Responda ao insensato
como a sua insensatez merece,
do contrário ele
pensará que é mesmo um sábio.
Provérbios, 26, 5
Joseph
soube que alguma coisa estava errada no minuto em que cavalgou para o interior
da fortaleza. Anthony não estava ali para recebê-lo, e Demétria também não.
Um
súbito temor oprimiu seu coração. Esporeou seu cavalo, galopou pela ponte e
entrou no pátio.
Miley
saiu do castelo como uma exalação quando Joseph e Liam estavam desmontando.
Deteve-se uns metros dos dois homens e então, parecendo tomar finalmente uma
decisão, correu para Liam e se lançou em seus braços. Assim que o abraçou,
começou a chorar.
Custou
paciência e alguns minutos para obter informação de Miley.
O
segundo em comando de Joseph, um homem corpulento, mas de voz suave, chamado
Robert, veio correndo para lhes dar informação. Enquanto Liam tratava de
acalmar Miley, Robert explicou que os soldados do rei tinham vindo buscar
Demétria.
-
A carta tinha o selo do rei? - perguntou Joseph.
Sua
pergunta fez com que Robert franzisse o cenho.
-
Não sei, barão. Não vi a convocação. E sua esposa insistiu em levar carta com
ela. - Depois Robert baixou a voz até deixá-la convertida em um sussurro quando
acrescentou-: ela não queria que ninguém lesse o conteúdo da carta para sua irmã.
Joseph
não estava muito certo de como deveria interpretar a ação de sua esposa.
Finalmente, chegou à conclusão de que a ordem deveria ter incluído algum tipo
de ameaça dirigida a Miley, e Demétria estava tentando proteger sua irmã de
preocupação.
O
rei nunca teria ameaçado. Não, William jamais trataria de semelhante maneira os
barões que lhe eram leais. Joseph tinha suficiente fé em seu monarca para
acreditar que William esperaria até ouvir todas as explicações.
A
mão de Sebastian tinha algo a ver com aquela traição. Joseph teria apostado sua
vida nisso.
Gritou
imediatamente a ordem de prepararem-se para voltar a partir. Joseph estava tão
furioso, que ele mal conseguia pensar com lógica. O único pensamento tranquilizador
era o fato de Anthony ter ido com o Demétria. Seu leal vassalo levou consigo um
pequeno contingente dos melhores guerreiros de Joseph. Robert explicou que
Anthony não se atreveu a levar muitos soldados, já que não queria que o rei
pensasse que não se confiava nele.
-
Então Anthony acredita que o chamado veio diretamente do nosso rei? - perguntou
Joseph.
-
Não sei dizer quais eram seus pensamentos - respondeu Robert.
Joseph
pediu que lhe trouxessem uma montaria fresca. Quando o encarregado dos estábulos
levou Silenus, Joseph quis saber por que Demétria não tinha escolhido seu
cavalo para que levá-la à corte.
James,
que não estava acostumado a falar diretamente com seu lord, balbuciou sua
resposta.
-
Temia que seu irmão pudesse maltratar seu cavalo se descobrisse que Silenus lhe
pertencia, milord. Essas foram suas palavras.
Joseph
assentiu, aceitando a explicação. Era próprio de sua delicada esposa
preocupar-se com o cavalo!
-
Exigiu que lhe dessem um dos cavalos do rei - acrescentou James.
Miley
chegou ao extremo de implorar que lhe permitisse ir com eles. Joseph já tinha
montado, mas a histeria de sua irmã fez com que esperasse minutos preciosos
enquanto Liam se afastava de sua noiva.
Depois
de rechaçar com cortesia a súplica de Miley para permitirá que ela os
acompanhasse em sua viagem, Liam teve que jurar sobre a tumba de sua mãe que
voltaria para ela, sem ter sofrido um só arranhão, um juramento que Joseph
sabia ser falso dado que a mãe do Liam ainda vivia. Mesmo assim não fez nenhum
comentário a respeito daquela contradição, porque viu a maneira com que a
promessa de Liam tranquilizava sua irmã.
-
Você conseguirão alcançar milady? - atreveu-se a perguntar James a seu lord.
Joseph
se voltou para contemplar ao encarregado dos estábulos do alto de sua montaria.
Então viu a expressão de temor que havia nos olhos daquele homem, e se sentiu
comovido por sua preocupação.
-
Estou a, pelo menos, uma semana atrasado - disse Joseph -. Mas trarei de volta
sua senhora, James.
