Porque
ali onde esteja seu tesouro, ali também estará seu coração.
Lucas,
12, 34.
Joseph
sempre se considerou um homem prático. Ele sabia que era obstinado, e que
também custava muito a se adaptar às mudanças, mas não considerava que nenhuma
dessas duas peculiaridades representasse um defeito em seu caráter. Gostava que
seus dias sempre seguissem a mesma rígida rotina, acreditando que havia
segurança e consolo no era previsível. Como líder de um número de homens tão
vasto, era absolutamente necessário manter a ordem e a disciplina. Sem um plano
estruturado para cada dia, reinaria o caos.
Caos!
Aquela palavra fez com que Joseph se lembrasse de sua doce e delicada
mulherzinha. Embora não chegasse a expressar sua opinião em voz alta na frente
dela, Joseph pensava que Demétria dava um novo significado à palavra
“confusão”. Só Deus sabia quão caótica e imprevisível a vida de Joseph tinha se
transformado desde que tomou a decisão de se casar com aquela mulher. Admitia,
mas é obvio que sempre para si mesmo, que seu casamento era a primeira coisa
pouco prática que havia feito.
Joseph
realmente acreditava que poderia prosseguir com sua rotina sem que houvesse
interrupções. Também pensou que seria capaz de ignorar Demétria tão certo como
tinha feito antes de trocarem seus votos, que agora unia ambos. E estava
completamente equivocado em ambas as crenças.
Demétria
era muito mais teimosa do que ele imaginava. Essa era a única desculpa que
Joseph podia encontrar para explicar o descaramento com que passava por cima
todas as posições.
Joseph
odiava mudanças, e uma parte de sua mente estava totalmente convencida de que
Demétria sabia disso. Sua esposa lançava olhares cheios de inocência quando ele
pedia que cessasse com suas constantes interferências, e depois alegremente
seguiu seu caminho para mudar algo mais.
Oh,
sua bela esposa continuava se mostrando muito tímida quando ele estava por
perto. Ao menos dava a aparência de ser assim. Ruborizava-se com enorme
facilidade. Joseph só tinha que dar uma boa olhada por algum tempo para obter
sua reação imediata. Joseph ficava intrigado com isso, a pesar de não
questioná-la sobre seu óbvio desconforto. Mas quando ele não prestava atenção,
Demétria fazia o que lhe desse vontade.
As
mudanças que foram instituídas por Demétria nem sequer eram sutis. A mais
impressionante de todas, e também a menos suscetível de provocar reclamação,
tinha sido a mudança radical no salão. Sem pedir permissão a Joseph, Demétria
tinha ordenado tirar a precária plataforma. A velha mesa cheia arranhões tinha
sido levada para baixo e mantida no lugar para os soldados, e uma nova mesa,
menor e sem defeitos, foi construída por um carpinteiro que Demétria
recomendou, uma vez mais sem pedir permissão a Joseph.
Demétria
deixava os criados loucos com o que eles chamavam de seus ataques de limpeza.
Os criados pensavam que Demétria provavelmente estivesse insana, embora ninguém
declarasse abertamente tal coisa ante seu senhor. Mesmo assim, Joseph também
percebia que todos corriam para obedecer as ordens de Demétria, como se agradar
sua senhora fosse o objetivo mais valioso em suas vidas.
O
chão tinha sido esfregado, as paredes pintadas e adornadas. Novos juncos,
cheirando supostamente a rosas, recobriam o chão. Um gigantesco estandarte, com
o azul real como cor primária e o impressionante brasão de Joseph bordado em
pontos brancos, pendurava agora em cima da lareira, e Demétria tinha colocado
duas cadeiras de respaldo reto bem na frente do calor por ela emanado. Em
certos aspectos, agora aquele recinto imitava o quarto da torre. Demétria tinha
reduzido as dimensões do salão, criando várias pequenas áreas para se sentar. O
porquê de alguém querer sentar no salão era algo que estava totalmente além da
compreensão de Joseph. Embora tivesse um aspecto convidativo, o salão só era um
lugar para se comer e, possivelmente, permanecer de pé durante uns minutos
diante do fogo da lareira para encontrar um pouco de calor. Não imaginava que
ninguém pudesse passar muito tempo ali. Entretanto sua esposa parecia
totalmente incapaz de compreender aquele fato tão simples, e tinha transformado
o salão do castelo de Joseph em uma sala que convidava à preguiça.
Joseph
também tinha reparado em que agora os soldados sempre se certificavam que suas
botas estivessem limpas antes de entrar no salão. Não sabia se isso lhe
agradava ou não. Ora, até mesmo seus homens estavam se inclinando diante das
silenciosas ordens de Demétria!
