E com a medida que
tiverdes medido, assim serão medidos.
Mateus, 7, 2
Joseph
foi o primeiro a perceber o aroma do perigo. Deu o sinal de fazer uma parada e
os soldados se detiveram atrás dele. Não se pronunciou uma única palavra, e um
estranho silêncio desceu sobre os bosques, assim que os cavalos se acalmaram.
O
barão Liam ficou à direita de Joseph. Ele esperou, assim como seus homens,
confiando em no bom julgamento de Joseph. A reputação de Joseph era lendária.
Liam já tinha lutado ao lado dele, e embora tivessem quase a mesma idade, Liam
se considerava aprendiz e Joseph, seu professor.
Quando
Joseph levantou a mão, vários soldados se deslocaram para examinar a área.
-
Está quieto, muito quieto - disse Joseph a Liam.
Liam
assentiu.
-
Este não é lugar que eu escolheria para armar uma armadilha, Joseph - admitiu.
-
Exatamente.
-
Como sabe que é uma armadilha? Eu não vi nada - disse Liam.
-
Eu sinto isso - respondeu Joseph -. Estão aqui, debaixo de nós, esperando.
Um
tênue assobio vindo do bosque ressoou à esquerda. Joseph se virou imediatamente
em sua sela e fez um gesto a seus soldados para que se dividissem em pelotões.
O
soldado que feito aquele som cavalgou para reunir-se com eles.
-
Quantos? - perguntou Joseph.
-
Eu não saberia, mas avistei vários escudos.
-
Então acrescente a essa quantidade vem vezes mais - disse Liam.
-
Na curva do cruzamento - anunciou o soldado -. Esconderam-se ali, milord.
Joseph
assentiu. Ele procurou sua espada, mas Liam deteve sua mão.
-
Lembre-se, Joseph, se Morcar for um deles…
-
Morcar é seu - reconheceu Joseph, falando com voz áspera e controlada.
-
Da mesma maneira em que Sebastian é seu - disse Liam.
Joseph
sacudiu a cabeça.
-
Ele não estará aqui - disse depois -. O bastardo se esconde atrás de seus
homens ou na corte de William. Agora já tenho minha resposta, Liam. Era uma
falsa carta enviada por Sebastian e não pelo rei. Esta é a última partida de
erros que jogo com Sebastian.
Joseph
esperou até que um terço de seu contingente se juntasse em semicírculo na
encosta ocidental. O segundo terço seguiu a mesma ordem, embora eles se
espalhassem em um semicírculo sobre a ponte oriental. O último terço da tropa
de Joseph se manteve à espera atrás dos barões. Eles foram escolhidos para
montar um confronto direto.
Liam
estava mais que satisfeito com o plano de Joseph.
-
Vamos deixá-los presos dentro de sua própria armadilha - disse orgulhosamente.
-
E agora fechamos nosso círculo, Liam. Dê a ordem.
Aquilo
era uma honra que Joseph conferia a seu amigo. Liam se ergueu sobre sua sela de
montar, brandiu sua espada e lançou o grito de guerra.
Os
ecos daquele som retumbaram por todo o vale. Os soldados que circundavam o
inimigo agora começavam seu avanço para baixo.
A
rede se fechou. A batalha pertencia aos mais capazes e o poderio se fez com o
dia, impondo-se a todos.
Aqueles
homens ardilosos que estavam escondidos como mulheres atrás de árvores e
rochas, esperando a ocasião de caírem sobre as vítimas desavisadas, não
demoraram a ficar presos.
Os
homens de Joseph demonstraram sua superioridade. Controlaram a situação desde o
primeiro instante, lutaram corajosamente, e não demoraram a reclamar a vitória.
Não
fizeram prisioneiros.
Foi
apenas quando a batalha já havia quase terminado que Liam viu Morcar. Seus
olhares se encontraram em desafio através do vale. Morcar sorriu
zombeteiramente e, em seguida, se virou para montar em seu cavalo. Acreditava
dispor de tempo para poder fugir.