Essas
foram as últimas palavras que Joseph pronunciou até que estivessem a meio
caminho de Londres. Liam pensou que se os cavalos não precisassem descansar,
Joseph teria seguido adiante sem fazer nenhuma parada.
O
barão de Wexton se separou de seus homens. Liam deixou que estivesse só durante
alguns minutos e foi falar com ele.
-
Eu gostaria de dar um conselho, meu amigo -. Joseph se virou para olhá-lo.
-
Lembra-se qual foi minha reação quando vi Morcar. Não permita que sua raiva o
controle, embora eu prometa defender suas costas enquanto estivermos na corte.
Joseph
assentiu.
-
Voltarei a estar sob controle tão logo eu veja Demétria. Ela está ao menos a
uma semana na corte. Só Deus sabe o que Sebastian fez com ela. Liam, juro por
Deus que se ele a tiver tocado então eu...
-
Sebastian tem muitas coisas em jogo para machucar Demétria, Joseph. Necessita
do respaldo de sua irmã, não de sua ira. Não, haverá muitas pessoas olhando
para ele. Sebastian fingirá ser o irmão cheio de afeto.
-
Rezo para que você esteja certo - afirmou Joseph - . Eu... estou muito
preocupado por ela.
Liam
lhe deu uns tapinhas no ombro.
-
Que diabos, homem! - exclamou -. O que ocorre é que teme perdê-la, da mesma
maneira que eu temia perder Miley.
-
Parecemos um par de arrogantes - anunciou Joseph -. Não se preocupe com minha
ira. Quando vir minha esposa, voltarei a me mostrar disciplinado.
-
Sim, bem, há outra questão da qual é preciso falar - confessou Liam -. Miley me
falou da carta que recebeu do monastério.
-
Como pôde chegar a saber da carta? - perguntou Joseph.
-
Sua Demétria lhe contou. Ao que parece encontrou a carta e ela a leu.
Os
ombros de Joseph se afundaram subitamente. Suas preocupações acabavam ser
multiplicadas, porque não estava nada certo do que faria sua esposa.
-
Miley contou como reagiu Demétria? Ela ficou com raiva? Deus, espero que tenha
ficado com muita raiva.
Liam
sacudiu a cabeça.
-
Por que você quer que ela fique com raiva?
-
Menti para Demétria, Liam, e agora espero que a mentira a encha de fúria. Não quero
que Demétria pense que... agi de má fé. - Joseph encolheu os ombros, percebendo
quão difícil era expressar seus sentimentos em palavras -. Quando conheci
Demétria, ela tentou me convencer de que Sebastian não iria a sua procura.
Disse-me que não era merecedora da atenção de seu irmão. Demétria não estava
tentando me enganar, Liam. Juro por Deus que ela realmente acreditava no que
estava dizendo. Sebastian a fez sentir daquela maneira, é claro. Demétria
permaneceu sob seu poder durante quase dois anos.
-
Dois anos?
-
Sim - disse Joseph -. Do momento em que morreu sua mãe até que a enviaram a seu
tio, Sebastian foi o único guardião de Demétria. Você sabe tão bem como eu de
que crueldades Sebastian é capaz, Liam. Vi como Demétria foi ficando um pouco
mais forte a cada dia que passava, mas continua a ser... vulnerável.
Liam
assentiu.
-
Sei que você gostaria de ter sido o único a lhe dizer que Lawrence não era um
verdadeiro homem de Deus, mas considere quão despreparada Demétria ficaria, se
tivesse sido Sebastian quem lhe explicasse.
Joseph
era um homem atormentado. Sua inocente esposa voltava a estar nas mãos do
diabo. Pensar nisso gelou sua alma.
Liam
não sabia que palavras poderia oferecer para aliviar o sofrimento de Joseph.
-
A lua nos proporciona luz suficiente para que possamos continuar cavalgando
durante toda a noite - sugeriu.
-
Então tiraremos proveito da luz.
Os
barões não voltaram a falar até que chegaram a seu destino.
Demétria
tentava dormir. Estava trancada em um quarto anexo aos aposentos de sua irmã
Camille. As paredes eram tão finas como um pergaminho, e Demétria tratava de
não escutar a discussão que Sebastian estava mantendo com Camille.