Os
cães provaram ser o maior desafio que Demétria teve que enfrentar. Ela
continuava arrastando-os para baixo, e os cães sempre estavam retornando ao
salão. Mas Demétria também tinha conseguido resolver aquele problema. Assim que
ficou claro qual era o animal que mandava na matilha, Demétria o convenceu a
descer pela escada balançando um pedaço de carne de carneiro na frente de seu
focinho para ganhar seu respeito. Então, ela proibiu o acesso à escada até que
o padrão de alimentação no térreo foi firmemente estabelecido.
Ninguém
mais lançava os ossos por cima do ombro depois de ter comido. Nicholas explicou
a Joseph como Demétria ficou na cabeceira da mesa e explicou, com muita
suavidade, que a partir daquele momento todos comeriam como homens civilizados
ou do contrário não comeriam de forma alguma. Os homens não se queixaram. Todos
pareciam estar satisfeitos em agradar Demétria, assim como estavam os criados.
Sim,
agora Demétria tinha muito mais de tigresa que de gatinha. Se ela imaginou que
qualquer um dos criados estivesse mostrando a menor falta de respeito a
qualquer um dos Wexton, ela os ensinava com humildade.
Pensar
nisso fez que Joseph percebesse que ele também tinha sido ensinado. Sua esposa
se mostrava um pouco mais dócil e calada diante ele, mas eram muitas as
ocasiões em que deixava claro sua opinião a respeito de algo.
Demétria
constantemente desafiava as opiniões de seu marido. Joseph se lembrou de um
incidente no dia anterior, quando Demétria estava escutando uma conversa que
Joseph mantinha com Nicholas sobre o rei William e seus dois irmãos, Robert e
Henry.
Assim
que Nicholas saiu do salão, Demétria disse a Joseph que se sentia bastante
preocupada com os irmãos do rei. Ela disse em um tom de que emanava autoridade,
que nenhum dos dois irmãos chegou a ter suficiente responsabilidade. Em sua
opinião, e desde que os dois homens eram pouco apreciados, não havia dúvida de
que ambos ficariam descontentes e acabariam trazendo sérios problemas ao rei.
Demétria
não sabia do que estava falando, naturalmente. Como uma mulher poderia entender
de política? Joseph pacientemente teve tempo para explicar-lhe que ao irmão
mais velho, Robert, tinha sido dado a Normandia, que pelo amor de Deus, era um
tesouro muito maior que a Inglaterra, e já havia demonstrado sua falta de
responsabilidade penhorando a terra ao seu irmão por moedas suficientes para ir
cruzada.
Demétria
ignorou aquele argumento lógico que acabava de ser apresentado por Joseph,
insistindo que ele mesmo agia como o rei William, porque mantinha seus próprios
irmãos sob sua asa e não permitia que nenhum deles pudesse tomar suas próprias
decisões. Então, ela estava ensinando, explicando sua preocupação porque tanto
Kevin como Nicholas em breve iriam se sentir tão inquieto como o dois irmãos do
rei.
Joseph
finalmente a tomou em seus braços e a beijou. Foi a única maneira que ele
pensou em afastar os pensamentos de Demétria daquele assunto. Também era um
método muito satisfatório.
Joseph
repetia si mesmo, pelo menos dez vezes ao dia, que não poderia perder o tempo
com os problemas cotidianos de sua casa. Tinha um trabalho muito mais
importante a realizar. Sim porque seu dever era converter seus homens comuns em
temíveis guerreiros.
Por
essa razão, tentava manter uma certa distância de seus irmãos, sua irmã e,
muito especialmente, de sua teimosa e indisciplinada esposa.
Mas
embora pudesse se manter suficientemente distante do funcionamento de sua casa,
Joseph parecia incapaz de se separar do problema que representava Demétria.
Estava muito ocupado em protegê-la. Para falar a verdade, todos os homens de
Joseph se alternavam para salvar a vida de Demétria. Ela nunca disse uma única
palavra de agradecimento a nenhum deles, mas Joseph sabia que isso não era pelo
fato de sua esposa ser indelicada. Não, a verdade era muito pior: Demétria
simplesmente não percebia até que ponto o fato de ser tão impulsiva a deixava
exposta a um perigo atrás de outro.
Uma
tarde, Demétria tinha tanta pressa em chegar aos estábulos, que passou correndo
na frente de uma fileira de soldados, quando eles treinavam com seus arcos e
flechas. Uma flecha passou roçando sua nuca. O pobre soldado que tinha
disparado a flecha caiu de joelhos imediatamente. Graças a seu breve encontro
com a esposa de Joseph, ele foi incapaz de acertar em seu alvo com as flechas
pelo resto do dia. Demétria nem sequer se deu conta do perigo que corria.
Apressou-se a seguir em seu caminho, sem saber do caos que tinha criado.