A
mente de Liam estalou. Começou a lutar como um possuído, pensando apenas em
poder chegar até Morcar antes que ele desaparecesse. Joseph protegeu as costas
de Liam em mais de uma ocasião, gritando para seu amigo recuperasse o controle
de si mesmo.
Joseph
estava furioso. Era um homem que exigia disciplina tanto de si mesmo como de
seus soldados. Mas agora seu par, o barão Liam, estava infringindo todas as
regras de treinamento. Seu amigo estava fora de si.
Liam
não dava ouvidos a nenhuma advertência. O véu da fúria obscurecia seus olhos. A
raiva, tão selvagem e incontida, tinha passado a reger tanto sua mente como seu
corpo.
Morcar
permaneceu imóvel sobre seus arreios enquanto contemplava como Liam tratava de
chegar até ele. Perdeu uns segundos preciosos, mas se sentia a salvo. O barão
Liam ia a pé.
Seu
sorrisinho depreciativo se converteu em uma estrondosa gargalhada quando Liam
tropeçou e caiu de joelhos. Morcar aproveitou aquela oportunidade e fez com que
seu cavalo se lançasse em disparada ladeira abaixo. Inclinando-se para o lado
de sua sela, ameaçou Liam com sua espada curvada.
Liam
fingiu debilidade. Manteve a cabeça baixa e um joelho fincado no chão,
esperando que seu inimigo se aproximou o suficiente.
Morcar
atacou com sua espada no mesmo instante em que Liam saltava para o lado. Liam
usou a horizontal de sua própria espada para derrubar Morcar de sua montaria.
Morcar
caiu de lado, rodou até ficar de barriga para cima e pensou em recuperar sua
arma e levantar-se de um salto.
Não
se chegou a ter a oportunidade de fazê-lo.
O
pé de Liam imobilizou sua mão. Quando Morcar levantou o olhar, viu o barão
imóvel sobre ele com a ponta de sua espada dirigida para seu pescoço.
-
Será que vai haver mulheres no inferno para você estuprar, Morcar? - perguntou
Liam.
Os
olhos do Morcar se abriram de repente. E naqueles últimos segundos antes de sua
morte, soube que Liam tinha ouvido a verdade dos lábios da Miley.
Joseph
não tinha presenciado o combate. Quando a batalha terminou, foi de um lado a
outro entre seus próprios homens para saber quantos haviam morrido. Também se
ocupou de seus feridos.
Horas
depois, quando o sol já se apagava no céu, foi em busca de Liam. Encontrou seu
amigo sentado em um penhasco. Joseph falou, mas não recebeu nenhuma resposta
por parte do Liam.
Joseph
sacudiu a cabeça.
-
Que diabos aconteceu com você? - quis saber -. Onde está sua espada, Liam? -
perguntou, quase como uma reflexão tardia.
Liam
finalmente levantou olhar para Joseph. Seus olhos estavam avermelhados e
inchados. Embora Joseph não fizesse nenhum comentário algum a respeito, pôde
ver que seu amigo esteve chorando.
-
No lugar onde deve estar - disse Liam, com voz carente de toda emoção e tão
implacavelmente seca como a expressão que havia em seu rosto.
Joseph
não entendeu sobre o que Liam estava falando, até que encontrou o corpo de
Morcar. A espada de Liam estava cravada na virilha de Morcar.
Eles
montaram acampamento no penhasco acima do campo de batalha. Liam e Joseph
comeram um jantar frugal, e não voltaram a dizer uma palavra até que a
escuridão os envolveu.
Liam
empregou esse tempo para livrar-se de sua ira. Joseph empregou esse tempo para
alimentar a sua.
Quando
Liam começou a falar, deu rédia solta a sua angústia.