Já
tinha ouvido o suficiente. Demétria sentia tanta repugnância por sua irmã e seu
irmão que havia ficado doente. Seu estômago se negava a reter qualquer
alimento, e sua cabeça palpitava com uma surda dor.
Sebastian
não poderia ser mais previsível. Deu as boas vindas a Demétria na frente dos
soldados do rei, beijando-a na bochecha e chegando inclusive a abraçá-la. Sim,
tinha interpretado o papel do irmão cheio de afeto, especialmente diante de
Anthony. Logo que estiveram a sós em seus aposentos, entretanto, Sebastian
tinha encarado Demétria. Lançou-lhe uma furiosa acusação atrás de outra, colocando
fim a sua ladainha com um terrível murro despejado sobre a bochecha de Demétria
que a deixou jogada no chão. Era a mesma bochecha que ele havia beijado quando
a recebeu.
Seu
irmão em seguida lamentou aquele ataque de mau humor, porque percebeu que o rosto
de Demétria ia ficar roxo. Como sabia que alguns de seus inimigos chegariam à
conclusão de que o responsável era ele, manteve Demétria trancada em seu quarto
e deu a todo mundo a desculpa de que sua irmã tinha passado por uma prova tão
terrível nas mãos do barão de Wexton, que precisaria de alguns dias para poder
recuperar suas forças.
Mas
embora Sebastian se comportasse de acordo com o que esperava dele, Camille
tinha demonstrado ser uma terrível decepção para Demétria. Quando dispôs de
tempo para pensar sobre isso, Demétria compreendeu que tinha criado uma imagem
totalmente falsa de sua irmã mais velha. Demétria queria acreditar que Camille
se importava um pouco com o que pudesse acontecer com ela. Mas cada vez que
enviava mensagens a suas irmãs, nem Camille nem Sara jamais se incomodaram em
responder. Demétria sempre havia encontrado desculpas para sua conduta. Agora
por fim era consciente da verdade: Camille era tão egoísta como Sebastian.
Sara
nem sequer tinha ido a Londres. Camille explicou sua ausência, dizendo a
Demétria que Sara acabava de se casar com o barão de Ruchiers e não desejava
separar-se dele. Demétria nem sequer sabia que Sara estava noiva de alguém.
Demétria
renunciou à tentativa de descansar. A voz de Camille gritava em seus ouvidos
como um estridente cantar de galo. A irmã tinha tendência a reclamar de tudo, e
isso era precisamente o que ela estava fazendo naquele momento, enquanto se
queixava com Sebastian sobre a humilhação que Demétria havia causado.
Um
fragmento da conversa chegou a Demétria pelas porta que se comunicava com o
outro aposento. Camille estava falando de Dianna. Sua voz estava cheia de
aborrecimento enquanto tranquilamente cobria de infâmia a mãe de Demétria.
Sebastian
tinha odiado Dianna, mas jamais pensou que suas duas irmãs sentissem assim como
ele.
-
Desejou essa cadela desde dia em que entrou pela porta - disse Camille.
Demétria
abriu uma fresta da porta. Viu Camille sentada em cima de uma almofada no vão
da janela. Sebastian estava de pé perto dela, dando as costas a Demétria.
Camille olhava para seu irmão. Ambos tinham uma taça na mão.
-
Dianna era muito bonita - disse Sebastian, falando com seca aspereza -. Quando
nosso pai se voltou contra ela, eu fiquei assombrado. Dianna era uma mulher tão
atraente... Nosso pai forçou o casamento, Camille. Era certo que o barão de
Rhinehold iria se casar com ela.
Camille
bufou. Demétria viu como bebia um longo gole de sua taça. O vinho de uma cor
vermelha escura se derramou pelo peitilho de seu vestido, mas Camille não
pareceu perceber o desastre e voltou a encher a taça com a jarra que segurava
na outra mão.
A
irmã era tão parecida com Sebastian, com o mesmo cabelo de um loiro quase
branco e os olhos cor avelã. Sua expressão, quando estava furiosa, era
igualmente horrorosa que a de seu irmão.
-
Naquela época, o barão de Rhinehold não podia competir com nosso pai - disse
Camille -. Mas nosso pai foi habilmente enganado, não? No final Dianna
conseguiu zombar dele. Pergunto-me, Sebastian, se Rhinehold soube que Dianna
levava seu filho no ventre quando se casou com nosso pai.
-
Não - respondeu Sebastian -. Dianna nunca pôde ver Rhinehold. Quando Demétria
nasceu, nosso pai nem sequer a olhou. Dianna foi severamente castigada por sua
loucura.