Os
incidentes que estiveram a ponto de terminar em tragédia eram muitos para que
Joseph pudesse contá-los. Estava começando a temer o relatório que Anthony lhe
apresentava a cada noite. Seu fiel vassalo parecia se sentir cada vez mais
arrasado por seu dever. Embora Anthony nunca se queixasse, Joseph tinha certeza
de que teria preferido uma boa batalha de vida ou norte, em vez de ter que ir
sempre atrás da esposa de seu lord.
Tinha
demorado um pouco de tempo, mas Joseph por fim entendia qual a razão de
Demétria voltar a se sentir tão livre e desinibida. A razão também era muito
simples. E o agradava imensamente. Demétria se sentia segura. Quando a febre
fervia em sua cabeça, Joseph conheceu um pouco de sua infância. Ela tinha sido
uma criança tranquila e calada que sempre tratava de passar o mais invisível
possível. A mãe de Demétria a manteve prudentemente afastada de seu pai e seu
irmão, mas os dois anos que Demétria passou vivendo sozinha com o Sebastian,
depois da morte de sua mãe, foram anos realmente muito cruéis e cheios de dor
para ela. Demétria tinha aprendido rapidamente a não rir ou chorar, ou mostrar
raiva ou humor, porque fazer tais coisas teria atraído a atenção para ela.
Embora
os anos que passou com seu tio Berton fossem um autêntico presente do céu,
Joseph duvidava que Demétria se comportasse como uma garota normal, inclusive
naquela época. Viver com um sacerdote lhe ensinou a ser ainda mais comedida e
dona de si mesma. Joseph não acreditava que Demétria tivesse feito muitas
travessuras quando tinha que responder a um frágil ancião, que provavelmente
dependesse dela, muito mais do que Demétria dependia dele.
Demétria
tinha aprendido com seu tio e arte de controlar a si mesmo. Joseph sabia que o
sacerdote só estava tentado ajudá-la a sobreviver. O tio Berton lhe ensinou
como esconder suas emoções de seu irmão, dando por certo que Demétria não
demoraria a voltar para ele. Nem Demétria nem seu tio esperavam que a visita
fosse se prolongar por anos. Por essa razão, Demétria tinha vivido mergulhada
em um constante temor de que Sebastian fosse aparecer a qualquer momento na
porta de seu tio para levá-la de volta à casa.
Com
o medo veio a cautela. Agora que Demétria se sentia a salvo, tudo parecia ser
permitido.
Joseph
compreendia Demétria melhor do que ela compreendia a si mesma. Sua esposa
parecia tola, mas a pura e simples verdade era que tinha tanta pressa em
alcançar essa vida que tinha deixado para atrás, por saborear cada experiência,
que não tinha tempo para a cautela. Esse dever recaía sobre seu marido.
Demétria era como um jovem potro que está começando a testar suas pernas.
Ela
era uma alegria de se ver, e um pesadelo para proteger.
O
que Joseph não entendia eram seus próprios sentimentos em relação a sua esposa.
Ele tinha ido à fortaleza de Sebastian para fazer Demétria sua prisioneira. Seu
plano se limitava à vingança, ao olho por olho. E essa era razão suficiente.
Até
que ela aqueceu seus pés.
Nesse
momento tudo tinha mudado. Então Joseph teve ciência, com uma certeza que não
podia negar, que dali em diante ambos estariam unidos. Ele nunca poderia
deixá-la partir.
E
então ele se casou com ela.
Na
manhã seguinte, o exército de Sebastian saiu das terras de Wexton.
A
cada dia Joseph encontrava uma nova razão para ter tomado sua decisão nada
prática de se casar com Demétria. Sim, ele queria usar a parte mais lógica de
sua mente para dar razão aos sentimentos que havia dentro de seu coração.
Na
segunda-feira, ele disse a si mesmo que se casou com Demétria porque queria que
ela encontrasse um refúgio onde pudesse estar a salvo, um lugar em que pudesse
viver sem ter medo de nada. Aquele ato desprovido de bondade na tentativa de
resgatá-lo mereceu tal recompensa.
Na
terça-feira, dizia a si mesmo que se casou com o Demétria porque queria
deitar-se com ela. Sim, o desejo era uma razão suficientemente boa.
Na
quarta-feira, mudava de ideia, decidindo que tinha unido sua vida a de Demétria
porque ela era frágil e ele era forte. Todo o treinamento recebido por Joseph o
condicionava a semelhante reposta. Demétria era como um vassalo, e embora não
se ajoelhasse ao chão para lhe jurar lealdade, Joseph continuava tendo o dever
de protegê-la. E dessa maneira, a compaixão era uma autêntica razão a pesar de
tudo.