-
Eu vivi uma pretensão todos este tempo com Miley - disse -. Eu acreditava que
ter aceito tudo o que tudo que aconteceu com ela. Quando jurei matar Morcar,
aquilo foi uma decisão lógica. Até que o vi, Joseph. Então algo se quebrou
dentro de mim. O bastardo ria…
-
Por que me dá essas desculpas? - perguntou Joseph sem levantar a voz.
Liam
sacudiu a cabeça e sorriu tenuamente.
-
Porque tenho o palpite de que você quer atravessar meu coração com seu espada -
disse.
-
Sua maneira de combater não pôde ser mais insensata, Liam - replicou Joseph -.
Se eu não estivesse ali, nunca teria conseguido chegar ao alto dessa colina.
Agora estaria morto. Sua sede de vingança esteve a ponto de acabar com você.
Joseph
ficou em silêncio durante um instante para que Liam tivesse tempo de pensar no
que ele acabava de dizer. Sua raiva sobre o comportamento indisciplinado de seu
amigo foi teve outra proporção. Joseph percebeu que agora. Estava furioso com
Liam porque viu aquele defeito no caráter de seu amigo, e agora admitia que ele
levava a mesma marca.
-
Comportei-me que uma maneira muito tola, é verdade. Não darei mais desculpas -
disse Liam.
Joseph
sabia que aquela confissão tinha sido muito difícil para seu amigo fazer.
-
Não estou pedindo desculpas - disse -. Aprenda isto, Liam. Eu não sou melhor
que você, e também me deixei levar por minha sede de vingança. Demétria foi
ferida durante a batalha porque eu a tornei minha prisioneira. Poderiam tê-la
matado. Agora ambos sabemos o que significa comportar-se como um tolo.
-
Sim, agora sabemos - replicou Liam -. Embora eu não admita isso na frente de
ninguém, senão na sua, Joseph. Acaba de me dizer que em uma ocasião esteve a
ponto de perder Demétria. Então a magia de Demétria teria se perdido e você
nunca conheceria sua perda.
-
A magia de Demétria? - perguntou Joseph, sorrindo-se ante o florido comentário
porque o falar de semelhante maneira não era algo comum em Liam.
-
Não posso explicar - disse Liam. Ruborizou-se, obviamente sentindo-se
envergonhado pelo que havia dito -. Ela é tão pura, tão limpa…E se alguma vez
você lamentou por torná-la cativa, eu me alegro por tê-lo feito. Demétria era a
única pessoa que podia me devolver Miley.
-
Nunca lamentei ter feito Demétria prisioneira - replicou Joseph -. Apenas
lamento que ela esteja envolvida em minha batalha com Sebastian.
-
Ah, minha doce Miley… - disse Liam -. Eu hoje poderia ter sido morto, e então
teria sido negada, para sempre, a felicidade que só eu poderei dar a Miley.
Joseph
sorriu.
-
Ainda não tenho muita certeza se Miley teria chorado sua perda, ou celebrado
sua morte, Liam.
Liam
começou a rir.
-
Eu vou lhe contar uma coisa, e se você a repetir, eu vou cortar seu pescoço. Eu
tive que fazer uma promessa a Miley antes que ela aceitasse se casar comigo.
Joseph
não pôde conter sua curiosidade. Liam voltava parecer incomodado.
-
Tive que jurar que não me deitaria com ela - disse, depois de um instante.
Joseph
sacudiu a cabeça.
-
Você se deleita com um castigo, Liam. Diga-me, você planeja honrar sua
promessa? - perguntou, tentando não rir.
-
Vou honrá-la - anunciou Liam, deixando Joseph surpreso.
-
Planeja viver como um monge em sua própria casa? - perguntou Joseph,
visivelmente perplexo.
-
Não, mas aprendi com você, Joseph.
-
Pode-se saber sobre o que você está falando? - perguntou Joseph.
-
Você disse a Miley que ela poderia continuar vivendo com vocês pelo resto de
seus dias, lembra-se disso? E depois sugeriu que eu fosse viver na fortaleza
dos Wexton, e agora eu o estou imitando.
-
Entendo - disse Joseph com um assentimento de cabeça.
Liam
riu.
-
Não, você não entende - disse -. Eu prometi a Miley que não me deitaria com
ela. Miley, entretanto, pode se deitar comigo se assim desejar.
Joseph
sorriu, compreendendo por fim.
-
Levará algum tempo - admitiu Liam -. Miley me ama, mas ainda não confia em mim.
Aceito suas condições, por que sei que Miley não será capaz de resistir
eternamente a meus encantos.
Joseph
riu com vontade.
-
Será melhor descansarmos um pouco. Partiremos para Londres amanhã? - perguntou
Liam.
-
Não, cavalgaremos para a propriedade do barão de Rhinehold. Sua fortaleza é o
centro de meu plano.
-
E qual é seu plano?
-
Reunir meus aliados, Liam. O jogo terminou. Enviarei mensageiros de Rhinehold a
outras fortalezas. Se tudo correr bem, vamos nos reunir em Londres dentro de
duas semanas, três no máximo.
-
E também chamará os homens dos outros barões? - perguntou Liam, imaginando o
enorme exército que Joseph podia reunir com tanta facilidade. Embora os barões
estivessem inclinados lutar entre eles, e constantemente disputavam uma posição
mais significativa de poder, todos se mostravam igualmente respeitosos e
admiravam o barão de Wexton. Todos eles enviavam seus melhores cavalheiros para
serem treinados sob a tutela de Joseph. Nenhum deles jamais foi rechaçado.
Os
barões se inclinavam diante do julgamento de Joseph. Ele nunca havia pedido que
o apoiassem antes, e mesmo assim nenhum integrante daquele grupo voltaria as
costas para Joseph.
-
Não quero ter a meu lado seus exércitos, apenas os meus pares. Não vou desafiar
nosso líder, apenas confrontá-lo. Há uma diferença, Liam.
-
Eu também estarei do seu lado, mas tenho certeza que você já sabe disso - anunciou
Liam.
-
Sebastian jogou sua última partida de erros - disse Joseph -. Não acredito que
o rei saiba nada a respeito de sua traição, no entanto, eu preciso esclarecer
isso. William não pode continuar a ignorar este problema. Justiça será feita.
-
Você vai esclarecer ao nosso líder diante dos outros barões?
-
Vou fazê-lo. Todos eles sabem sobre Miley - disse -. Eles também devem ouvir a
verdade.
-
Por quê? - O rosto do Liam mostrou a angústia que sentia -. E Miley terá que
comparecer diante…?
-
Não, ela ficará em minha casa. Não há nenhuma necessidade de obrigá-la a passar
por semelhante provação.
Liam
em seguida pareceu aliviado.
-
Então por que vai…?
-
Apresentarei a verdade ao nosso rei, diante de seus barões.
-
E nosso monarca agirá com honra no que diz respeito a esta questão? - perguntou
Liam.
-
Não demoraremos a descobrir. São muitos os que acreditam que nosso rei é
incapaz de fazer tal coisa, mas eu não sou um deles. - A voz de Joseph estava
cheia de ênfase -. William sempre agiu com honra em relação a minha pessoa,
Liam. Não julgarei tão facilmente a nosso rei.
Liam
assentiu.
-
Demétria terá que vir conosco, não? - perguntou depois.
-
Será necessário - respondeu Joseph.
A
expressão que havia no rosto de Joseph deixou muito claro a Liam que seu amigo
tinha vontade de levar Demétria para corte tanto quanto tinha vontade de levar
Miley.
-
Demétria terá que contar o que aconteceu - disse Joseph -. De outra maneira
será a palavra de Sebastian contra a minha.
-
E isso significa que o desfecho dependerá de Demétria? - perguntou Liam, com
uma expressão tão irada como a de Joseph.