-
E você esperava que então ela fosse até você em busca de consolo, não
Sebastian? - perguntou Camille, tornando a rir quando seu irmão se voltou para
ela fulminando-a com o olhar -. Estava apaixonado por ela - zombou Camille -.
Mas Dianna achava você repugnante, não é verdade? Se ela não tivesse essa
fedelha para cuidar, acredito realmente que ela teria tirado sua própria vida.
Dianna não caiu por aqueles degraus no fim das contas, querido irmão. Ela pode
ter sido empurrada.
-
Sempre teve ciúmes de Dianna, Camille - replicou Sebastian secamente -. Da
mesma maneira que agora está com ciúmes de sua filha, legítima ou não.
-
Não estou com ciúmes de ninguém! - gritou Camille -. Deus, que vontade que
tenho de que tudo isso termine de uma vez. Juro que vou contar sobre Rhinehold
para Demétria. Pode ser inclusive que eu conte também que você matou sua mãe.
-
Não dirá nada! - gritou Sebastian, fazendo cair a taça dos dedos de Camille com
um súbito tapa -. É uma estúpida, irmã. Eu não matei Dianna. Ela escorregou e
caiu por aqueles degraus.
-
E quando caiu estava tentando escapar de você - zombou Camille.
-
Bem, então que assim seja - gritou Sebastian -. E ninguém deve saber jamais que
Demétria não é uma de nós. A vergonha afetaria tanto você como a mim.
-
E a pequena cadela fará o que você mandar? Pensa que Demétria se comportará
diante de nosso rei da maneira que você determinar que ela se comporte? Ou se
voltará contra você, Sebastian?
-
Demétria fará tudo o que eu disser - alardeou Sebastian -. Ela me obedece
porque me tem medo de mim. Ah, que covarde é... Continua a ter exatamente o
mesmo caráter que quando era uma criança. Além disso, nossa pequena Demétria
sabe que se não fizer o que eu quero, matarei Berton.
-
É uma lástima que Morcar tenha morrido - disse Camille -. Teria pago
generosamente em troca de Demétria. Agora ninguém vai querê-la.
-
Engana-se, Camille. Eu quero que Demétria seja minha, e não permitirei que
ninguém se case com ela.
Demétria
fechou a porta ante a obscena gargalhada da Camille, e então conseguiu chegar
ao urinol do quarto bem a tempo de vomitar a bílis que se acumulou dentro de
seu estômago.
Ela
chorou por sua mãe, Dianna, e pelo inferno que Sebastian e seu pai tinham-na
colocado. Ela tinha ficado horrorizada ao saber que Dianna tinha ido para a
cama de seu casamento grávida de outro homem. E, em seguida, toda a verdade
apareceu para Demétria. Ela chorou lágrimas de alegria em seguida, por ter
sabido que ela não tinha o mesmo sangue que Sebastian, apesar de tudo.
Tinha
ouvido o nome do barão de Rhinehold dos lábios de Joseph, e sabia que ambos
eram aliados. Perguntou-se se o barão de Rhinehold estaria na corte. Queria ver
que aspecto tinha. Teria chegado a se casar? Sebastian tinha razão. Ninguém
deveria saber nunca... e entretanto, Demétria sabia que deveria contar a
verdade a Joseph. Quem sabe ela também ficaria tão contente como ela estava!
Passado
um momento, conseguiu recuperar o controle de suas emoções. Precisaria ser
capaz de pensar com clareza. Sim, tinha que tentar de proteger o padre Berton e
Joseph. Sebastian acreditava que Demétria trairia de boa vontade um deles para
salvar o outro. Também havia o problema de Miley, é obvio, mas agora o que
realmente preocupava Demétria não era a irmã de Joseph. Não, Liam não demoraria
a se casar com Miley e quando isso acontecesse, o rei dificilmente poderia
ameaçar entregar Miley a Sebastian.
Finalmente,
fechou os olhos para dormir. E então recorreu ao mesmo fingimento que estava
acostumada a jogar quando era pequena. Sempre que temia que Sebastian fosse
levá-la de volta a sua casa, Demétria imaginava que Ulisses estava perto dela,
vigiando-a e custodiando-a. Mas agora o fingimento havia mudado, porque quem
montava guarda já não era mais Ulisses, mas Joseph.