Quinta-feira
chegou e com ela vinha outra súbita revelação. Joseph tinha se casado com
Demétria não só para protegê-la, mas também para demonstrar quão valiosa ela
era. Os primeiros anos passados junto a Sebastian tinham sido anos verdadeiramente
muito cruéis. Sua doce e delicada esposa tinha lhe ensinado que não era
merecedora de nada. Demétria não acreditava que tivesse valor algum. Sebastian
abusou dela intensamente durante dois anos, e depois a enviou para seu tio
Berton para uma visita. Era óbvio, inclusive para Joseph, que Sebastian havia
esquecido da existência de Demétria. Era a única razão que ele podia encontrar
para explicar o fato de Demétria viver durante quase dez anos com o velho
sacerdote.
Quando
deu seu sobrenome a Demétria, na realidade Joseph demonstrava quão valiosa ela
era.
Infelizmente,
aquela razão não conseguia se manter de pé até o final do dia.
Joseph
teimosamente ignorava a verdade. Estava realmente convencido de que seria capaz
de fazer amor, apaixonadamente, com Demétria a cada noite, para depois ignorar
sua presença durante o dia. Aquilo soava perfeitamente razoável para ele.
Afinal de contas, ele tinha conseguido se afastar de sua família. Era o senhor
daquelas terras e era irmão deles. Nenhum desses dois deveres entrava em
conflito com o outro. Sim, não parecia muito difícil. Demétria tinha conseguido
ganhar seu coração, mas isso não significava que ela iria afetar sua maneira de
viver.
A
verdade o perseguiu durante toda a semana, tão irritante como os primeiros
murmúrios do trovão. Na tarde da sexta-feira, só duas semanas depois de Joseph
se casar com Demétria, a tormenta eclodiu. Violentamente.
Joseph
acabava de retornar ao torreão da fortaleza quando o grito de Kevin atraiu sua
atenção. Virou-se bem a tempo de ver Demétria indo para os estábulos. As portas
da cavalariça estavam totalmente abertas. Silenus tinha se soltado. O animal
galopava para Demétria, com a cabeça baixa e os cascos retumbando sobre o chão.
O enorme cavalo estava preste a empurrá-la para a morte.
O
encarregado dos estábulos corria atrás do cavalo, segurando os arreios em suas
mãos. Anthony ia bem atrás dele. Ambos estavam gritando alertas a Demétria, mas
Joseph percebeu que o estrépito galopar do cavalo tinha abafado o som, já que
sua esposa nem sequer olhou em volta dela.
Tinha
certeza de que Demétria ia morrer.
-
Não!
O
grito veio das profundidades da alma de Joseph, e ele sentiu como se estivessem
arrancando o coração de seu peito. Só podia pensar em chegar até Demétria e
protegê-la.
Todo
mundo corria para Demétria, tentando salvá-la.
E
nem sequer havia necessidade disso.
Demétria
não percebia o caos que a rodeava. Ela mantinha sua atenção concentrada em
Silenus. Trazia sua guloseima na mão, e pretendia ir visitá-lo, quando o cavalo
saiu dos estábulos e foi em sua direção. Demétria acreditou que o animal
estivesse impaciente para encontrá-la no meio do caminho.
Silenus
esteve a ponto de matá-la. A poeira voou ao redor do rosto de Demétria, quando
o cavalo se deteve bruscamente a poucos centímetros dela. Demétria agitou a mão
diante do rosto para dissipar a poeira, e Silenus imediatamente cutucou a mão
dela. Demétria supôs que o animal estivesse procurando seu torrão de açúcar.
Todos
ficaram muito atônitos para se mexerem. Contemplaram como o enorme cavalo
arranhava o chão com os cascos e voltava a cutucar Demétria. Ela riu, encantada
com aquela demonstração de afeto, e finalmente estendeu a mão para frente,
assim Silenus poderia lamber o açúcar na palma de sua mão.
Quando
o cavalo terminou sua guloseima, Demétria deu-lhe uns tapinhas. Ela notou James
e Anthony imóveis a uma pequena distância atrás do animal. Anthony estava
apoiado em James para não cair ao chão.
Demétria
sorriu para eles.
-
Sua ferida está lhe incomodando, Anthony? Vejo que você está um pouquinho
pálido - disse.
Anthony
sacudiu sua cabeça vigorosamente. Demétria se virou para James, e então reparou
seu olhar vidrado.
-
Será que meu cordeiro finalmente conseguiu colocar a porta abaixo? - perguntou
-. Ele tem tentado por tanto tempo.
Quando
viu que James não respondia, Demétria concluiu que Silenus tinha lhe dado um
bom susto.
-
Venha, Silenus, acredito que você tenha deixado James um pouco nervoso - disse.
Ela calmamente andou ao redor do animal e guiou-o para os estábulos. Silenus se
virou, agora extremamente dócil, enquanto caminhava de volta ao seu lar. A voz
de Demétria, cantarolando uma suave melodia, manteve a besta andando mansamente
atrás dela.
