domingo, 5 de maio de 2019

Esplendor da Honra Capitulo 20


E com a medida que tiverdes medido, assim serão medidos.
Mateus, 7, 2
Joseph foi o primeiro a perceber o aroma do perigo. Deu o sinal de fazer uma parada e os soldados se detiveram atrás dele. Não se pronunciou uma única palavra, e um estranho silêncio desceu sobre os bosques, assim que os cavalos se acalmaram.
O barão Liam ficou à direita de Joseph. Ele esperou, assim como seus homens, confiando em no bom julgamento de Joseph. A reputação de Joseph era lendária. Liam já tinha lutado ao lado dele, e embora tivessem quase a mesma idade, Liam se considerava aprendiz e Joseph, seu professor.
Quando Joseph levantou a mão, vários soldados se deslocaram para examinar a área.
- Está quieto, muito quieto - disse Joseph a Liam.
Liam assentiu.
- Este não é lugar que eu escolheria para armar uma armadilha, Joseph - admitiu.
- Exatamente.
- Como sabe que é uma armadilha? Eu não vi nada - disse Liam.
- Eu sinto isso - respondeu Joseph -. Estão aqui, debaixo de nós, esperando.
Um tênue assobio vindo do bosque ressoou à esquerda. Joseph se virou imediatamente em sua sela e fez um gesto a seus soldados para que se dividissem em pelotões.
O soldado que feito aquele som cavalgou para reunir-se com eles.
- Quantos? - perguntou Joseph.
- Eu não saberia, mas avistei vários escudos.
- Então acrescente a essa quantidade vem vezes mais - disse Liam.
- Na curva do cruzamento - anunciou o soldado -. Esconderam-se ali, milord.
Joseph assentiu. Ele procurou sua espada, mas Liam deteve sua mão.
- Lembre-se, Joseph, se Morcar for um deles…
- Morcar é seu - reconheceu Joseph, falando com voz áspera e controlada.
- Da mesma maneira em que Sebastian é seu - disse Liam.
Joseph sacudiu a cabeça.
- Ele não estará aqui - disse depois -. O bastardo se esconde atrás de seus homens ou na corte de William. Agora já tenho minha resposta, Liam. Era uma falsa carta enviada por Sebastian e não pelo rei. Esta é a última partida de erros que jogo com Sebastian.
Joseph esperou até que um terço de seu contingente se juntasse em semicírculo na encosta ocidental. O segundo terço seguiu a mesma ordem, embora eles se espalhassem em um semicírculo sobre a ponte oriental. O último terço da tropa de Joseph se manteve à espera atrás dos barões. Eles foram escolhidos para montar um confronto direto.
Liam estava mais que satisfeito com o plano de Joseph.
- Vamos deixá-los presos dentro de sua própria armadilha - disse orgulhosamente.
- E agora fechamos nosso círculo, Liam. Dê a ordem.
Aquilo era uma honra que Joseph conferia a seu amigo. Liam se ergueu sobre sua sela de montar, brandiu sua espada e lançou o grito de guerra.
Os ecos daquele som retumbaram por todo o vale. Os soldados que circundavam o inimigo agora começavam seu avanço para baixo.
A rede se fechou. A batalha pertencia aos mais capazes e o poderio se fez com o dia, impondo-se a todos.
Aqueles homens ardilosos que estavam escondidos como mulheres atrás de árvores e rochas, esperando a ocasião de caírem sobre as vítimas desavisadas, não demoraram a ficar presos.
Os homens de Joseph demonstraram sua superioridade. Controlaram a situação desde o primeiro instante, lutaram corajosamente, e não demoraram a reclamar a vitória.
Não fizeram prisioneiros.
Foi apenas quando a batalha já havia quase terminado que Liam viu Morcar. Seus olhares se encontraram em desafio através do vale. Morcar sorriu zombeteiramente e, em seguida, se virou para montar em seu cavalo. Acreditava dispor de tempo para poder fugir.
A mente de Liam estalou. Começou a lutar como um possuído, pensando apenas em poder chegar até Morcar antes que ele desaparecesse. Joseph protegeu as costas de Liam em mais de uma ocasião, gritando para seu amigo recuperasse o controle de si mesmo.