Sim,
tinha encontrado alguém mais poderoso que Ulisses. Agora Demétria tinha seu lobo
para que a protegeria.
Na
tarde seguinte, Demétria acompanhou Sebastian para encontro com o rei. Já
estavam chegando aos aposentos privados de William quando Sebastian se virou
para ela e sorriu.
-
Conto com sua honestidade, Demétria. Você só precisa contar ao rei o que
aconteceu ao seu lar e a você. Eu vou me encarregar do resto.
-
E a verdade condenará Joseph, não? É isso que você acredita? - perguntou
Demétria.
O
sorriso de Sebastian escureceu de repente. O tom que sua irmã acabava de
empregar não lhe agradou nada.
-
Você se atreve a recuperar sua valentia perdida exatamente agora, Demétria?
Lembre-se de seu querido tio. Neste mesmo instante, tenho homens preparados
para partir a galope. Basta apenas com que eu dê uma ordem para que cortem o
pescoço de Berton.
-
Como sei que você já não o matou? - argumentou Demétria -. Sim - acrescentou
quando Sebastian a agarrou ameaçadoramente pelo braço -. É incapaz de controlar
seu mau caráter, Sebastian. Nunca conseguiu fazê-lo. Como sei que não matou a
meu tio ainda?
Sebastian
provou que seu comentário a respeito de seu mau caráter era certo. Sua mão saiu
em disparada, atingindo sua face. O anel cravejado de pedras que ele usava
abriu o canto do lábio, e um fiozinho de sangue começou a baixar imediatamente
pelo queixo de Demétria.
-
Olhe o que você me fez fazer! - gritou Sebastian. Voltou a arquear a mão para
infligir outro golpe, e então se viu subitamente atirado contra a parede junto
de Demétria.
Anthony
tinha surgido das sombras. Ele indicava a Demétria que ia estrangular seu
irmão.
Demétria
tinha provocado deliberadamente seu irmão para fazer com que ele perdesse a
paciência.
Para
falar a verdade, nem sequer estava agradecida pela interferência de Anthony.
-
Solte meu irmão, Anthony - ordenou. Tinha falado com voz bastante áspera, mas
suavizou a ordem colocando a mão no ombro do vassalo -. Por favor, Anthony.
O
vassalo reprimiu sua ira, soltou Sebastian e contemplou sem se alterar como o
barão caía no chão preso a um súbito ataque de tosse.
Demétria
tirou proveito do estado de debilidade em que estava mergulhado seu irmão para
ficar nas pontas dos pés e sussurrar no ouvido de Anthony:
-
É o momento de eu colocar meu plano em ação. Faça o que faça ou diga o que
diga, não tente me deter. Estou protegendo Joseph.
Anthony
assentiu para que Demétria soubesse que tinha entendido. Desejava perguntar se
seu plano consistia em impulsionar Sebastian a matá-la. E por que estava
pensando em proteger Joseph? Era óbvio para o vassalo que sua senhora não se
preocupava minimamente por sua própria segurança.
Um
instante depois teve que recorrer a toda sua determinação para não mostrar
reação alguma, quando Demétria ajudou a seu irmão a ficar de pé. Anthony não
queria que Demétria tocasse naquele bastardo.
-
Não acredito que tenha feito mal ao tio Berton, Sebastian - disse Demétria
quando seu irmão tentou afastar-se de Anthony -. Resolveremos este problema
aqui e agora.
Sebastian
ficou muito assombrado pela ousadia de Demétria. Agora sua irmã já não se
comportava de maneira tímida ou assustada.
-
O que pensa dizer ao rei quando ele vir os sinais que há em meu rosto,
Sebastian?
-
Você não vai ver o rei! - gritou Sebastian -. Mudei de ideia. Vou levá-la de
volta a seus aposentos, Demétria. E então falarei de seu comportamento com
nosso monarca.
Demétria
se soltou do apertão com que seu irmão a segurava.
-
O rei vai querer me ver e escutar minha explicação - disse -. Hoje, amanhã, ou
a semana que vem, Sebastian - acrescentou -. O que você faz é prolongar a
espera. E sabe o que direi a nosso rei?
-
A verdade - zombou Sebastian -. Sim, sua honestidade será uma armadilha para o
barão de Wexton. – ele, na verdade, deu uma gargalhada de seu próprio
comentário -. Não pode evitar ser como é, Demétria.
-
Se eu falasse diante o rei, contaria a verdade. Mas não vou dizer uma única
palavra. Vou me limitar a ficar quieta, e quando o rei me fizer suas perguntas,
então eu olharei fixamente para ele. Juro por Deus que não direi uma única palavra.
A
ameaça de Demétria enfureceu Sebastian a tal ponto que pouco faltou para ele
voltar a atingi-la.
Quando
ele levantou a mão, Anthony deu um ameaçador passo adiante. O desejo de
retaliação de Sebastian foi deixado de lado imediatamente.
-
Falaremos sobre isso mais tarde - disse, e olhou significativamente para
Anthony, antes de continuar falando -: Prometo que farei você mudar de ideia
assim que estivermos a sós.
Demétria
escondeu o medo que sentia.
-
Vamos falar disto agora, Sebastian, ou do contrário enviarei Anthony ao nosso
rei para que ele conte como você me está maltratando.
-
Pensa que William se importaria muito isso? - gritou Sebastian.
-
Sou tão súdita dele como você - replicou Demétria -. Também ordenarei Anthony
que diga ao rei quão preocupada estou ante a possibilidade de você matar tio
Berton. Duvido que William vá gostar muito da maneira que a igreja vai reagir
ao fato de um barão assassinar um dos seus.
-
O rei nunca acreditará em você. E sabe muito bem que seu querido sacerdote está
vivo. Mas se insistir nesta rebelião, vou mandar matá-lo. Continue me
provocando, cadela, e juro que...
-
Vai me enviar para viver com tio Berton. Isso é o que fará.
Sebastian
arregalou os olhos e seu rosto se converteu em uma mancha avermelhada. Ele não
podia acreditar na mudança radical que tinha acontecido na personalidade de sua
irmã. Demétria o enfrentava, e diante de testemunhas. Preocupação infiltrava na
cabeça de Sebastian. A cooperação de Demétria era imprescindível para convencer
o rei a ir contra Joseph. Sim, ele contava com Demétria para dizer como Joseph
tinha destruído sua fortaleza e a tornado prisioneira. De repente Demétria
estava imprevisível.
-
Você espera que eu responda apenas algumas verdades, não? E se eu começar meu
relato contando como você tentou matar o barão de Wexton?
-
Você só vai responder perguntas que lhe forem formuladas! - uivou Sebastian.
-
Então aceite meu pedido. Deixe-me ir para meu tio. Ficarei com ele e deixarei
que você cuide deste problema com o barão de Wexton.
As
palavras que Demétria escolheu deliberadamente a fizeram ter vontade de chorar.
Um problema, certamente. Sebastian pretendia ver Joseph destruido.
-
Eu juro, posso lhe causar mais dano ao seu pedido, se você me fizer comparecer
diante do rei. A verdade poderia condenar Joseph, mas meu silêncio vai condenar
você.
-
Quando isto tenha terminado...
-
Você vai me matar, suponho - disse Demétria com um encolher de ombros cheio de
indiferença forçada. Sua voz carecia de qualquer emoção quando disse -: Eu não
ligo, Sebastian. Faça o seu pior.
Sebastian
não precisou pensar na ameaça de Demétria, porque chegou imediatamente à
conclusão de que era preciso tirá-la da corte. Não havia tempo para obrigá-la a
se submeter mediante os golpes e a força.
Fazia
apenas dois dias que ele havia de seu fracasso em tentar matar Joseph. Morcar
estava morto, e agora, sem dúvida, Joseph chegaria a Londres a qualquer
momento.
Talvez
ele devesse deixar que sua irmão fizesse da maneira dela e decidiu percebeu que
sua partida serviria muito bem a seu propósito.
-
Você vai partir em um hora - anunciou -. Mas meus homens vão escoltá-la,
Demétria. Os homens de Wexton - acrescentou, agora olhando para Anthony - não
têm nenhuma razão para acompanhá-la. O barão não tem mias que se meter em seus
assuntos. Ele recuperou a irmã dele, e agora você me pertence.
Demétria
concordou antes que Anthony pudesse protestar. O vassalo trocou um rápido olhar
com sua senhora e, então, inclinou a cabeça em sinal de aceitação.
Não
tinha a menor intenção de honrar aquele acordo, óbvio. Anthony seguiria
Demétria aonde quer que Sebastian a enviasse. Mas seria muito discreto, e
permitiria que Sebastian acreditasse que seus deveres com Demétria haviam
chegado ao fim.