Joseph
queria ir atrás de Demétria, ele ia matá-la por tentar assustá-lo até a morte.
Mas sabia que para isso teria que esperar um momento, ao menos até que suas
pernas lhe permitissem voltar a caminhar.
Teve
que apoiar-se no muro. Suas forças o abandonaram. Joseph se sentia como um
ancião que tem o coração debilitado, e então reparou que Kevin parecia estar em
estado muito parecido com o dele. Seu irmão estava ajoelhado no chão. Joseph
sabia que não estava assim por escolha própria.
Anthony
parecia ser o único que conservava o domínio de si mesmo. Foi até Joseph,
assobiando suavemente. Joseph teve vontade de matá-lo.
O
vassalo colocou a mão sobre o ombro de Joseph, o que provavelmente seria um gesto
de simpatia. Joseph não tinha certeza se Anthony estava lhe oferecendo suas
condolências pelo fato de estar casado com Demétria, ou se o vassalo se
limitava a expressar sua compreensão, diante a cena que acabavam de presenciar.
Fosse qual fosse o motivo, Joseph não apreciou muito a ação.
-
Há uma coisa que eu tinha a intenção de lhe dizer, Joseph.
Anthony
falava em voz baixa, mas suas palavras ganharam a atenção de Joseph. Ele se
virou com uma carranca para seu primeiro na linha de comando.
-
Do que se trata? - quis saber.
-
Sua esposa está decidida a montar em Silenus - Anthony disse.
-
Quando eu estiver morto e for incapaz de testemunhar isso! - rugiu Joseph.
Anthony
teve o descaramento de sorrir. Ele se virou, em uma flagrante tentativa de
proteger seu rosto de Joseph.
-
Proteger a seu esposa é um autêntico desafio. Quando ela coloca na cabeça algum
plano de ação, não há como detê-la.
-
Ela estragou a meu fiel cavalo! - exclamou Joseph.
-
Com certeza - respondeu Anthony, sem poder evitar que a diversão que aparecia
em sua voz -. Ela o estragou.
Joseph
sacudiu a cabeça.
-
Deus, eu pensei que a tivesse perdido... - Sua voz se converteu em um sussurro
enrouquecido. Quando baixou o olhar para suas mãos, viu que ainda estavam
tremendo e em seguida voltou a se enfurecer -. Vou matá-la. Você será
testemunha disso se assim o desejar.
Joseph
havia tornado a gritar. Anthony não se deixou intimidar por isso. O vassalo
apoiou as costas no muro.
-
Por quê? - perguntou, sem que em sua voz houvesse nada mais que curiosidade.
-
Isso melhoraria o dia - anunciou Joseph.
Então
Anthony começou a rir.
-
Não pretendia lhe perguntar por que iria querer que eu presenciasse a morte de
Demétria, barão. O que eu pretendia perguntar era por que você iria querer
matá-la.
A
risada do Anthony não soou bem a seu senhor.
-
Você gostaria do novo dever de se ocupar da água? - ameaçou-o -. Acharia
divertido ter que levar um balde atrás do outro até a cozinha? Seria este
trabalho um desafio para você, Anthony?
A
sugestão era realmente um insulto para alguém da categoria de Anthony, e Joseph
pensou que seu vassalo iria imediatamente se mostrar arrependido por sua falta
de respeito.
Anthony,
entretanto, não pareceu se sentir nada arrependido.
-
A missão que me encomendam é muito perigosa, barão - disse -. Basta perguntar a
Ansel quão perigoso é esse dever.
-
Pode-se saber sobre o que você está falando?
-
Seu escudeiro quase se afogou no outro dia. Tinha subido até o alto dos degraus
que leva ao depósito da água de chuva, quando de repente uma bola bateu em seus
ombros. Ansel perdeu o equilíbrio, é claro, e ...
Joseph
levantou a mão exigindo silêncio. Não queria ouvir uma única palavra sobre
aquela história. Fechou os olhos, rezando ao céu para que lhe desse paciência.
Embora não conhecesse toda a história, Joseph tinha a impressão de que sua
delicada esposinha estava por trás do infortúnio de Ansel. Ontem de tarde ele
também a viu, ensinando um novo jogo às crianças.
Kevin
se juntou a Joseph e Anthony.
-
O que parece ser tão divertido, Anthony? - perguntou o irmão de Joseph, quem
ainda estava muito atônito pelo encontro de Demétria com a morte achar alguma
coisa remotamente engraçada.
-
Nosso lord vai matar sua esposa - observou Anthony.
Kevin
se exasperou.
-
Pelo amor de Deus - murmurou -. Veja nosso líder agora. - Um sorriso foi
nascendo lentamente em seu rosto antes que ele acrescentasse -: Ora, Joseph não
poderia matar nem um cordeiro.