Joseph estava furioso. Era um homem que exigia disciplina tanto de si mesmo como de seus soldados. Mas agora seu par, o barão Liam, estava infringindo todas as regras de treinamento. Seu amigo estava fora de si.
Liam não dava ouvidos a nenhuma advertência. O véu da fúria obscurecia seus olhos. A raiva, tão selvagem e incontida, tinha passado a reger tanto sua mente como seu corpo.
Morcar permaneceu imóvel sobre seus arreios enquanto contemplava como Liam tratava de chegar até ele. Perdeu uns segundos preciosos, mas se sentia a salvo. O barão Liam ia a pé.
Seu sorrisinho depreciativo se converteu em uma estrondosa gargalhada quando Liam tropeçou e caiu de joelhos. Morcar aproveitou aquela oportunidade e fez com que seu cavalo se lançasse em disparada ladeira abaixo. Inclinando-se para o lado de sua sela, ameaçou Liam com sua espada curvada.
Liam fingiu debilidade. Manteve a cabeça baixa e um joelho fincado no chão, esperando que seu inimigo se aproximou o suficiente.
Morcar atacou com sua espada no mesmo instante em que Liam saltava para o lado. Liam usou a horizontal de sua própria espada para derrubar Morcar de sua montaria.
Morcar caiu de lado, rodou até ficar de barriga para cima e pensou em recuperar sua arma e levantar-se de um salto.
Não se chegou a ter a oportunidade de fazê-lo.
O pé de Liam imobilizou sua mão. Quando Morcar levantou o olhar, viu o barão imóvel sobre ele com a ponta de sua espada dirigida para seu pescoço.
- Será que vai haver mulheres no inferno para você estuprar, Morcar? - perguntou Liam.
Os olhos do Morcar se abriram de repente. E naqueles últimos segundos antes de sua morte, soube que Liam tinha ouvido a verdade dos lábios da Miley.
Joseph não tinha presenciado o combate. Quando a batalha terminou, foi de um lado a outro entre seus próprios homens para saber quantos haviam morrido. Também se ocupou de seus feridos.
Horas depois, quando o sol já se apagava no céu, foi em busca de Liam. Encontrou seu amigo sentado em um penhasco. Joseph falou, mas não recebeu nenhuma resposta por parte do Liam.
Joseph sacudiu a cabeça.
- Que diabos aconteceu com você? - quis saber -. Onde está sua espada, Liam? - perguntou, quase como uma reflexão tardia.
Liam finalmente levantou olhar para Joseph. Seus olhos estavam avermelhados e inchados. Embora Joseph não fizesse nenhum comentário algum a respeito, pôde ver que seu amigo esteve chorando.
- No lugar onde deve estar - disse Liam, com voz carente de toda emoção e tão implacavelmente seca como a expressão que havia em seu rosto.
Joseph não entendeu sobre o que Liam estava falando, até que encontrou o corpo de Morcar. A espada de Liam estava cravada na virilha de Morcar.
Eles montaram acampamento no penhasco acima do campo de batalha. Liam e Joseph comeram um jantar frugal, e não voltaram a dizer uma palavra até que a escuridão os envolveu.
Liam empregou esse tempo para livrar-se de sua ira. Joseph empregou esse tempo para alimentar a sua.
Quando Liam começou a falar, deu rédia solta a sua angústia.
- Eu vivi uma pretensão todos este tempo com Miley - disse -. Eu acreditava que ter aceito tudo o que tudo que aconteceu com ela. Quando jurei matar Morcar, aquilo foi uma decisão lógica. Até que o vi, Joseph. Então algo se quebrou dentro de mim. O bastardo ria…
- Por que me dá essas desculpas? - perguntou Joseph sem levantar a voz.
Liam sacudiu a cabeça e sorriu tenuamente.
- Porque tenho o palpite de que você quer atravessar meu coração com seu espada - disse.
- Sua maneira de combater não pôde ser mais insensata, Liam - replicou Joseph -. Se eu não estivesse ali, nunca teria conseguido chegar ao alto dessa colina. Agora estaria morto. Sua sede de vingança esteve a ponto de acabar com você.
Joseph ficou em silêncio durante um instante para que Liam tivesse tempo de pensar no que ele acabava de dizer. Sua raiva sobre o comportamento indisciplinado de seu amigo foi teve outra proporção. Joseph percebeu que agora. Estava furioso com Liam porque viu aquele defeito no caráter de seu amigo, e agora admitia que ele levava a mesma marca.