-
É obvio que não - respondeu Joseph -. Mas ela sempre foi um peão em tudo isto.
Tanto Sebastian como eu a usamos. Isso é algo difícil de eu reconhecer, Liam.
-
Quando você levou Demétria com você, salvou-a dos abusos que Sebastian lhe
infligia - assinalou Liam -. Miley me contou algumas coisas sobre o passado de
Demétria.
Joseph
assentiu. Estava farto de conflitos. Agora que tinha descoberto a imensa
alegria de amar Demétria, queria passar cada minuto com ela. Sorriu ao perceber
que estava seguindo o exemplo do Ulisses, o herói imaginário de Demétria. Sua
esposa tinha contado tantas histórias do guerreiro que se viu obrigado a suportar
um desafio atrás de outro, durante longos dez anos, antes de que pudesse voltar
para casa para estar com sua amada.
Ainda
teriam que esperar duas semanas a mais, até que Joseph pudesse voltar a ter
Demétria em seus braços. Voltou a suspirar, pensando que estava começando a se
comportar de maneira realmente patética.
-
Bem, pelo menos antes de chegarmos a Londres haverá tempo de…
-
Tempo de quê? - perguntou Liam.
Joseph
não percebeu que havia expressado aquele pensamento em voz alta até que Liam o
interrogou a respeito.
-
De casar com Demétria.
Liam
arregalou os olhos. Joseph deu meia volta e se afastou para o bosque, deixando
Liam sozinho para se perguntar sobre o que, em nome de Deus, ele estava
falando.
O
lar de Joseph sofreu algumas mudanças sutis, enquanto ele estava fora. Eram
precauções necessárias, e cada uma delas tinha sua razão de ser por causa da
baronesa.
Agora
o pátio sempre ficava deserto a primeira hora da manhã. Embora o intenso calor
acentuasse um maior número de criados para fazer seus trabalhos cotidianos de
lavar os lençóis e trançar juncos frescos ao ar livre, todo mundo preferia
trabalhar lá dentro. Eles esperaram até o final da tarde para ir lá fora e
ganhar alguns minutos de ar fresco.
Mais
especificamente, esperavam a que Demétria tivesse terminado de praticar seu
tiro ao alvo.
Demétria
estava decidida a saber manusear com a devida precisão seu novo arco e suas
flechas, e para alcançar seu objetivo, ameaçou fazer Anthony perder o juízo.
Ele ensinava a disparar, mas mesmo assim não conseguia entender por que sua
senhora era absolutamente incapaz de melhorar. Sua determinação era admirável.
Sua pontaria, entretanto, já era outra história. Demétria sempre lançava a
flecha a, no mínimo, um metro acima do alvo. Anthony não parava de comentar
aquele fato, mas mesmo assim Demétria parecia incapaz de melhorar sua pontaria.
Ned
a provia de novas flechas. Demétria tinha gasto mais de cinquenta antes de
poder corrigir sua pontaria o suficiente para as manter as setas abaixo do topo
do muro.
A
partir desse momento pôde recuperar suas flechas e voltar a utilizá-las,
flechas que tinham atravessado as árvores, as cabanas e os lençóis pendurados
para secar.
Anthony
era paciente com sua senhora. Entendia qual era a meta que ela pretendia alcançar.
Demétria queria aprender a se proteger por si mesma, certo, mas também queria
fazer com que seu marido se sentisse orgulhoso dela. O vassalo não estava
fazendo conjecturas a respeito do segundo motivo de Demétria, já que ela mesma
dizia isso várias vezes ao dia.
Anthony
compreendia a perseverança de sua senhora. Sua baronesa se preocupava que ele
acabasse se aborrecendo com seu péssimo desempenho e deixasse de ensiná-la. O
vassalo não seria capaz de negar nada a Demétria, era certo.
Um
mensageiro do rei da Inglaterra chegou à fortaleza de Wexton na última hora da
tarde. Anthony o recebeu no salão, pois esperava que ele transmitisse uma
mensagem verbal. O mensageiro do rei entregou a Anthony um cilindro de
pergaminho. O vassalo chamou Maude e pediu para ela dar comida e algo de beber
ao soldado.
Demétria
entrou no salão no mesmo instante em que o soldado seguia Maude para a cozinha,
e em seguida se fixou no pergaminho.
-
Quais são as notícias, Anthony? Joseph enviou alguma mensagem? - perguntou.
-
A mensagem vem do rei - disse Anthony, e foi para a pequena arca que havia
junto à parede de em frente da despensa. Em cima do arca havia uma caixa de
madeira esculpida. Demétria sempre imaginou que era apenas uma pequena obra de
artesanato decorativo, até que viu como Anthony levantava a tampa e guardava o
cilindro da mensagem dentro da caixinha.
Estava
bastante perto para poder ver que ali dentro haviam outros pergaminhos
pergaminho. A caixinha obviamente era o lugar em que Joseph guardava seus
papéis mais importantes.
-
Não vai ler agora? - perguntou a Anthony quando ele se virou novamente para
ela.
-
Terá que esperar até que o barão de Wexton retorne - anunciou Anthony.
A
expressão que havia no rosto de Anthony indicou a Demétria que não gostava nada
da ideia de ter que esperar.
-
Eu poderia enviar para um dos monges de… - começou a dizer Anthony.
-
Eu vou ler isso - interrompeu-o Demétria.
Sua
observação pareceu deixar Anthony perplexo. Demétria sentiu um súbito calor nas
bochechas, e soube que estava ruborizando.
-
É verdade. Posso ler, Anthony, embora agradeceria se não dissesse a ninguém.
Não gostaria de ser objeto de escárnio - acrescentou.
Anthony
assentiu.
-
Joseph já está há três semanas longe daqui - lembrou Demétria -. E você me
disse que ele poderia passar outro mês fora. Vai se atrever a esperar tanto
tempo para trazer para um sacerdote para ler esta mensagem?
-
Não, claro que não - replicou Anthony. Abriu a caixinha e entregou o manuscrito
a Demétria. Ela se apoiou no canto da mesa, cruzou os braços diante dele e leu
a mensagem de seu monarca.
A
carta estava escrita em latim, a língua preferida para as comunicações
oficiais.
Demétria
não demorou nada para traduzir a mensagem. Sua voz não vacilou nem em um só
momento, mas quando terminou de ler a carta, suas mãos tremiam.
O
rei não mandava saudação alguma ao barão de Wexton, e Demétria pensou que sua
raiva era tão evidente como sua falta de modos. William exigia, desde a
primeira até a última palavra da carta, que Demétria comparecesse diante ele.
Aquela
ordem não a preocupou tanto como o anúncio de que o rei enviava sua própria
tropa para que a levassem a sua presença.
-
Assim, nosso rei vai enviar soldados para levá-la - disse Anthony quando ela
terminou de ler, e sua voz tremeu um pouco ao falar.
Demétria
acreditou que Anthony estivesse preso entre dois dilemas. Sua lealdade
pertencia a Joseph. Sim, tinha-lhe jurado fidelidade. Mas mesmo assim tanto
Anthony como Joseph eram vassalos do rei da Inglaterra. A ordem de William deveria
ter preferência sobre todas as demais.
-
Havia alguma coisa mais, Demétria? - perguntou Anthony.
Ela
assentiu lentamente e logo, armando-se de coragem, conseguiu sorrir.
-
Eu esperava que você não me perguntasse isso - sussurrou -. Parece, Anthony, que
para o nosso rei há duas irmãs e dois barões. William quer que a inimizade
termine de uma vez, e sugere que possivelmente… Sim, o rei utiliza precisamente
essa palavra, ele sugere que possivelmente cada irmã deva ser devolvida a seu
legítimo irmão.