Demônios,
aquilo era humilhante! Kevin com certeza tinha ouvido como Demétria chamava o
cavalo de Joseph como “seu cordeirinho”. Provavelmente todos tinham ouvido, e
se não ouviram, certamente Kevin contaria.
-
Parece, Anthony, que nossa prisioneira se converteu em captora.
-
Não estou com humor para suas adivinhações, Kevin - murmurou Joseph.
-
Também não está com humor para admitir que ama Demétria. Dê uma olhada e seu
estado, irmão, e a verdade aparecerá diante de seus olhos.
Kevin
sacudiu a cabeça, deu meia volta e se afastou andando lentamente.
-
Demétria é uma mulher fácil de se amar, barão - comentou Anthony quando
voltaram a estar sós.
-
Fácil? Tanto como tragar uma maça.
Eles
era completamente inadequados um para o outro. Joseph era tão duro quanto o
tronco de uma velha árvore, enquanto Demétria era tão volúvel quanto o vento.
E
ele nunca teve uma chance... não desde o momento em que ela tocou em seus pés.
Agora Joseph sabia. Deus, ele a amava.
-
Não consentirei que o caos tome conta de minha vida – Joseph fez aquela
declaração como se fosse o mais fervoroso dos juramentos.
-
Possivelmente, com o tempo, tudo irá se acalmar...
-
Quando Demétria for velha demais para se levantar da cama - interrompeu-o
Joseph -. Então voltarei a ter paz.
-
A paz pode ser aborrecida - comentou Anthony com um sorriso -. Sua esposa deu
vida nova a seu lar, Joseph.
Anthony
pretendia apaziguá-lo com aquele argumento, mas a maneira com que Joseph
franzia o cenho, fez com que ele concluísse que seu plano não estava dando
nenhum resultado. Talvez seu lord tivesse apenas acabado de perceber o quanto
Demétria significava para ele. Se a situação fosse realmente essa, Anthony
concluiu que o barão não tinha recebido bem aquela revelação.
Ele
optou por deixar Joseph a sós, com seus próprios pensamentos, desculpou-se com
uma reverência e se foi.
Joseph
agradeceu a solidão. Ele continuava vendo em sua imaginação como seu cavalo
galopava na direção de sua delicada esposa, e sabia que enquanto vivesse jamais
esqueceria o horror que havia sentido naquele instante.
Demétria
tinha capturado seu cavalo da mesma maneira com que o havia capturado. Joseph
por fim encontrou seu primeiro sorriso quando percebeu o que a proeza de
Demétria tinha feito. Kevin tinha razão. Demétria tinha passado a ser captora,
porque agora era a dona de seu coração.
A
verdade trouxe consigo uma nova e surpreendente força, e de repente Joseph se
sentiu como se acabasse de terminar um jejum de quarenta dias. Já não teria que
continuar ignorando Demétria por mais tempo. Sim, agora podia ter um autêntico
banquete com ela.
Além
disso, admitiu, já era hora de tomar as rédeas da situação.
Resolveu
ir em busca de sua esposa, pensando que primeiro iria brigar um pouco com ela,
depois ele beijaria. Ainda estava zangado. A culpa era única e exclusivamente
dela, é obvio. Demétria fazia com que seu coração começasse a bater
desenfreadamente. Ela o deixou apavorado. Joseph não gostava daquela sensação.
Tampouco estava acostumado a amar. Precisaria de tempo para se habituar, depois
precisaria se adaptar-se.
Então
outro grito o deteve. Fergus, o soldado encarregado pela vigília do sul,
anunciou que um visitante estava aproximando da fortaleza. Pelas cores exibidas
no estandarte, balançando sob a brisa, o sentinela já sabia que o barão Liam e
seu séquito desejavam permissão para entrar na fortaleza.
Era
tudo o que Joseph precisava para que seu dia se tornasse completo e
absolutamente negro. Maldição, ele tinha enviado um mensageiro a Liam com a explicação
completa e detalhada do estado de Miley. Então, ele deu por certo que Liam
enviaria um mensageiro para avisar a Joseph que precisava anular o contrato.
Obviamente, e por Liam se incomodar em percorrer tal distância, ainda havia um
problema a resolver antes que o compromisso pudesse ser definitivamente
esquecido.
Demônios,
agora teria que ser diplomático! E Miley provavelmente recairia em sua loucura
quando soubesse que seu noivo tinha vindo visitá-los.
Joseph
percebeu que possivelmente estivesse pulando para as conclusões. Liam era um
velho amigo. Podia haver muitas razões para a visita do barão. Deus, Demétria
realmente o estava afetando mais do que ele imaginava. Agora inclusive ele
começava a adquirir seus defeitos.
