdamente feliz, consigo mesmo.
—Sabe o que penso Senhorita Demetria Cheever?
—O que?
—Acredito que só precisa crescer — arrependeuse no mesmo minuto em que disse. Certamente lhe perguntaria o que queria dizer, e não tinha nem ideia do que responder.
Mas a precoce pequena simplesmente inclinou a cabeça a um lado enquanto só pesava sua declaração.
—Espero que tenha razão — disse por fim. —Olhe só minhas pernas.
Uma discreta tosse mascarou a risada que brotou da garganta de Adam.
—O que quer dizer?
—Bom, são muito longas também. Mamãe sempre diz que começam nos ombros.
—Parece que começam apropriadamente em sua cintura.
Demetria riu como uma menina.
—Diziao metaforicamente.
Adam piscou. Aquela menina de dez anos tinha de fato um vocabulário extenso.
—O que quero dizer – continuou — é que minhas pernas têm um tamanho equivocado comparadas com o resto de mim. Creio que é por isso que não posso aprender a dançar. Sempre estou pisando nos pés de Selena.
—Os pés de Selena?
—Praticamos juntas — explicou Demetria com energia. —Acredito que se o resto de meu corpo fosse igual as minhas pernas não seriam tão lerdas. Então creio que tem razão. Tenho que crescer.
—Esplêndido — disse Adam, dandose conta com felicidade de que de algum jeito pode dizer exatamente o adequado. —Bem, parece que chegamos.
Demetria elevou a vista para a casa cinza de pedra que era seu lar. Estava localizada em uma das muitas ruas que conectava aos distritos dos lagos, e as pessoas tinham que cruzar por uma pequena ponte empedrada para chegar à porta principal.
—Muito obrigada por me trazer para casa, Adam. Prometo que nunca o chamarei de Joseph.
—Também promete beliscar Selena se me chamar de Joseph?
Demetria soltou um risinho e colocou a mão na boca. Assentiu.
Adam desmontou e então se virou para a pequena e a ajudou a desmontar.
—Sabe o que acredito que deveria fazer Demetria? —disse de repente.
—O que?
—Acredito que deveria fazer um diário.
Ela piscou surpreendida.
—Por quê? Quem ia querer lêlo?
—Ninguém, tola. Para você mesma. E talvez algum dia, depois que morra, seus netos o lerão e saberão como foi quando era jovem.
Ela inclinou a cabeça.
—O que acontece se não tiver netos?
Adam elevou a mão, impulsivo e a despenteou.
—Faz muitas perguntas, gatinha.
—Mas o que acontecerá se não tiver netos?
Deus era persistente.
—Talvez seja famosa. –Suspirou. —E as crianças que a estudem na escola irão querer saber coisas sobre você.
Demetria lançou um dúbio olhar.
—OH, muito bem, quer saber a verdadeira razão de por que acredito que deveria ter um diário?
Ela assentiu.
—Porque algum dia vai crescer e será tão bonita como já é. E então poderá olhar para trás em seu diário e se dar conta de quão tolas são as meninas pequenas como Fiona Bennet. E rirá quando recordar a sua mãe dizendo que suas pernas começam nos ombros. E talvez me guarde um pequeno sorriso quando recordar a agradável conversa que tivemos hoje.
Demetria o olhou, pensando que devia ser um daqueles deuses gregos sobre os que seu pai sempre lia.
—Sabe o que acredito? –sussurrou. —Acredito que Selena é muito afortunada de te ter como irmão.
—E eu acredito que é muito afortunada ao têla como amiga.
Os lábios de Demetria tremeram.
—Guardarei um grande, grande sorriso para você, Adam — sussurrou.
Ele se inclinou e beijou graciosamente o dorso da mão dela como se fosse à dama mais bela de Londres.
—Se ocupe de que assim seja, gatinha.
Sorriu e assentiu antes de subir ao cavalo, levando a égua de Selena atrás.
Demetria o olhou até que desapareceu depois do horizonte e logo ficou olhando durante uns bons dez minutos mais.
Mais tarde aquela noite, Demetria entrou no estúdio de seu pai. Este estava inclinado sobre um texto, inconsciente da cera da vela que jorrava sobre a escrivaninha.
—Papai, quantas vezes tenho que te dizer que vigie as velas? —suspirou e pôs a vela em seu suporte adequado.
—O que? OH, querida.
—E necessita mais de uma. Está muito escuro aqui para ler.
—Sim? Não tinha me dado conta. —Piscou e semicerrou os olhos. —Não passou já á hora de ir à cama?
—A babá diz que podia ficar acordada meia hora mais esta noite.
—Sim? Bem, o que ela diga então. —Inclinouse sobre o manuscrito outra vez, despachandoa efetivamente.
—Papai?
Ele suspirou.
—O que foi Demetria?
—Tem um caderno sobrando? Como os que usam quando está traduzindo, mas antes que copie o rascunho final?
—Creio que sim. —Abriu a última gaveta da escrivaninha e remexeu nela. — Aqui. Mas o que deseja fazer com ele? É um caderno de qualidade, sabe? E não um barato.
—Vou escrever um diário.
—Agora? Bem, suponho que é um esforço elogiável. —Estendeu o caderno.
Demetria sorriu radiante ante o elogio de seu pai.
—Obrigada. Deixarei saber quando acabar o espaço e necessite outro.
—De acordo, então. Boa noite, querida. —Voltou para seus papéis.
Demetria abraçou o caderno contra o peito e correu escada acima para seu quarto. Tirou um pote de tinta e uma pluma e abriu o caderno na primeira página.
Escreveu a data, e depois de muito pensar, escreveu uma única frase. Parecia ser tudo o necessário.
2 de Março de 1810
Hoje me apaixonei.

Um comentário: