domingo, 17 de fevereiro de 2019

Esplendor da Honra Capiitulo 11


O melhor sempre é aquele que treina na
mais severa das disciplinas.
Rei Arquídamo da Esparta
Demétria não queria que ninguém a surpreendesse chorando. Quando deixou Miley, realmente não tinha nenhum destino certo em mente. Apenas queria encontrar um lugar tranquilo onde colocar um pouco de ordem em suas emoções.
Sua primeira escolha foi a sala, mas quando se aproximava da entrada ouviu que Nicholas estava falando com alguém. Continuou andando, desceu o seguinte lance de degraus, agarrou sua capa de inverno do cabide que havia junto ao recinto dos soldados, e lutou com as pesadas portas até que conseguiu abri-las o suficiente para poder deslizar entre elas.
O ar estava bastante frio e poderia fazer um urso tremer. Demétria envolveu seus ombros com a capa e apertou o passo. A lua dava luz suficiente para que pudesse ver por onde ia e assim que rodeou a choça do açougueiro, apoiou-se no muro de pedra da fortaleza e começou a chorar como uma criança. Ela chorava alto, indisciplinada, e infeliz também, porque depois de ter feito tudo isso, continuava a se sentir tão mal quanto antes. Sua cabeça doía e suas bochechas ardiam, e estava consumida pelo soluço.
A raiva não ia embora.
Uma vez que Miley começou sua história, ela contou até a última consequência dela. Demétria não tinha mostrado nenhuma reação visível sobre aquele horror, mas sentia que seu coração estava a ponto de arrebentar de dor. Morcar! O bastardo era tão culpado do ocorrido como Sebastian, e no entanto, ninguém jamais chegaria a saber que ele tinha participado daquilo.
- O que você está fazendo aqui fora?
Demétria deixou escapar uma exclamação abafada. Joseph tinha-lhe dado um susto de morte, saindo de um nada para plantar-se junto dela.
Demétria tratou de dar-lhe as costas, mas Joseph não permitiu. Ele a pegou pelo queixo e a obrigou a levantar o olhar para ele.
Teria que estar cego para não perceber que ela estava chorando. Demétria pensou em dar uma breve desculpa, mas então começou a chorar outra vez assim que ele a tocou.
Joseph a puxou para seus braços, e parecia contente em mantê-la ali até que Demétria recuperasse o controle de si mesma. Era evidente que ele acabava de nadar no lago,
já que ele pingava da cabeça até a cintura. Demétria também não o ajudava em secar-se, porque chorava, ofegava e soluçava sobre o macio pelo que cobria o peito de Joseph.
- Você vai congelar até a morte, andando por aí meio nu - disse entre soluços -. E desta vez eu não vou esquentar seus pés.
Se Joseph lhe respondeu, ela não pôde ouvir. Seu rosto estava pressionado no ombro dele. Ela também acariciava seu peito. Joseph imaginou que Demétria nem sequer percebia o que estava fazendo, ou entendia o efeito que suas ações tinham sobre ele.
Demétria de repente tentou se afastar de Joseph. Sua cabeça se chocou com o queixo dele, murmurou uma desculpa, e depois cometeu o erro de levantar o olhar para ele. Sua boca estava realmente muito próxima. Demétria não podia deixar de olhar para ela, enquanto se lembrava com bastante clareza como tinha se sentido quando o beijou tão descaradamente aquela noite na tenda.
Queria voltar a beijá-lo.
Joseph teve que ter lido suas intenções, porque sua boca foi baixando lentamente para a boca de Demétria.
Ele só pretendia lhe dar um beijo suave e delicado. Sim, sua intenção era consolá-la, mas então os braços de Demétria deslizaram ao redor de seu pescoço e sua boca se abriu imediatamente para receber a dele. A língua de Joseph soube tirar vantagem daquele beijo e colou-se com a boca de Demétria.
Deus, ela era maravilhosa! Ela poderia fazê-lo arder em poucos minutos. E tampouco ia permitir que ele fosse suave e delicado. Os sons que ela fazia, no mais profundo de sua garganta, fizeram-no deixar de lado todo pensamento de consolá-la.
Joseph a sentiu estremecer junto dele, e só então se lembrou de onde eles estavam. Separou-se a contragosto de Demétria, tolamente esperando que houvesse um protesto por parte dela. Ele teria que beijá-la novamente, ele decidiu, e, em seguida, foi em frente e fez exatamente isso antes que sua suave e sensual mulher tivesse a chance de pedir.
Joseph fazia com que todo o corpo de Demétria ardesse de desejo. Ela pensou que não teria a força necessária para deter-se, até que de repente a mão dele roçou em seu seio. A sensação foi maravilhosa, e quando ela percebeu o quanto ela desejava mais daquilo, ela se afastou dele.
- Será melhor que você vá para dentro antes que vire uma pedra de gelo - Demétria disse, e sua voz soou em um tom bastante seco.
Joseph suspirou. Demétria estava fazendo aquilo outra vez, tentando afastar-se dele. Ele a pegou em seus braços, ignorando seus protestos, e começou a andar para o castelo.
- Miley falou com você a respeito do que aconteceu com ela? - perguntou Joseph quando sua mente conseguiu encontrar o foco outra vez.
- Ela falou - respondeu Demétria -. Mas não repetirei uma única palavra do que ela me disse, não importa o quão insistente você possa ser. Se desejar pode me torturar, mas mesmo assim eu....
- Demétria... – seu suspiro prolongado a deteve.
- Prometi a Miley que não diria nada a ninguém, especialmente a você. Sua irmã tem muito medo de você, Joseph. É uma situação realmente lamentável, certamente - concluiu.
Demétria tinha pensado que seu aviso encheria Joseph de fúria, e ficou surpresa quando o viu assentir.
- É assim que deveria ser - disse, encolhendo os ombros -. Sou seu lord além de seu irmão, e o primeiro deve ter preferência sobre o segundo.
- Não é assim como deveria ser - argumentou Demétria -. Uma família deveria estar unida. Todos deveriam comer juntos e nunca brigar entre eles. Deveriam....
- Como demônios você vai saber o que uma família deveria ou não deveria fazer? Você viveu com seu tio - afirmou Joseph, sacudindo a cabeça com exasperação.
- Bom, pois mesmo assim continuo sabendo como deveriam agir as famílias -protestou Demétria.
- Não questione meus métodos, Demétria - disse Joseph com um grunhido -. Por que você estava chorando? - perguntou depois, mudando rapidamente de assunto.
- Pelo que meu irmão fez com Miley - sussurrou Demétria. Apoiou o rosto no ombro de Joseph -. Meu irmão arderá no inferno durante toda a eternidade.
- Sim - respondeu Joseph.
- Sebastian é um homem com desejo assassino. Não condeno você por querer matá-lo, Joseph.
Joseph sacudiu a cabeça.
- E o fato de não me condenar faz com que você se sinta melhor? - perguntou.
Demétria acreditou ter ouvido uma ponta de diversão em sua voz.
- Eu mudei minha opinião sobre matar. Eu estava chorando por causa dessa perda - murmurou -. E pelo que eu tenho que fazer.
Joseph esperou que Demétria se explicasse. Chegaram às portas do castelo. Joseph abriu uma delas sem incomodá-la por isso, e a força que havia nele voltou a assombrá-la. Custou-lhe toda sua determinação, assim como ambas as mãos, também, para manter uma dessas portas abertas o suficiente para escapulir entre elas, sem que pegassem seu traseiro e, no entanto, Joseph não tinha mostrado o menor esforço.
- O que você tem que fazer? - perguntou Joseph, incapaz de conter sua curiosidade.
- Tenho que matar um homem.
A porta foi fechada com um golpe seco no mesmo instante em que Demétria murmurava sua confissão. Joseph não estava muito certo de tê-la ouvido corretamente. Ele decidiu que teria paciência suficiente para esperar até que tivessem chegado a seu quarto, antes de lhe fazer mais pergunta a esse respeito.
Ele carregou Demétria escada acima, ignorando seus protestos de que podia andar e quando chegaram ao nível do salão não se deteve, mas sim continuou subindo até chegar ao seguinte nível. Demétria acreditava que ele a levava aos aposentos da torre. Quando chegaram à entrada da estrutura circular, Joseph virou na direção oposta e continuou andando por um corredor escuro. Estava muito escuro para que ela pudesse ver aonde ele a levava.
Demétria estava bem curiosa, porque até aquele momento nem sequer tinha percebido naquela estreita entrada. Chegaram ao final do corredor, e Joseph abriu uma porta e carregou Demétria para dentro. Obviamente aquele era o quarto em que ele dormia, compreendeu Demétria, enquanto pensava que era muito amável por parte de Joseph ceder seus aposentos por aquela noite.
O quarto estava quente e era muito acolhedor. Um grande fogo ardia dentro da lareira, dando calor e um brilho suave ao resto dos aposentos. Uma única janela ocupava o centro da parede em frente, coberta por uma pele de animal no lugar das portinholas. Uma grande cama ocupava a maior parte da parede de pedra junto à lareira, com uma arca perto dela.
A cama e a arca eram os únicos móveis daquele quarto. Mas estava limpa, quase impecável. Aquele fato fez Demétria sorrir. Não sabia por que aquilo a agradava, mas se alegrava em saber que Joseph não gostava de desordem assim como ela.
E então por que permitia que o salão principal estivesse sempre tão abandonado? Agora que tinha visto seus aposentos, aquilo não tinha sentido para Demétria. Decidiu perguntar-lhe logo quando ainda estava de bom humor. Então Demétria voltou a sorrir, porque acabava de perceber que era bem provável que ela se tornasse uma anciã, antes que Joseph conseguisse alcançar uma mudança tão notável em sua maneira de ser.
Joseph não parecia ter absolutamente nenhuma pressa em soltá-la. Foi até a lareira, apoiou os ombros contra a borda do manto espesso, e começou a esfregar de frente e para trás, obviamente aliviando uma súbita coceira. Demétria se agarrou a ele tão desesperadamente como se nisso estivesse sua vida. Deus, ela desejou que ele estivesse usando uma camisa! Aquilo não era decente, disse a si mesma, porque gostava de muito tocar sua pele. Joseph era como um deus de bronze. Sua pele era quente ao tato, e com as palmas de suas mãos descansando sobre seus ombros, ela podia sentir como seus músculos moviam-se debaixo das pontas de seus dedos a cada ondulação.
Demétria desejou poder entender a maneira que reagia em relação a ele. Ora, seu coração estava voltando a bater desenfreadamente! Atreveu-se a lançar um rápido olhar para cima, e ao fazê-lo descobriu que Joseph a contemplava com muita atenção. Ele era muito atraente, e Demétria desejou que ele fosse feio.
- Você vai me segurar pelo resto da noite? - perguntou, conseguindo que sua voz soasse ridiculamente desgostada.
Joseph encolheu os ombros, o que quase fez com que Demétria caísse. Voltou a se segurar nele, e quando Joseph sorriu, compreendeu que era bem provável que ele estivesse se sacudindo daquela maneira só para fazer com que ela se unisse a ele.
- Primeiro responda minha pergunta e então eu vou soltá-la - Joseph decidiu.
- Vou responder sua pergunta - disse ela.
- Você me disse que estava pensando em matar um homem?
- Sim, eu disse - ela olhava para o queixo dele, enquanto lhe respondia.
Demétria esperou por um interminável minuto até que Joseph comentasse sua afirmação. Ela pensou que provavelmente ele daria um sermão sobre sua lamentável debilidade na tarefa de matar alguém.
Mesmo assim, não estava preparada para a gargalhada de Joseph. Ela começou como um surdo rumor dentro de seu peito, mas foi adquirindo volume rapidamente até que ele estava quase sufocando em verdadeira alegria.
Ele a ouviu perfeitamente bem, afinal. Demétria havia dito que ia matar um homem. A princípio aquela declaração pareceu tão assombrosa que Joseph acreditou que ela estivesse brincando. Mas a expressão tão solene que havia em seu rosto indicava que ela realmente falava a sério.
A reação dele não a agradou muito. Deus o ajudasse, ele não conseguia parar de rir. Ele deixou Demétria escorregar de seu abraço, mas manteve suas mãos segurando os ombros dela, assim ela não poderia fugir.
- E quem é o infeliz homem que você planeja matar? - ele finalmente conseguiu perguntar -. Seria um de nós, Wexton, por ventura?
Demétria se afastou dele.
- É obvio que não se trata de um Wexton embora, para ser bem honesta, e no caso de eu ter uma alma malvada, você seria o primeiro em minha preparada para aqueles que eu liquidaria, milord.
- Ah - disse Joseph, ainda sorrindo -. Se não é um de nós, minha doce e delicada lady, então quem você deseja liquidar? - ele perguntou, utilizando a ridícula expressão que Demétria empregou ao se referir ao ato de matar.
- Sim, Joseph, é verdade. Sou uma doce e delicada donzela, e já é hora de você entender isso - respondeu Demétria, cuja voz agora não soava particularmente doce.
Demétria foi até a cama e se sentou na beirada. Depois dedicou um bom tempo alisando as saias de seu vestido e finalmente colocou as mãos no colo. O fato de falar com tanta facilidade em tirar a vida de outra pessoa a deixava realmente assustada. Mas afinal de contas, o homem que ela pensava em matar certamente precisava que o matassem, não?
- Não conseguirá seu nome de mim, Joseph. Isto é um assunto meu, não seu.
Joseph não estava de acordo, mas decidiu esperar um pouco antes de arrancar a verdade.
- E quando matar esse homem, Demétria, voltará a despejar a comida que leva no estômago?
Demétria não respondeu. Joseph pensou que provavelmente estivesse percebendo quão insensato era seu plano.
- E também vai chorar? - ele perguntou, repetindo com sua pergunta a reação de Demétria depois de ter matado o soldado que atacou Nicholas.
- Vou me lembrar de não comer nada antes de matá-lo, Joseph, de maneira que não vomitarei. E se eu chorar depois de matá-lo, então eu vou encontrar algum lugar privado de maneira que ninguém vai me ver chorar. Essa explicação é suficiente para você?
Demétria respirou fundo, fazendo um esforço tremendo para manter a expressão a mais tranquila possível. Deus, já se sentia como uma pecadora!
- A morte não é algo que se possa fazer com bom ânimo - disse depois -. Mas a justiça também não deve ser enganada.
Joseph voltou a rir. Aquilo enfureceu Demétria.
- Eu gostaria de dormir agora, por isso, por favor, vá embora.
- Você acredita que pode me dizer para deixar meu próprio quarto? - perguntou Joseph.
Agora ele não estava rindo, e Demétria não teve coragem de olhar para ele.
- Eu acreditava que sim - admitiu -. Se eu estou sendo pouco respeitosa, lamento por isso. Mas você sabe que eu não minto. É muito amável ao me ceder sua cama por uma noite. Eu realmente aprecio sua gentileza, Joseph. E amanhã retornarei à torre depois que os aposentos de Miley forem devidamente limpos.
Ela ficou sem fôlego quando terminou sua explicação.
- Sua honestidade é muito refrescante.
- Sim, mas de vez em quando me leva a fazer coisas que não deveria.
Demétria suspirou. Continuava olhando para suas mãos, desejando que Joseph se apressasse e que fosse de uma vez. Então ouviu um golpe surdo. Aquele ruído atraiu sua atenção e quando levantou o olhar, o fez bem a tempo de ver como Joseph tirava sua segunda bota e a deixava cair no chão.
- Ficar na minha frente sem usar a camisa é uma indecência - declarou Demétria -. E agora está tirando o resto de suas roupas antes de partir? Você fica na presença de lady Eleanor desta maneira?
Demétria pôde sentir como se ruborizava. Estava decidida a ignorar Joseph. Se ele quisesse desfilar por aí seminu, então, ela teria que fechar seus olhos. E Joseph não teria uma única palavra de despedida da parte dela.
Demorou um pouco para perceber quais eram as intenções de Joseph. Demétria o observava pela extremidade do olho, e viu como Joseph se ajoelhava diante do fogo e acrescentava outro grosso tronco. Demétria quase agradeceu por aquela cortesia, até que se lembrou que estava decidida em ignorá-lo. Deus, Joseph sempre a fazia perder a linha de raciocínio, não era assim?
Joseph se levantou e foi para a porta. Antes que Demétria soubesse o que ele estava prestes a fazer, ele deslizou a grossa tábua de madeira pelos dos aros de metal.
Seus olhos se abriram de espanto. Ela estava trancada dentro do quarto, mas o verdadeiro problema, tal como ela via, era o fato de Joseph estar no lado errado da porta. E nem sequer uma doce e delicada lady de nobre berço podia interpretar mal o significado daquela ação.
Demétria deixou escapar um suspiro de indignação, saltou da cama e correu para a porta. Em sua mente só havia uma intenção: ia sair daquele quarto e se afastar de Joseph.
Ele a observou lutar com o fecho por um instante. Quando ficou convencido de que Demétria nunca conseguiria saber como funcionava o insólito ferrolho que havia debaixo da barra, foi para a cama. Ele decidiu ficar de calças em deferência aos sentimentos de Demétria, que parecia estar a ponto de perder o controle.
- Venha para cama, Demétria - Joseph pediu enquanto se deitava em cima dos cobertores.
- Não dormirei perto de você - Demétria gaguejou.
- Já dormimos juntos...
- Só uma vez dentro daquela tenda, Joseph, e isso foi por necessidade. Cada um compartilhou o calor do outro.
- Não, Demétria, porque eu dormi perto de você cada noite depois disso - informou Joseph.
Demétria se virou para olhá-lo fixamente.
- Você não fez isso!
- Sim, eu fiz.
Joseph sorria para ela.
- Como pode mentir com tanta facilidade? - quis saber Demétria.
Ela não lhe deu tempo para responder, mas se virou novamente para a porta e recomeçou seu trabalho sobre o ferrolho.
A recompensa por seus esforços consistiu em uma lasca debaixo da delicada pele de seu polegar. Demétria soltou um chiado de raiva.
- E agora tenho a uma parte desta maldita madeira debaixo de minha pele, graças a você - murmurou enquanto baixava a cabeça para examinar o machucado.
Joseph suspirou. Demétria ouviu do outro extremo do quarto o exagerado som que saiu de seus lábios, mas não ouviu quando Joseph se moveu e quando ele agarrou subitamente sua mão, ela saltou para trás, atingindo o topo de sua cabeça com a extremidade do queixo de Joseph.
- Você se move como um lobo - ela falou enquanto permitia que Joseph a levasse para luz do fogo -. Não estou fazendo nenhum elogio, Joseph, por isso pode deixar de sorrir.
Ele ignorou seus murmúrios. Ele estendeu a mão sobre o manto e pegou um punhal muito afiado cuja ponta era quase tão fina como a de uma agulha. Demétria fechou os olhos até que sentiu a primeira espetada. Então teve que abri-los, porque se não observasse Joseph, ele provavelmente cortaria seu polegar. Demétria se inclinou para baixo até que, inadvertidamente, bloqueou seu polegar dos olhos de Joseph.
Ele puxou a mão de Demétria para cima, deixando-a melhor iluminada e inclinou sua cabeça sobre ela para terminar sua tarefa. A testa de Demétria tocou a de Joseph. Ela não se separou, e ele tampouco o fez.
Joseph cheirava muito bem.
Demétria voltava a cheirar a rosas.
A lasca foi extraída. Demétria não disse uma única palavra a Joseph, mas ela estava olhando para ele com uma expressão tão confiante em seu rosto. Joseph franziu o cenho em uma careta de frustração. Quando Demétria o olhava daquela maneira, ele só podia pensar em tomá-la em seus braços e beijá-la. Demônios, admitiu com desgosto, tudo o que ela tinha a fazer era olhar para ele e ele já queria deitar com ela!
Joseph jogou a adaga de volta no manto e, em seguida, voltou para a cama. Não havia soltado a mão de Demétria, e agora ele a arrastava atrás dele.
- Pensa em matar um homem quando nem sequer pode tirar uma lasca - ele murmurou.
- Não vou dormir com você - declarou Demétria em um tom que não podia ser mais enfático enquanto se detinha junto à cama, decidida a vencer -. Você é o homem mais arrogante e teimoso, que já conheci. Minha paciência está se esgotando, Joseph. Eu não vou aguentar muito mais.
Demétria percebeu que seu erro estava em aproximar-se muito de Joseph, quando gritou sua ameaça. Joseph estendeu os braços para ela e, literalmente, a levou para cima dele. Demétria aterrissou sobre seu colo com um golpe surdo. Joseph a tirou de cima dele para deixá-la a seu lado, com sua mão ainda fechada sobre o punho de Demétria.
Ele fechou os olhos, em uma óbvia tentativa de esquecer da presença dela. Demétria o encarou.
- Você me odeia demais para dormir perto de mim. Você mentiu, não foi, Joseph? Não estivemos dormindo juntos. Eu me lembraria.
- Você é capaz de dormir durante uma batalha - observou Joseph. Seus olhos estavam fechados, mas agora ele sorria -. E não odeio você, Demétria.
- Você com certeza me odeia - replicou Demétria -. Não se atreva a mudar de ideia agora.
Ela esperou um longo momento para que Joseph lhe respondesse. Quando ele não disse uma palavra, Demétria começou tudo de novo.
- A ação que nos uniu não teve nada de nobre. Eu salvei sua vida. E como você me pagou por isso? Pois bem, você me arrastou até este lugar esquecido por Deus, e poderia acrescentar que constantemente abusando de minha doce natureza. Eu acredito que convenientemente você esqueceu que também salvei a vida de Nicholas.
Deus, como desejou que Joseph abrisse os olhos para que ela pudesse ver sua reação!
- Agora eu cuidei de Miley. Mas me pergunto se você não terá planejado isso desde o primeiro momento. - Esse pensamento lhe fez franzir o cenho e continuou falando -: A esta altura, você deveria admitir que eu sou a inocente em todo esse seu plano. Sou eu que estou sendo tratada injustamente. Ora, quando penso em tudo o que tive que suportar...
O ronco de Joseph a fez calar. De repente Demétria ficou tão furiosa que desejou ter coragem para gritar na orelha dele.
- Sou eu quem deveria odiar você - murmurou para si mesma. Ela ajeitou seu vestido e se deitou sobre suas costas -. Se eu não tivesse meus próprios e satisfatórios planos, estaria muito zangada por tudo o que você fez para arruinar meu bom nome, Joseph. Agora nem sequer posso fazer um casamento adequado. Disso já não há nenhuma dúvida, mas admito que o perdedor será Sebastian e não eu. Meu irmão ia vender me ao melhor lance. Ao menos isso foi o que ele disse que ia fazer. Agora ele só vai me matar se conseguir se aproximar o suficiente - murmurou -. E tudo isso por sua causa - acrescentou com veemência.
Quando terminou suas reclamações, Demétria estava esgotada.
- Como vou conseguir que você me prometa alguma coisa? E eu já dei minha palavra à pobre Miley - acrescentou com um bocejo cheio de cansaço.
Então Joseph se moveu. Demétria foi pega totalmente despreparada, e só teve tempo de abrir os olhos antes que Joseph se inclinasse sobre ela. O rosto de Joseph estava muito perto do dela, e seu hálito era como uma cálida e doce carícia sobre as bochechas de Demétria. Uma das pesadas coxas de Joseph a deixou presa.
Santo Deus, e além disso ela estava deitada de barriga para cima!
- Se você se aproveitar de mim, encontrarei alguma maneira de contar a lady Eleanor - conseguiu balbuciar.
Joseph virou seus olhos para o céu.
- Demétria, sua mente está consumida pela obsessão de que eu vou...
Ela colocou bruscamente a mão em cima da boca de Joseph e a manteve ali.
- Não se atreva a dizê-lo - replicou -. E por que outra razão você estaria estendido em cima de mim como a uma manta se não quisesse...?
Demétria igualava sua visão com a de Joseph.
- Você está tentando me enlouquecer - ela o acusou.
- Você já está - anunciou Joseph.
- Saia de em cima de mim. Você pesa mais que as portas da sua casa.
Joseph deslocou seu peso até que sua massa ficou sustentada pelos cotovelos. Sua pélvis repousava sobre a de Demétria. Joseph podia sentir o calor que havia dentro dela.
- Que promessa você quer de mim?
A pergunta pareceu deixar Demétria bastante confusa.
- Miley - recordou Joseph.
- Oh - disse Demétria, quase sem fôlego -. Eu pensei em esperar até manhã para falar com você a respeito de Miley, mas não tinha percebido que você me obrigaria a dormir com você. E esperava pegar você de melhor humor...
- Demétria...
A última sílaba de seu nome foi articulada mediante um longo e cuidadosamente controlado gemido, e a maneira com que Joseph apertava seu queixo fez com que Demétria soubesse que havia esgotado sua paciência.
- Desejo que me dê sua palavra de que Miley poderá viver aqui com vocês durante todo o tempo que ela quiser, e que não vai obriga-la a se casar sob nenhuma circunstância. Pronto. Ficou claro o bastante para você?
Joseph franziu o cenho.
- Amanhã falarei com Miley - declarou depois.
- Sua irmã está muito assustada para falar abertamente com você, mas se eu puder lhe dizer que você deu sua palavra, então acredito que você perceberá uma mudança bastante considerável nela. Miley está muito preocupada, Joseph, e se pudermos aliviar a carga que pesa sobre ela, então ela se sentirá muito melhor.
Joseph teve vontade de sorrir. Demétria tinha adotado o papel de mãe de Miley, tal como ele suspeitava que ela faria. Sentiu-se imensamente satisfeito em ver que seu plano tinha funcionado.
- Muito bem. Diga a Miley que dei minha palavra. Terei que falar com o Liam - acrescentou, quase como uma ideia de último momento.
- Liam terá que encontrar alguém mais para se casar. E de qualquer maneira, Miley acredita que agora o contrato já não é mais obrigatório. Além disso Liam vai querer uma mulher que não tenha sofrido mácula alguma e isso faz com que eu desgoste dele imensamente.
- Nem sequer conhece esse homem - disse Joseph com exasperação -. Como pode julgá-lo tão facilmente?
Demétria franziu o cenho. Joseph tinha razão, embora quase lhe doesse ter que concordar com aquela afirmativa.
- Liam sabe o que aconteceu a Miley? - perguntou.
- A esta altura toda a Inglaterra sabe. Sebastian está se assegurado disso.
- Meu irmão é um homem muito perverso.
- Seu tio Berton é da mesma opinião a respeito de Sebastian? - perguntou Joseph
- Como sabe o nome de meu tio? -perguntou Demétria.
- Você me disse - respondeu Joseph, sorrindo ao ver como ela abria seus olhos.
- Quando? Tenho uma memória excelente e não me lembro de ter mencionado.
- Quando estava doente, contou-me a respeito de seu tio.
- Pois se falei não me lembro. Foi muito grosseiro de sua parte escutar o que eu disse.
- Não havia como deixar de ouvir sua voz - disse Joseph, sorrindo ante a lembrança -. Você gritava tudo que você falava.
Ele exagerava só para provocar a reação de Demétria. Quando ela não estava na defensiva, suas expressões eram inocentemente refrescantes de se ver.
- Conte-me que mais eu disse - exigiu Demétria em um tom carregado de suspeita.
- A lista é muito longa. Basta dizer que você me contou tudo isso.
- Tudo? - exclamou Demétria, que agora parecia horrorizada.
Deus, aquilo era terrivelmente constrangedor. E se ela havia chegado a dizer o quanto gostava de beijá-lo?
Um suave brilho iluminou os olhos de Joseph. Provavelmente ele estaria apenas zombando dela. Isso não estava nada bem, e Demétria decidiu que faria desaparecer aquele sorriso.
- Então eu lhe disse os nomes de todos os homens que levei para minha cama, não é? Bom, suponho que o jogo terminou - concluiu com um suspiro.
- Seu jogo terminou no momento em que nos encontramos - disse Joseph suavemente.
Demétria sentiu como se acabasse de ser acariciada, e não soube como reagir.
- E o que isso significa exatamente? - perguntou.
Joseph sorriu.
- Você fala demais - ele disse -. Esse é outro defeito que você deveria tentar corrigir.
- Isso é ridículo! - replicou Demétria -. Eu falei suficientemente pouco com você durante toda a semana e você me ignorou por completo. Como pode dizer que falo demais? - perguntou, atrevendo-se a cravar um dedo em seu ombro.
- Não estou sugerindo nada. Limito-me a expor os fatos - respondeu Joseph, observando-a com muita atenção e vendo a labareda que iluminou seus olhos azuis.
Fazer com que Demétria mordesse a isca era muito fácil. Joseph sabia que deveria parar, mas na verdade estava desfrutando muito da maneira com que ela reagia. Não havia nenhum mal nisso, e agora Demétria estava tão furiosa como uma gata selvagem.
- Desagrada-lhe que eu diga o que penso?
Joseph assentiu.
Demétria achou que agora ela era um verdadeiro patife. Uma mecha de escuros cabelos tinha caído para frente e repousava sobre sua testa. Ele também estava sorrindo. Oh, aquilo teria levado um santo a cair em tentação!
- Então deixarei de falar com você. Juro que nunca mais voltarei a falar com você. Isso agradaria você?
Ele voltou a assentir, embora desta vez tenha feito muito mais devagar que antes. Demétria respirou fundo enquanto se preparava para lhe dizer o que pensava a respeito de sua indelicadeza, mas Joseph a silenciou. Baixou a cabeça e roçou os lábios de Demétria com os seus, deixando-a bem surpresa para reduzi-la a uma submissão temporária.
Sem que houvesse nenhum treinamento, Demétria abriu a boca para a insistente língua de Joseph e então ele começou a fazer amor lentamente com sua língua. Deus, podia sentir o fogo que ardia dentro dela! Suas mãos se estenderam junto aos lados do rosto de Demétria e seus dedos se enredaram em seu magnífico cabelo.
Como a desejava! O beijo passou rapidamente de uma delicada carícia para se transformar em uma amostra de paixão selvagem. Suas línguas duelaram uma e outra vez até que Joseph quase perdeu a razão de tanto querer mais. Sabia que deveria se deter, e já se preparava para se separar dela quando sentiu que as mãos de Demétria tocavam suas costas. A carícia era muito suave e hesitante, e a princípio se mostrou tão leve como uma mariposa, mas assim que Joseph soltou um grunhido e voltou a se envolver na doçura da boca de Demétria, sua carícia passou a adquirir uma nova pressão. Suas bocas se tornaram ardentes e úmidas, e se agarravam a uma à outra.
Joseph sentiu como um súbito estremecimento percorria o corpo de Demétria e ouviu o gemido entrecortado que escapou de seus lábios quando, de muito má vontade, foi se afastando dela.
Os olhos de Demétria estavam nublados pela paixão e seus lábios, vermelhos e inchados, chamavam-no pedindo que ele voltasse a saboreá-la. Joseph sabia que não deveria ter iniciado aquilo que não podia terminar. Todo seu corpo palpitava de desejo, e precisou de um supremo ato de vontade para afastar-se dela.
Com outro gemido de frustração, Joseph se virou até ficar de lado. Depois, envolveu a cintura de Demétria com seu braço e a atraiu para ele.
Demétria queria chorar. Não podia entender o porquê em permitir, uma e outra vez, que Joseph a beijasse. Ainda mais importante, ela não conseguia impedir que ela mesma evitasse beijá-lo. Estava sendo tão lasciva como uma prostituta qualquer.
Tudo que Joseph precisava fazer era tocá-la para que ela se desmanchasse pedaços. Seu coração batia a toda velocidade, as palmas de suas mãos esquentaram, e ela se via invadida por um infinito desejo de que houvesse algo mais.
Ouviu Joseph bocejar, e concluiu que aquele beijo não tinha significado grande coisa para ele depois apesar de tudo.
Aquele homem a irritava tanto como uma brotoeja. Demétria decidiu que manteria uma distância considerável a respeito dele, no mesmo instante em que contrariava sua decisão fazendo com que seu corpo se moldasse à curva do corpo de Joseph. Quando ela já havia quase conseguido se acomodar de maneira inteiramente satisfatória, Joseph deixou escapar um áspero gemido. Suas mãos foram para os quadris de Demétria e a seguraram firmemente.
Aquele homem sempre tentava contrariá-la em tudo! Por acaso não percebia quão incômodo era dormir vestindo o mesmo traje que usava para passear? Demétria voltou a se mexer, e sentiu Joseph estremecer perto dela, e então pensou que ele poderia estar preparando para gritar com ela.
Demétria estava muito cansada para se preocupar com o mau humor de Joseph. Com um bocejo próprio, adormeceu.
Foi, sem dúvida, o desafio mais difícil que Joseph enfrentou. E se Demétria voltasse a mover seu traseiro ainda que só mais uma vez, Joseph sabia que não conseguiria superar aquela provação.
Nunca tinha desejado uma mulher da maneira com que estava desejava Demétria. Joseph fechou os olhos e deu uma profunda e trêmula inspiração. Demétria se moveu suavemente junto dele e Joseph começou a contar até dez, prometendo-se que quando chegasse a esse número mágico, iria se sentir um pouco mais dono de si mesmo.
A inocente aninhada contra ele não tinha, absolutamente, nenhuma ideia do perigo que corria. Seu traseiro levava toda a semana distraindo Joseph. Imaginou a maneira que Demétria andava, e de repente voltou a ver o delicado balançar de seus quadris, quando passeava ao redor da fortaleza dos Wexton.
Demétria afetaria os outros da mesma maneira que ela o afetava? Joseph franziu o cenho ante aquela pergunta e terminou admitindo que sem dúvida ela afetaria. Sim, porque ele já tinha visto os olhares que seus homens lançavam para ela quando a atenção de Demétria estava dirigida para outro lugar. Inclusive o fiel Anthony, o vassalo em quem Joseph mais confiava e seu melhor amigo, tinha mudado sua atitude inicial para com Demétria. No começo da semana Anthony sempre estava muito calado e era comum franzir o cenho, mas quando a semana chegou ao fim Joseph percebeu que normalmente quem falava era seu vassalo.
E agora Anthony também não seguia Demétria, porque caminhava ao lado dela.
Exatamente onde Joseph queria estar.
Não podia culpar Anthony pela debilidade em sucumbir aos encantos de Demétria.
Nicholas, entretanto, já era outra questão. O irmão mais novo parecia ter-se encantado por Demétria, e aquilo podia chegar a ser um problema.
Demétria começou a se mover novamente. Joseph sentiu como se acabassem de marcá-lo com ferro, e de repente um doloroso desejo reclamou toda sua atenção. Com um grunhido de frustração, separou os cobertores e se levantou da cama. Embora Demétria tivesse sido sacudida por aquele súbito movimento, não despertou.
- Dorme como a uma criança inocente - murmurou Joseph para si mesmo, enquanto ia para a porta.
Retornaria a seu lago e enquanto sacudia a cabeça, Joseph compreendeu que encontraria autêntico prazer naquele segundo mergulho.
Joseph não era um homem paciente, mas queria que todas as questões estivessem resolvidas antes de reclamar Demétria para si. Resignou-se ao fato de que provavelmente agora nadaria mais frequentemente em seu lago. Não era um desafio que o jogava para fora agora, mas um a necessidade de encontrar algum tipo de liberação para o fogo que ardia em suas vísceras.
Com um murmúrio de desgosto, Joseph fechou a porta.

sábado, 9 de fevereiro de 2019

Esplendor da Honra Capitulo 10


E naqueles tempos havia gigantes sobre a face da terra.
Gênese, 6,4
Demétria jurou a si mesma que ainda que chegasse a viver até a avançada idade de trinta anos, jamais esqueceria a semana que seguiu sua decisão de ajudar Miley.
Foi uma semana como nenhuma outra, salvo provavelmente a semana da invasão do duque William, mas naturalmente, naquele tempo Demétria ainda não tinha nascido para presenciar tal acontecimento, assim ela imaginou que esta não contasse. Aquela semana quase chegou a destruir sua natureza doce e carinhosa e sua prudência. Mas Demétria não estava muito segura de qual das duas coisas cobiçava mais e, por conseguinte resolveu conservar ambas.
De fato, a tensão teria bastado para fazer bater os dentes de um santo. A única razão de todo isso, é claro, era a família Wexton.
Demétria teve completa liberdade para percorrer todos os cantos do castelo, com apenas um soldado andando atrás como uma longa sombra. Inclusive tinha obtido a permissão por parte de Joseph para utilizar os restos dos alimentos para alimentar os animais. E como o soldado também pode escutar o pedido de Demétria, ele, na verdade, chegou a argumentar em seu favor com os homens encarregados da ponte levadiça. Demétria foi até o alto da colina, que se elevava fora dos muros da fortaleza, com os braços carregados com um saco de pano que continha carne, aves e grãos. E como ela não sabia o que seu cão selvagem iria comer, carregou uma seleção certa para seduzi-lo.
Sua sombra, um simpático soldado chamado Anthony, resmungou sobre a distância. Ele tinha sugerido que fossem até ali a cavalo, mas Demétria se mostrou contra o plano e, ao fazê-lo, obrigou ao soldado que andasse junto dela. Demétria disse que a caminhada faria bem a eles, quando na verdade ela esperava esconder sua falta de habilidade em cavalgar.
Joseph estava esperando por Demétria quando ela retornou de sua jornada. Não parecia muito feliz.
- Não dei permissão para que saísse além dos muros - declarou enfaticamente.
Anthony veio em sua defesa.
- Você deu permissão para ela alimentar os animais - lembrou ao seu lord.
- Sim, você permitiu – concordou Demétria, e o fez com um sorriso tão doce e uma voz tão suave que teve certeza que ele perceberia sua tranquilidade.
Joseph assentiu.
A expressão que havia em seu rosto era realmente aterradora. Demétria pensou que Joseph desejava se ver livre dela, mas agora ele já nem sequer gritava com ela. Para falar a verdade, rara vez levantava a voz. Não precisava fazê-lo. A estatura de Joseph ganhava sua atenção imediatamente, e sua expressão, quando ficava tão aborrecido como estava agora, parecia ser tão efetiva como qualquer alarido.
Demétria já não tinha mais medo dele. Infelizmente, precisava se lembrar daquele fato várias vezes ao dia. E ainda não tinha coragem suficiente para perguntar o que ele queria dizer quando disse que agora ela lhe pertencia. Continuava adiando aquele confronto, mas a verdadeira razão disso era que temia pela resposta de Joseph.