Demétria
também tinha o dom de afetar sua concentração. Porque há apenas dois dias,
Joseph estava dando uma ordem muito importante a seus homens quando sua esposa
cruzou sua linha de visão. De repente, Joseph se pegou contemplando o delicado
rebolado do quadril de Demétria, enquanto ela passava, e se esqueceu por
completo da orem que estava dando.
Aquela
lembrança fez Joseph sorrir. Os soldados ficaram olhando para ele com
expectativa, e ali estava ele, sem ter nem a menor ideia do que ele estava
dizendo, e provavelmente parecendo bastante estúpido, até que Nicholas decidiu
intervir e voltou ao assunto que ele estava falando naquele momento.
Fergus
voltou a gritar para Joseph, interrompendo sua concentração. Joseph deu ordem
imediata para que deixassem o barão Liam entrar.
Demétria
estava saindo dos estábulos quando Joseph a interceptou. Sem lhe dar qualquer
tipo de saudação adequada, ele abruptamente despejou sua ordem.
-
Deixe Miley lá dentro, Demétria - disse-lhe -. Vá e diga que o barão Liam está
aqui. Ela lhe dará a boas vindas durante o jantar.
Demétria
arregalou os olhos ante as assombrosas novidades de Joseph.
-
Por que ele está aqui, Joseph? Você pediu que ele viesse?
-
Não pedi - respondeu Joseph, irritado ao ver que Demétria não recolhia
imediatamente suas saias e corria para atender seu pedido. Estava perto dela o
bastante para que pudesse beijá-la, e aquele súbito pensamento bastou para
consumi-lo por completo -. E agora faça o que eu disse, esposa.
-
Sempre faço o que você diz - respondeu Demétria com um sorriso, dando meia
volta e caminhando em direção ao castelo -. Que tenha um bom dia, Joseph -
acrescentou por cima do ombro.
Joseph
supôs que aquele era um comentário desrespeitoso, mas significativo para
lembrá-lo sua falta de boas maneiras. Ele disse a si mesmo que era uma lástima
não dispor de tempo sufocar sua insensatez.
-
Demétria.
Ela
parou assim que ele a chamou, mas não se virou até que Joseph lhe ordenou que o
fizesse.
-
Venha aqui.
Demétria
obedeceu, agora franzindo o cenho porque a voz de seu marido estava carregada
de ternura.
-
Sim, Joseph? - perguntou.
Joseph
pigarreou, franziu o cenho e disse:
-
Boa tarde.
Ele
não tinha a intenção de dizer aquilo, tinha? Joseph franziu ainda mais o cenho
quando Demétria sorriu. Então, Joseph a tomou subitamente em seus braços e a
beijou.
A
principio, Demétria ficou perplexa demais para poder responder. Joseph nunca a
tinha beijado durante o dia. Ora, ele sempre a ignorava! Entretanto, agora ele
não a ignorava. Não, porque a estava beijando com bastante vontade, e além de
fazê-lo em um lugar onde qualquer um que passasse por ali poderia vê-los.
O
beijo tampouco era delicado, mas sim apaixonadamente excitante. Então Joseph a
afastou justamente quando Demétria estava começando a se acostumar com aquela
nova experiência.
Ele
sorriu para ela.
-
Jamais volte a chamar meu cavalo de cordeiro. Você me entendeu?
Demétria
elevou o olhar para Joseph, parecendo confusa e enrubescida.
Antes
que ela pudesse formular uma resposta, Joseph se afastou dela. Demétria
recolheu suas saias e correu atrás dele. Ela agarrou a mão dele, detendo-o com
seu toque, e quando ele se virou para olhá-la, Demétria viu que ele ainda
estava sorrindo.
-
Você está doente, Joseph? - Demétria perguntou, com o medo reverberando em sua
voz.
-
Não.
-
E então por que você está sorrindo dessa maneira? - ela quis saber.
Joseph
sacudiu a cabeça.
-
Demétria, faça o favor de dizer a Miley que Liam acaba de chegar - disse.
-
O favor? - perguntou Demétria. Ela parecia ter ficado atônita -. Você me disse
para fazer o favor...
-
Demétria faça o que eu lhe ordenei - disse Joseph.
Ela
assentiu, mas não se moveu. Demétria se limitou a permanecer onde estava
enquanto via como Joseph se afastava dela. Sentia-se muito atordoada para
voltar a ir atrás dele. Joseph sempre tinha sido tão previsível, e agora ele
estava tentando mudar com ela. Demétria retorceu as mãos enquanto se preocupava
com isso. Se tivesse sido um dia quente de verão, ela teria acreditado que o
sol havia cozido os miolos de seu marido. Mas visto que era janeiro, e fazia
mais frio que no purgatório, Demétria não conseguiu encontrar nenhuma desculpa
aceitável para aquela súbita mudança na atitude de Joseph.