-
Então, vou retornar à fortaleza de Wexton - anunciou antes de dar meia volta e
partir.
-
Devo ir e trocar algumas palavras com o rei - murmurou Sebastian - William nos
espera. Cedo ao seu capricho, Demétria, mas você e eu sabemos que chegará o
momento em que deverá contar a William tudo o que aconteceu.
-
Serei honesta com ele - replicou Demétria. Quando Sebastian a olhou com
desconfiança, ela apressadamente acrescentou -: E isso, naturalmente, apoiará
sua causa.
Sebastian
parecia levemente apaziguado.
-
Sim, bem, talvez a visita a seu tio seja o melhor a fazer. Vê-lo outra vez fará
você se lembrar sua débil posição
A
cadela precisava se lembrar de quão importante seu tio era para ela, decidiu
Sebastian. Demétria obviamente tinha esquecido que Berton estava frágil e
velho, e como era impossível que ele protegesse a si mesmo. Sim, Demétria
precisava voltar a ver o sacerdote. Então, Sebastian voltaria a ter sua tímida
e medrosa irmã ali, onde ele queria que ela estivesse.
-
Sempre existe a possibilidade de eu ter que cuidar de Joseph antes de você
pedir para voltar à corte, Demétria. Agora retorne ao seu quarto e arrume seus
insignificantes pertences. Enviarei alguns soldados para escoltá-la até o
pátio.
Demétria
fingiu humildade. Inclinou a cabeça e murmurou seu agradecimento.
-
Eu realmente passei por um terrível calvário - disse a seu irmão -. Espero que
o rei não se oponha ao seu pedido para que eu deixe...
-
Meu pedido? - Sebastian riu, um som obsceno e ruidoso -. O rei nem sequer
saberá, Demétria. Não preciso pedir nada a William para assuntos de tão pouca
importância.
Sebastian
deu meia volta e partiu depois de fazer sua odiosa ostentação. Demétria o
seguiu com o olhar até que ele desapareceu depois da curva do corredor. Ela se
virou e andou para o seu quarto. Anthony a esperava entre as sombras e se
apressou a interceptá-la.
-
Você está se expondo muito, milady - murmurou o vassalo -. Seu marido ficará
descontente.
-
Ambos sabemos que Joseph não é meu marido - disse Demétria -. É importante que
você não interfira, Anthony. Sebastian deve acreditar que realmente recuperou
sua irmã.
-
Demétria, eu sei que você pensa em proteger Miley, mas é dever de Liam...
-
Não, Anthony - interrompeu Demétria -. Só estou pensando em ganhar tempo. E
tenho que ir com meu tio. Ele é como um pai para mim. Sebastian o matará se eu
não o proteger...
-
Você deve proteger a si mesma - arguiu Anthony -. E em vez disso, você tenta
proteger o mundo. Não quer ouvir a razões? Se você sair dos domínios do castelo
ficará vulnerável.
-
Estou muito mais vulnerável aqui - sussurrou Demétria. Deu um tapinha na mão de
Anthony e disse -: Eu estarei vulnerável até que Joseph resolva este problema.
Você vai dizer a Joseph para onde fui, Anthony, e então a decisão será apenas
dele.
-
Que decisão? - quis saber Anthony.
-
De vir atrás de mim, ou não.
-
Você realmente duvida...?
Demétria
deixou escapar um prolongado suspiro.
-
Não, não duvido disso - disse, sacudindo a cabeça para dar mais ênfase a suas
palavras -. Joseph virá me procurar, e quando o fizer, deixará soldados para
proteger meu tio. Só rezo para ele que venha o mais depressa possível.
Anthony
não encontrou nenhum defeito no plano de Demétria.
-
Não vou perder você de vista em momento algum - jurou -. Você só terá que
gritar e eu estarei ali.
-
Você deve ficar aqui e avisar Joseph...
-
Deixarei outro encarregado de cumprir com esse dever - disse Anthony -. Dei minha
mina palavra a meu lord que protegeria sua esposa - acrescentou, reforçando a
palavra “esposa”.
Embora
não admitisse, Demétria se sentiu aliviada ao saber que contaria com a proteção
de Anthony Quando terminou de recolher suas roupas, ela correu para o pátio
adjacente ao estábulo do rei. Três dos Sebastian iriam escoltá-la. Deixaram-na
sozinha no pátio enquanto preparavam suas montarias.