Os
olhos de Demétria se encheram de lágrimas.
-
A outra alternativa é que Joseph se case comigo - murmurou.
-
O rei obviamente não sabe que já estão casados - interveio Anthony. Sua
expressão de desgosto se acentuou, pois sabia que Demétria não tinha ciência do
fato de que, na verdade, ainda não estava casada com Joseph.
-
E se Joseph se casar comigo, então Miley deverá ser a noiva de Sebastian.
-
Que Deus nos ajude - murmurou Anthony com desgosto.
-
Miley não deve chegar a saber disso - apressou-se a dizer Demétria -. Vou me
limitar a dizer que o rei requer minha presença.
Anthony
assentiu.
-
Pode escrever além de saber ler, Demétria? - perguntou de repente.
Quando
Demétria assentiu, o vassalo disse:
-
Então, possivelmente, se o rei ainda não enviou suas tropas, poderíamos ganhar
um pouco de tempo.
-
Tempo para quê? - perguntou Demétria.
-
Tempo para que seu marido volte para você - disse Anthony.
O
vassalo se apressou em ir à arca, agarrou a caixa retangular de madeira e a
levou para Demétria.
-
Aqui dentro há pergaminho e tinta - disse.
Demétria
se sentou e se preparou rapidamente para o trabalho que a aguardava. Anthony
deu-lhe as costas e começou a andar enquanto ela decidia o que diria ao seu rei.
Então
Demétria reparou em uma carta enrolada que estava em cima da mesa, junto à
jarra cheia de flores. O selo rasgado pertencia ao monastério de Roanne. Movida
pela curiosidade, dedicou um instante para ler a carta enviada pelos superiores
do padre Lawrence.
Anthony
se virou para Demétria no exato instante em que ela terminava de ler a carta.
Reconheceu o selo, e então soube que o fingimento tinha terminado.
-
Joseph não queria que se preocupasse com isso - disse a Demétria, e colocou a
mão em seu ombro para oferecer um pouco de consolo.
Demétria
não fez nenhum comentário. Jogou a cabeça para trás para olhá-lo, e Anthony
ficou atônito ante a súbita mudança que ocorreu em sua senhora. A via muito
serena, e então percebeu quão aterrorizada ela realmente estava. Sim, aquela
era a mesma expressão que havia em seu rosto durante as primeiras semanas, em
que esteve cativa de Joseph.
Anthony
não sabia de que maneira poderia ajudá-la. Se ele tentasse explicar que Joseph
tinha a intenção de casar-se com ela assim que voltasse, havia a possibilidade
de piorar ainda mais a situação. Ambos sabiam que o barão tinha mentido para
Demétria.
-
Demétria, seu marido ama você - disse Anthony, lamentando não ser capaz de
evitar que sua voz soasse um pouco áspera quando falou.
-
Ele não é meu marido, é, Anthony?
Anthony
admitiu a derrota. Decidiu que deveria deixar para Joseph a explicação
apropriada, e voltou a concentrar sua atenção no ditado.
Finalmente,
tudo se reduziu a uma mensagem singela, que apenas informava que o barão de
Wexton ainda não havia retornado a sua fortaleza, e portanto não sabia nada a
respeito da ordem do rei.
Anthony
fez com que Demétria lesse a mensagem duas vezes. Quando ficou satisfeito,
Demétria abanou o pergaminho para secar e lubrificou o dorso para que ele
ficasse flexível o suficiente para que ser enrolado.
Anthony
entregou a mensagem ao soldado do rei e ordenou que ele se apressasse a
retornar ao seu monarca.
Demétria
foi para o seu quarto para recolher seus vestidos. Era uma precaução
necessária, porque sabia que os soldados do rei podiam chegar em qualquer
momento.