Precisava
de tempo para pensar. Demétria suspirou, tentou apagar de sua mente a insólita
conduta de seu marido e se apressou em ir procurar por Miley.
Tratar
de expulsar Joseph de seus pensamentos era algo mais fácil de dizer que de
fazer. De fato, seria menos difícil cruzar um leito de pregos, descalça.
Miley
ajudou Demétria a afastar seus pensamentos de seu marido. A irmã de Joseph
estava em seu quarto. Sentada à beira da cama, estava trançando o cabelo.
-
Temos companhia, Miley. - Demétria anunciou alegremente.
Miley
ficou muito contente de ver Demétria até saber quem era a companhia.
-
Não vou sair deste quarto até que ele vá embora! - gritou - Joseph me deu sua
palavra. Como pôde pedir a Liam que viesse?
Demétria
pôde ver quão assustada Miley estava. Suas mãos caíram em seu colo e seus
ombros se encurvaram.
-
Joseph não convidou Liam. Não fique nervosa, Miley. Sabe que seu irmão não iria
quebrar sua promessa. No seu coração você já sabe que eu estou dizendo a
verdade, não?
Miley
assentiu.
-
Se eu me comportar como fiz quando você chegou aqui, então Liam talvez se senta
tão enojado que partirá imediatamente.
-
Deixe de falar tolices - avisou Demétria, extinguindo a faísca de animação que
acendeu nos olhos de Miley -. Com isso só conseguirá que Liam pense que é digna
de pena. Ele poderia pensar que você não se recuperou de seu incidente -
Demétria disse -. Se você estiver mais o bonita que puder e saudá-lo com
respeito, bem, então acredito que Liam saberá que seu decisão está tomada e que
simplesmente não quer se casar com ele. Além disso, é Joseph quem deve
responder diante de Liam e não você, Miley.
-
Mas Demétria, não posso me apresentar diante de Liam, simplesmente não posso -
exclamou Miley -. Ele sabe o que aconteceu comigo. Morreria de vergonha.
-
Oh, pelo amor de Deus! - respondeu Demétria tentando parecer muito exasperada.
Em seu foro íntimo, consumia-se de pena por Miley -. Você não teve culpa do que
aconteceu, e Liam já sabe disso.
Miley
não pareceu sentir-se muito aliviada com o argumento de Demétria, por isso
decidiu mudar de assunto.
-
Diga-me o que você se lembra do barão Liam. Que aspecto ele tem?
-
Tem o cabelo preto e os olhos cor avelã, acredito - respondeu Miley, encolhendo
os ombros.
-
Então acha que ele poderia ser atraente? - perguntou Demétria.
-
Não sei.
-
É amável?
-
Os barões não são amáveis - replicou Miley.
-
Por que não? - perguntou Demétria, indo para ela e começando a trançar
novamente seus cabelos.
-
Eles não precisam ser gentis - respondeu Miley -. Que importa se ele é
agradável de olhar ou não, Demétria? - perguntou por sua vez, tentando virar-se
para olhar para sua amiga.
-
Fique quieta, ou do contrário a trança ficará torta - interveio Demétria -. Só
sentia curiosidade na aparência do barão, nada mais.
-
Não posso ir lá embaixo - disse Miley.
Começou
a chorar. Demétria não tinha muita certeza do que deveria fazer.
-
Você não tem que fazer nada que não queira fazer, Miley - disse-lhe finalmente
-. Porém, Joseph lhe deu sua palavra, mas me parece que o mínimo que você
poderia fazer, para mostrar sua gratidão, é ficar ao lado de seu irmão e tratar
Liam como hóspede de honra.
Demétria
teve que manter seu argumento por um tempo, mas finalmente ela conseguiu balançar
Miley.
-
Vai descer comigo? Vai ficar do meu lado? - perguntou Miley.
-
Claro que vou - prometeu Demétria -. Lembre-se, Miley, que juntas podemos
enfrentar qualquer desafio.
Miley
assentiu, e Demétria tratou de animá-la um pouco.
-
Receio que sua trança ficou pendurando sob sua orelha - disse -. Terá que
refazê-la e depois deverá trocar seu vestido. Eu devo ver como estão os
preparativos para o jantar e trocar minha roupa.
Demétria
deu um tapinha no ombro da irmã de Joseph, e então viu que sua mãos tremiam.
Ela sabia que era por Miley estar tão preocupada e pela nova provação que teria
que passar.
Ela
continuou sorrindo até que fechou a porta atrás dela, então ela deixou que sua
preocupação aparecesse. Demétria começou a rezar por acreditar que seria
necessário um milagre. Rezou pedindo coragem.
Se tiver bastante comentarios, postarei mais 1 nesse domingo, dia 31 de Março