Demétria
agradeceu por não ter voltado a encontrar com Camille. E Sebastian ainda estava
falando com o rei..., enchendo sua cabeça de mentiras a respeito de Joseph,
Demétria sabia.
Uma
multidão de curiosos se reuniu para presenciar sua partida. As marcas no rosto
Demétria eram claramente visíveis, e não pôde evitar os comentários
especulativos que todos faziam a suas costas.
Uma
ruiva alta se separou do grupo e se virou para o Demétria com passo rápido e
decidido. Era muito bonita, com um porte elegante e majestoso, bem mais alta
que Demétria, e um pouco mais cheinha também. Não sorriu para Demétria, mas
dirigiu-lhe um olhar hostil.
Demétria
sustentou seu olhar e perguntou:
-
Há algo que você queira me dizer?
-
Eu estou correndo um grande risco ao falar com você tão de abertamente -
começou dizendo a mulher -. Tenho que pensar em minha reputação, entenda.
-
E falar comigo vai manchá-la? - perguntou Demétria.
Sua
pergunta pareceu surpreender aquela mulher
-
É obvio que sim - admitiu -. Sem dúvida você deve saber que já não é mais
desejável...
Demétria
cortou bruscamente com aquele velado insulto.
-
Diga o que quer dizer e vá embora.
-
Sou lady Eleanor. - Demétria não pôde esconder sua surpresa -. Então, você já
ouviu falar de mim? Provavelmente o barão de Wexton deva ter falado que...
-
Eu ouvi falar de você - murmurou Demétria. Sua voz tremia. Não podia evitar
sentir-se um pouco inferior na frente daquela mulher. Lady Eleanor estava
esplendidamente vestida, enquanto Demétria usava um singelo vestido de viagem,
de um azul bastante descolorido.
A
pretendente de Joseph parecia ser tudo o que Demétria acreditava não ser, ela
estava tão compostura e era tão digna. Demétria duvidava que aquela mulher
pudesse ter sido desajeitada, nem sequer quando era pequena.
-
Meu pai ainda tem que chegar a um acordo formal com o barão de Wexton a
respeito da data de nosso casamento. Eu só queria lhe dizer que você conta com
minha compaixão, pobre criança. Mas não culpo meu futuro marido de nada. Ele
apenas respondeu ao que haviam feito com ele. Mas me pergunto se o barão de
Wexton maltratou você.
Demétria
ouviu a preocupação que havia na voz de lady Eleanor e ficou furiosa.
-
Se você tiver que me fazer essa pergunta, é porque realmente não conhece o
barão de Wexton.
Deu
as costas à mulher e montou no cavalo que um dos soldados acabava de trazer
para ela. Quando ela montou, baixou o olhar para lady Eleanor e disse:
-
Ele não me maltratou. Agora sua pergunta já foi respondida e é a mina vez de
perguntar uma coisa.
Lady
Eleanor assentiu com uma seca inclinação de cabeça.
-
Você ama o barão de Wexton?
Depois
de um longo momento de silêncio, ficou evidente que lady Eleanor não iria
responder a pergunta de Demétria. Arqueou uma sobrancelha, e a expressão de
desdém que havia em seu rosto disse a Demétria que não havia gostado da
pergunta.
-
Não sou uma pobre criança, lady Eleanor - avisou Demétria, permitindo que sua
raiva soasse em sua voz -. Joseph não se casará com você. Não assinará o
contrato. Ele teria que renunciar ao maior de seus tesouros para poder se casar
com você.
-
E qual seria esse tesouro? - perguntou lady Eleanor sem elevar a voz.
-
Ora, eu sou o maior tesouro de Joseph. Ele teria que ser muito tolo para
renunciar a minha pessoa - acrescentou Demétria -. E até você deve saber que
Joseph pode ser qualquer coisa, menos tolo.
Demétria
então incitou sua montaria para frente. Lady Eleanor teve que sair de seu
caminho para evitar ser pisoteada pelos cascos do animal, e uma nuvem de pó se
elevou no rosto daquela mulher tão tola.
Agora
não parecia tão superior. Sim, lady Eleanor estava claramente furiosa. Sua
raiva agradou Demétria imensamente. Sentia-se como se acabasse de ganhar uma
batalha muito importante. Era uma vitória na maneira de pensar de Demétria:
infantil e nascida da descortesia, verdade, mas igualmente uma vitória.
verdades sendo reveladas...que acharam disso?
Posta mais por favor ......
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