Ela
foi e explicou a Miley o que tinha acontecido, ficando a maior parte da tarde
naquela visita a sua amiga. Não contou a Miley o que dizia exatamente a
mensagem do rei, e se calou deliberadamente a qualquer possível menção de que
Miley deveria ir com Sebastian.
Demétria
nunca permitiria que isso acontecesse. Também não colocaria Joseph em posição
de ter que escolher.
Em
vez de jantar, naquela noite ela subiu aos aposentos da torre. Passou mais de
uma hora imóvel diante da janela, deixando que as emoções que estava sentindo
tomassem conta de sua mente.
Lawrence
realmente deveria ter sido descoberto mais cedo. Demétria amaldiçoou a si mesma
por ter estado tão ocupada que não pudesse perceber aquelas pequenas
esquisitices. Ela culpou Joseph. Se ele não a tivesse amedrontado tanto durante
aquela cerimônia de casamento, Demétria teria percebido o erro de Lawrence.
Ela
nunca considerou a possibilidade de Joseph saber disso durante todo o tempo.
Não, Demétria estava certa de que ele acreditava que Lawrence realmente os
havia casado. Ela ainda estava furiosa. Joseph tinha mentido descaradamente
sobre o conteúdo da carta do monastério de Roanne. Joseph sabia o quanto
Demétria valorizava a verdade. Ela nunca mentiu para ele.
-
Espere só até eu colocar minhas mãos em você - murmurou -. Miley não é a única
que sabe gritar.
Aquele
súbito ataque de ira não ajudou muito a melhorar seu estado de ânimo. Pouco
depois ela estava chorando de novo.
À
meia-noite tinha conseguido ficar esgotada. Apoiou-se na janela. A lua
iluminava tudo. Demétria se perguntou se seu brilho estaria derramado agora
sobre Joseph. Como ele dormiria aquela noite, ao relento ou em um dos aposentos
do rei?
Demétria
dirigiu sua atenção para o topo da colina que se elevava fora do muro. Um
movimento tinha atraído seu olhar, olhou naquela direção bem a tempo de ver
como seu lobo subia pela ladeira.
Era
um lobo de verdade, não? Talvez fosse o mesmo que ela tinha visto meses atrás.
O animal parecia bem grande.
Desejou
que Joseph estivesse ali, de pé perto dela, para que assim pudesse lhe mostrar
que seu lobo realmente existia. Ela viu o animal levantar o osso com carne que
ela havia deixado lá para ele, virou-se, e desapareceu para baixo do outro lado
da colina.
Demétria
estava tão exausta, que ela decidiu estar fantasiando outra vez. Provavelmente
fosse apenas um cão selvagem, e nem mesmo o que ela havia visto antes.
Joseph
era seu lobo. Ele a amava. Demétria nunca tinha duvidado dele em relação a esta
questão. Sim, Joseph havia mentido a respeito da carta, mas mesmo assim
Demétria sabia de uma maneira instintiva que ele nunca mentiria sobre o amor
que sentia por ela.
Aquela
verdade a reconfortava. Joseph tinha muito sentido de honra para enganá-la em
semelhante maneira.
Tentou
dormir, mas o medo tornou impossível conciliar o sonho. Como ela havia ficado
feliz ao permitir que Joseph tomasse conta do futuro, e tinha se sentido segura
porque levava seu sobrenome. Sim, estava unida a ele.
Até
o dia de hoje.
Agora
voltava a ficar aterrorizada. O rei exigia sua presença na corte. Demétria ia
voltar com Sebastian.
Começou
a rezar. Suplicou a Deus que cuidasse de Joseph para que não lhe acontecesse
nada de mau. Pediu a Deus que velasse pelo futuro de Miley, e também pelo de
Liam, e inclusive rezou por Kevin e Nicholas.
E
logo murmurou uma oração para si mesma. Pediu a Deus que lhe desse coragem.
Coragem
para enfrentar o diabo.
falta pouco pra acabar aeeee
Posta mais ......
ResponderExcluir