- Comportei-me que uma maneira muito tola, é verdade. Não darei mais desculpas - disse Liam.
Joseph sabia que aquela confissão tinha sido muito difícil para seu amigo fazer.
- Não estou pedindo desculpas - disse -. Aprenda isto, Liam. Eu não sou melhor que você, e também me deixei levar por minha sede de vingança. Demétria foi ferida durante a batalha porque eu a tornei minha prisioneira. Poderiam tê-la matado. Agora ambos sabemos o que significa comportar-se como um tolo.
- Sim, agora sabemos - replicou Liam -. Embora eu não admita isso na frente de ninguém, senão na sua, Joseph. Acaba de me dizer que em uma ocasião esteve a ponto de perder Demétria. Então a magia de Demétria teria se perdido e você nunca conheceria sua perda.
- A magia de Demétria? - perguntou Joseph, sorrindo-se ante o florido comentário porque o falar de semelhante maneira não era algo comum em Liam.
- Não posso explicar - disse Liam. Ruborizou-se, obviamente sentindo-se envergonhado pelo que havia dito -. Ela é tão pura, tão limpa…E se alguma vez você lamentou por torná-la cativa, eu me alegro por tê-lo feito. Demétria era a única pessoa que podia me devolver Miley.
- Nunca lamentei ter feito Demétria prisioneira - replicou Joseph -. Apenas lamento que ela esteja envolvida em minha batalha com Sebastian.
- Ah, minha doce Miley… - disse Liam -. Eu hoje poderia ter sido morto, e então teria sido negada, para sempre, a felicidade que só eu poderei dar a Miley.
Joseph sorriu.
- Ainda não tenho muita certeza se Miley teria chorado sua perda, ou celebrado sua morte, Liam.
Liam começou a rir.
- Eu vou lhe contar uma coisa, e se você a repetir, eu vou cortar seu pescoço. Eu tive que fazer uma promessa a Miley antes que ela aceitasse se casar comigo.
Joseph não pôde conter sua curiosidade. Liam voltava parecer incomodado.
- Tive que jurar que não me deitaria com ela - disse, depois de um instante.
Joseph sacudiu a cabeça.
- Você se deleita com um castigo, Liam. Diga-me, você planeja honrar sua promessa? - perguntou, tentando não rir.
- Vou honrá-la - anunciou Liam, deixando Joseph surpreso.
- Planeja viver como um monge em sua própria casa? - perguntou Joseph, visivelmente perplexo.
- Não, mas aprendi com você, Joseph.
- Pode-se saber sobre o que você está falando? - perguntou Joseph.
- Você disse a Miley que ela poderia continuar vivendo com vocês pelo resto de seus dias, lembra-se disso? E depois sugeriu que eu fosse viver na fortaleza dos Wexton, e agora eu o estou imitando.
- Entendo - disse Joseph com um assentimento de cabeça.
Liam riu.
- Não, você não entende - disse -. Eu prometi a Miley que não me deitaria com ela. Miley, entretanto, pode se deitar comigo se assim desejar.
Joseph sorriu, compreendendo por fim.
- Levará algum tempo - admitiu Liam -. Miley me ama, mas ainda não confia em mim. Aceito suas condições, por que sei que Miley não será capaz de resistir eternamente a meus encantos.
Joseph riu com vontade.
- Será melhor descansarmos um pouco. Partiremos para Londres amanhã? - perguntou Liam.
- Não, cavalgaremos para a propriedade do barão de Rhinehold. Sua fortaleza é o centro de meu plano.
- E qual é seu plano?
- Reunir meus aliados, Liam. O jogo terminou. Enviarei mensageiros de Rhinehold a outras fortalezas. Se tudo correr bem, vamos nos reunir em Londres dentro de duas semanas, três no máximo.
- E também chamará os homens dos outros barões? - perguntou Liam, imaginando o enorme exército que Joseph podia reunir com tanta facilidade. Embora os barões estivessem inclinados lutar entre eles, e constantemente disputavam uma posição mais significativa de poder, todos se mostravam igualmente respeitosos e admiravam o barão de Wexton. Todos eles enviavam seus melhores cavalheiros para serem treinados sob a tutela de Joseph. Nenhum deles jamais foi rechaçado.
Os barões se inclinavam diante do julgamento de Joseph. Ele nunca havia pedido que o apoiassem antes, e mesmo assim nenhum integrante daquele grupo voltaria as costas para Joseph.
- Não quero ter a meu lado seus exércitos, apenas os meus pares. Não vou desafiar nosso líder, apenas confrontá-lo. Há uma diferença, Liam.
- Eu também estarei do seu lado, mas tenho certeza que você já sabe disso - anunciou Liam.
- Sebastian jogou sua última partida de erros - disse Joseph -. Não acredito que o rei saiba nada a respeito de sua traição, no entanto, eu preciso esclarecer isso. William não pode continuar a ignorar este problema. Justiça será feita.
- Você vai esclarecer ao nosso líder diante dos outros barões?
- Vou fazê-lo. Todos eles sabem sobre Miley - disse -. Eles também devem ouvir a verdade.
- Por quê? - O rosto do Liam mostrou a angústia que sentia -. E Miley terá que comparecer diante…?
- Não, ela ficará em minha casa. Não há nenhuma necessidade de obrigá-la a passar por semelhante provação.
Liam em seguida pareceu aliviado.
- Então por que vai…?
- Apresentarei a verdade ao nosso rei, diante de seus barões.
- E nosso monarca agirá com honra no que diz respeito a esta questão? - perguntou Liam.
- Não demoraremos a descobrir. São muitos os que acreditam que nosso rei é incapaz de fazer tal coisa, mas eu não sou um deles. - A voz de Joseph estava cheia de ênfase -. William sempre agiu com honra em relação a minha pessoa, Liam. Não julgarei tão facilmente a nosso rei.
Liam assentiu.
- Demétria terá que vir conosco, não? - perguntou depois.
- Será necessário - respondeu Joseph.
A expressão que havia no rosto de Joseph deixou muito claro a Liam que seu amigo tinha vontade de levar Demétria para corte tanto quanto tinha vontade de levar Miley.
- Demétria terá que contar o que aconteceu - disse Joseph -. De outra maneira será a palavra de Sebastian contra a minha.
- E isso significa que o desfecho dependerá de Demétria? - perguntou Liam, com uma expressão tão irada como a de Joseph.
- É obvio que não - respondeu Joseph -. Mas ela sempre foi um peão em tudo isto. Tanto Sebastian como eu a usamos. Isso é algo difícil de eu reconhecer, Liam.
- Quando você levou Demétria com você, salvou-a dos abusos que Sebastian lhe infligia - assinalou Liam -. Miley me contou algumas coisas sobre o passado de Demétria.
Joseph assentiu. Estava farto de conflitos. Agora que tinha descoberto a imensa alegria de amar Demétria, queria passar cada minuto com ela. Sorriu ao perceber que estava seguindo o exemplo do Ulisses, o herói imaginário de Demétria. Sua esposa tinha contado tantas histórias do guerreiro que se viu obrigado a suportar um desafio atrás de outro, durante longos dez anos, antes de que pudesse voltar para casa para estar com sua amada.
Ainda teriam que esperar duas semanas a mais, até que Joseph pudesse voltar a ter Demétria em seus braços. Voltou a suspirar, pensando que estava começando a se comportar de maneira realmente patética.
- Bem, pelo menos antes de chegarmos a Londres haverá tempo de…
- Tempo de quê? - perguntou Liam.
Joseph não percebeu que havia expressado aquele pensamento em voz alta até que Liam o interrogou a respeito.
- De casar com Demétria.
Liam arregalou os olhos. Joseph deu meia volta e se afastou para o bosque, deixando Liam sozinho para se perguntar sobre o que, em nome de Deus, ele estava falando.
O lar de Joseph sofreu algumas mudanças sutis, enquanto ele estava fora. Eram precauções necessárias, e cada uma delas tinha sua razão de ser por causa da baronesa.
Agora o pátio sempre ficava deserto a primeira hora da manhã. Embora o intenso calor acentuasse um maior número de criados para fazer seus trabalhos cotidianos de lavar os lençóis e trançar juncos frescos ao ar livre, todo mundo preferia trabalhar lá dentro. Eles esperaram até o final da tarde para ir lá fora e ganhar alguns minutos de ar fresco.
Mais especificamente, esperavam a que Demétria tivesse terminado de praticar seu tiro ao alvo.
Demétria estava decidida a saber manusear com a devida precisão seu novo arco e suas flechas, e para alcançar seu objetivo, ameaçou fazer Anthony perder o juízo. Ele ensinava a disparar, mas mesmo assim não conseguia entender por que sua senhora era absolutamente incapaz de melhorar. Sua determinação era admirável. Sua pontaria, entretanto, já era outra história. Demétria sempre lançava a flecha a, no mínimo, um metro acima do alvo. Anthony não parava de comentar aquele fato, mas mesmo assim Demétria parecia incapaz de melhorar sua pontaria.
Ned a provia de novas flechas. Demétria tinha gasto mais de cinquenta antes de poder corrigir sua pontaria o suficiente para as manter as setas abaixo do topo do muro.
A partir desse momento pôde recuperar suas flechas e voltar a utilizá-las, flechas que tinham atravessado as árvores, as cabanas e os lençóis pendurados para secar.
Anthony era paciente com sua senhora. Entendia qual era a meta que ela pretendia alcançar. Demétria queria aprender a se proteger por si mesma, certo, mas também queria fazer com que seu marido se sentisse orgulhoso dela. O vassalo não estava fazendo conjecturas a respeito do segundo motivo de Demétria, já que ela mesma dizia isso várias vezes ao dia.
Anthony compreendia a perseverança de sua senhora. Sua baronesa se preocupava que ele acabasse se aborrecendo com seu péssimo desempenho e deixasse de ensiná-la. O vassalo não seria capaz de negar nada a Demétria, era certo.
Um mensageiro do rei da Inglaterra chegou à fortaleza de Wexton na última hora da tarde. Anthony o recebeu no salão, pois esperava que ele transmitisse uma mensagem verbal. O mensageiro do rei entregou a Anthony um cilindro de pergaminho. O vassalo chamou Maude e pediu para ela dar comida e algo de beber ao soldado.
Demétria entrou no salão no mesmo instante em que o soldado seguia Maude para a cozinha, e em seguida se fixou no pergaminho.
- Quais são as notícias, Anthony? Joseph enviou alguma mensagem? - perguntou.
- A mensagem vem do rei - disse Anthony, e foi para a pequena arca que havia junto à parede de em frente da despensa. Em cima do arca havia uma caixa de madeira esculpida. Demétria sempre imaginou que era apenas uma pequena obra de artesanato decorativo, até que viu como Anthony levantava a tampa e guardava o cilindro da mensagem dentro da caixinha.
Estava bastante perto para poder ver que ali dentro haviam outros pergaminhos pergaminho. A caixinha obviamente era o lugar em que Joseph guardava seus papéis mais importantes.
- Não vai ler agora? - perguntou a Anthony quando ele se virou novamente para ela.
- Terá que esperar até que o barão de Wexton retorne - anunciou Anthony.
A expressão que havia no rosto de Anthony indicou a Demétria que não gostava nada da ideia de ter que esperar.
- Eu poderia enviar para um dos monges de… - começou a dizer Anthony.
- Eu vou ler isso - interrompeu-o Demétria.
Sua observação pareceu deixar Anthony perplexo. Demétria sentiu um súbito calor nas bochechas, e soube que estava ruborizando.
- É verdade. Posso ler, Anthony, embora agradeceria se não dissesse a ninguém. Não gostaria de ser objeto de escárnio - acrescentou.
Anthony assentiu.
- Joseph já está há três semanas longe daqui - lembrou Demétria -. E você me disse que ele poderia passar outro mês fora. Vai se atrever a esperar tanto tempo para trazer para um sacerdote para ler esta mensagem?
- Não, claro que não - replicou Anthony. Abriu a caixinha e entregou o manuscrito a Demétria. Ela se apoiou no canto da mesa, cruzou os braços diante dele e leu a mensagem de seu monarca.
A carta estava escrita em latim, a língua preferida para as comunicações oficiais.
Demétria não demorou nada para traduzir a mensagem. Sua voz não vacilou nem em um só momento, mas quando terminou de ler a carta, suas mãos tremiam.
O rei não mandava saudação alguma ao barão de Wexton, e Demétria pensou que sua raiva era tão evidente como sua falta de modos. William exigia, desde a primeira até a última palavra da carta, que Demétria comparecesse diante ele.
Aquela ordem não a preocupou tanto como o anúncio de que o rei enviava sua própria tropa para que a levassem a sua presença.
- Assim, nosso rei vai enviar soldados para levá-la - disse Anthony quando ela terminou de ler, e sua voz tremeu um pouco ao falar.
Demétria acreditou que Anthony estivesse preso entre dois dilemas. Sua lealdade pertencia a Joseph. Sim, tinha-lhe jurado fidelidade. Mas mesmo assim tanto Anthony como Joseph eram vassalos do rei da Inglaterra. A ordem de William deveria ter preferência sobre todas as demais.
- Havia alguma coisa mais, Demétria? - perguntou Anthony.
Ela assentiu lentamente e logo, armando-se de coragem, conseguiu sorrir.
- Eu esperava que você não me perguntasse isso - sussurrou -. Parece, Anthony, que para o nosso rei há duas irmãs e dois barões. William quer que a inimizade termine de uma vez, e sugere que possivelmente… Sim, o rei utiliza precisamente essa palavra, ele sugere que possivelmente cada irmã deva ser devolvida a seu legítimo irmão.
Os olhos de Demétria se encheram de lágrimas.
- A outra alternativa é que Joseph se case comigo - murmurou.
- O rei obviamente não sabe que já estão casados - interveio Anthony. Sua expressão de desgosto se acentuou, pois sabia que Demétria não tinha ciência do fato de que, na verdade, ainda não estava casada com Joseph.
- E se Joseph se casar comigo, então Miley deverá ser a noiva de Sebastian.
- Que Deus nos ajude - murmurou Anthony com desgosto.
- Miley não deve chegar a saber disso - apressou-se a dizer Demétria -. Vou me limitar a dizer que o rei requer minha presença.
Anthony assentiu.
- Pode escrever além de saber ler, Demétria? - perguntou de repente.
Quando Demétria assentiu, o vassalo disse:
- Então, possivelmente, se o rei ainda não enviou suas tropas, poderíamos ganhar um pouco de tempo.
- Tempo para quê? - perguntou Demétria.
- Tempo para que seu marido volte para você - disse Anthony.
O vassalo se apressou em ir à arca, agarrou a caixa retangular de madeira e a levou para Demétria.
- Aqui dentro há pergaminho e tinta - disse.
Demétria se sentou e se preparou rapidamente para o trabalho que a aguardava. Anthony deu-lhe as costas e começou a andar enquanto ela decidia o que diria ao seu rei.
Então Demétria reparou em uma carta enrolada que estava em cima da mesa, junto à jarra cheia de flores. O selo rasgado pertencia ao monastério de Roanne. Movida pela curiosidade, dedicou um instante para ler a carta enviada pelos superiores do padre Lawrence.
Anthony se virou para Demétria no exato instante em que ela terminava de ler a carta. Reconheceu o selo, e então soube que o fingimento tinha terminado.
- Joseph não queria que se preocupasse com isso - disse a Demétria, e colocou a mão em seu ombro para oferecer um pouco de consolo.
Demétria não fez nenhum comentário. Jogou a cabeça para trás para olhá-lo, e Anthony ficou atônito ante a súbita mudança que ocorreu em sua senhora. A via muito serena, e então percebeu quão aterrorizada ela realmente estava. Sim, aquela era a mesma expressão que havia em seu rosto durante as primeiras semanas, em que esteve cativa de Joseph.
Anthony não sabia de que maneira poderia ajudá-la. Se ele tentasse explicar que Joseph tinha a intenção de casar-se com ela assim que voltasse, havia a possibilidade de piorar ainda mais a situação. Ambos sabiam que o barão tinha mentido para Demétria.
- Demétria, seu marido ama você - disse Anthony, lamentando não ser capaz de evitar que sua voz soasse um pouco áspera quando falou.
- Ele não é meu marido, é, Anthony?
Anthony admitiu a derrota. Decidiu que deveria deixar para Joseph a explicação apropriada, e voltou a concentrar sua atenção no ditado.
Finalmente, tudo se reduziu a uma mensagem singela, que apenas informava que o barão de Wexton ainda não havia retornado a sua fortaleza, e portanto não sabia nada a respeito da ordem do rei.
Anthony fez com que Demétria lesse a mensagem duas vezes. Quando ficou satisfeito, Demétria abanou o pergaminho para secar e lubrificou o dorso para que ele ficasse flexível o suficiente para que ser enrolado.
Anthony entregou a mensagem ao soldado do rei e ordenou que ele se apressasse a retornar ao seu monarca.
Demétria foi para o seu quarto para recolher seus vestidos. Era uma precaução necessária, porque sabia que os soldados do rei podiam chegar em qualquer momento.
Ela foi e explicou a Miley o que tinha acontecido, ficando a maior parte da tarde naquela visita a sua amiga. Não contou a Miley o que dizia exatamente a mensagem do rei, e se calou deliberadamente a qualquer possível menção de que Miley deveria ir com Sebastian.
Demétria nunca permitiria que isso acontecesse. Também não colocaria Joseph em posição de ter que escolher.
Em vez de jantar, naquela noite ela subiu aos aposentos da torre. Passou mais de uma hora imóvel diante da janela, deixando que as emoções que estava sentindo tomassem conta de sua mente.
Lawrence realmente deveria ter sido descoberto mais cedo. Demétria amaldiçoou a si mesma por ter estado tão ocupada que não pudesse perceber aquelas pequenas esquisitices. Ela culpou Joseph. Se ele não a tivesse amedrontado tanto durante aquela cerimônia de casamento, Demétria teria percebido o erro de Lawrence.
Ela nunca considerou a possibilidade de Joseph saber disso durante todo o tempo. Não, Demétria estava certa de que ele acreditava que Lawrence realmente os havia casado. Ela ainda estava furiosa. Joseph tinha mentido descaradamente sobre o conteúdo da carta do monastério de Roanne. Joseph sabia o quanto Demétria valorizava a verdade. Ela nunca mentiu para ele.
- Espere só até eu colocar minhas mãos em você - murmurou -. Miley não é a única que sabe gritar.
Aquele súbito ataque de ira não ajudou muito a melhorar seu estado de ânimo. Pouco depois ela estava chorando de novo.
À meia-noite tinha conseguido ficar esgotada. Apoiou-se na janela. A lua iluminava tudo. Demétria se perguntou se seu brilho estaria derramado agora sobre Joseph. Como ele dormiria aquela noite, ao relento ou em um dos aposentos do rei?
Demétria dirigiu sua atenção para o topo da colina que se elevava fora do muro. Um movimento tinha atraído seu olhar, olhou naquela direção bem a tempo de ver como seu lobo subia pela ladeira.
Era um lobo de verdade, não? Talvez fosse o mesmo que ela tinha visto meses atrás. O animal parecia bem grande.
Desejou que Joseph estivesse ali, de pé perto dela, para que assim pudesse lhe mostrar que seu lobo realmente existia. Ela viu o animal levantar o osso com carne que ela havia deixado lá para ele, virou-se, e desapareceu para baixo do outro lado da colina.
Demétria estava tão exausta, que ela decidiu estar fantasiando outra vez. Provavelmente fosse apenas um cão selvagem, e nem mesmo o que ela havia visto antes.
Joseph era seu lobo. Ele a amava. Demétria nunca tinha duvidado dele em relação a esta questão. Sim, Joseph havia mentido a respeito da carta, mas mesmo assim Demétria sabia de uma maneira instintiva que ele nunca mentiria sobre o amor que sentia por ela.
Aquela verdade a reconfortava. Joseph tinha muito sentido de honra para enganá-la em semelhante maneira.
Tentou dormir, mas o medo tornou impossível conciliar o sonho. Como ela havia ficado feliz ao permitir que Joseph tomasse conta do futuro, e tinha se sentido segura porque levava seu sobrenome. Sim, estava unida a ele.
Até o dia de hoje.
Agora voltava a ficar aterrorizada. O rei exigia sua presença na corte. Demétria ia voltar com Sebastian.
Começou a rezar. Suplicou a Deus que cuidasse de Joseph para que não lhe acontecesse nada de mau. Pediu a Deus que velasse pelo futuro de Miley, e também pelo de Liam, e inclusive rezou por Kevin e Nicholas.
E logo murmurou uma oração para si mesma. Pediu a Deus que lhe desse coragem.
Coragem para enfrentar o diabo.




falta pouco pra acabar aeeee

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