Além disso, dizia a si mesma, que teria tempo de sobra para descobrir qual seria seu próprio destino, depois que Miley estivesse um pouco melhor. Por enquanto, Demétria atacaria cada batalha que aparecesse.
- Só fui até o alto da colina - respondeu finalmente -. Fica preocupado de que possa andar até chegar a Londres?
- Que propósito tinha esta caminhada? - perguntou Joseph, ignorando aquele comentário que Demétria acabava de fazer sobre escapar, porque parecia muito ridículo respondê-lo.
- Alimentar meu lobo.
A reação de Joseph foi a mais agradável possível. Pela primeira vez ele não foi capaz de controlar sua expressão. Agora ele a olhava com surpresa. Demétria sorriu.
- Se quiser pode rir, mas vi que era ou um cão muito grande ou um lobo selvagem, e me pareceu que era meu dever alimentá-lo, só até que o tempo melhore um pouco e possa voltar a caçar. Naturalmente, isso significa que terei todo um inverno pela frente para me ocupar com sua comida, mas assim que a próxima primavera chegar, com a primeira brisa cálida, tenho certeza de que meu lobo será capaz de arranjar-se sozinho.
Joseph deu-lhe as costas e se afastou.
Demétria sentiu vontade de voltar a rir. Joseph não negou a ela o direito de sair da fortaleza, e isso já era uma vitória mais que suficiente para regozijar.
Na verdade, Demétria não acreditava que o cão selvagem ainda estivesse pelos arredores. Desde a primeira vez que avistou o animal e a cada noite, ela olhava por sua janela, mas ele nunca estava ali. O cão se foi e, às vezes, tarde da noite quando estava aconchegada debaixo dos cobertores, Demétria se perguntava se realmente tinha visto o animal ou se este só tinha sido produto de sua imaginação hiperativa.
Demétria nunca admitiria isso para Joseph, porém, tinha um perverso prazer a cada vez que ela atravessava a ponte levadiça. A comida que deixava no dia anterior sempre desaparecia quando ela chegava ali, o que indicava que havia animais se alimentando durante a noite. Demétria se alegrava em saber que a comida não era desperdiçada, e ainda a alegrava ainda mais o fato de poder atormentar Joseph.
Sim, ela fazia isso apenas para irritá-lo. E a julgar pela maneira com que Joseph a evitava, Demétria acreditava ter conseguido.
Os dias seriam muito agradáveis se Demétria não tivesse que se preocupar tanto pela hora de jantar. Aquilo colocava um peso sobre seus ombros e submetia sua delicada natureza a uma terrível tensão.
Demétria sempre passava a maior quantidade de tempo possível fora da fortaleza, sem se importar com o frio e a chuva. Gerty tinha lhe dado umas roupas velhas que tinham pertencido a Catherine, a irmã mais velha de Joseph. As roupas eram grandes demais, mas Demétria usou agulha e linha neles, e terminou obtendo um resultado mais que adequado para as suas necessidades. O fato de não estar na moda não lhe importava absolutamente. As peças estavam desbotadas, mas estavam limpas, e seu toque sobre a pele era muito suave. E, o que era ainda mais importante, mantinham-na aquecida.
Toda tarde Demétria ia aos estábulos com um torrão de açúcar para dar ao cavalo de Joseph, aquela preciosidade branca que ela chamava de Silenus. Demétria e o cavalo desenvolveram uma espécie de laço. O cavalo armava um terrível barulho a cada uma de suas visitas e fingia tentar derrubar a coices, sempre que via Demétria se aproximar. Mas tão logo ela conversava com ele, Silenus se acalmava. Demétria entendia a necessidade que tinha o animal tinha de exibir-se diante dela, e sempre elogiava sua bravura antes de dar a guloseima.
Apesar de seu tamanho, Silenus estava começando a se mostrar afetuoso com Demétria. Empurrava sua mão quando ela o acariciava, e quando Demétria ficava quieta e colocava a mão em cima do corrimão, um truque para obter sua reação, Silenus empurrava a mão dela imediatamente para sua cabeça.
O encarregado dos estábulos não gostava da visita de Demétria, e expressou sua opinião em voz alta para que ela a ouvisse. Ele também era da opinião de que Demétria estava estragando o cavalo de Joseph e até ameaçou contar ao seu lord o que ela estava fazendo. Mas aquilo não era mais que um blefe. Na verdade, o encarregado dos estábulos estava bastante impressionado com habilidade com que Demétria tratava o cavalo. Ele ainda ficava um pouco nervoso cada vez que selava o cavalo de Joseph, mas aquela jovenzinha não parecia ter o menor medo.
Na terceira tarde, o encarregado dos estábulos dirigiu a palavra a Demétria, e no final daquela semana já eram grandes amigos.
Demétria soube que ele se chamava James e era casado com Maude. Seu filho William ainda era muito grudado à saia de sua mamãe, mas James esperava pacientemente o momento em que o moço seria grande o bastante para se converter em aprendiz sob seu comando. A criança seguiria a tradição, explicou James dando um certo ar de importância.
- Silenus deixará que você o monte sem sela - anunciou James depois de ter dado a Demétria um passeio em seus domínios.
Demétria sorriu. James tinha aceitado o nome que ela tinha escolhido para a montaria de Joseph.
- Nunca montei sem sela - disse -. Para falar a verdade, James, eu nunca havia montado.
- Quando não estiver chovendo tanto, talvez possa aprender qual é a maneira apropriada de montar - sugeriu James com um amável sorriso.
Demétria assentiu.
- Mas se você nunca soube montar, então eu me pergunto como você ia de um lugar a outro - admitiu James.
- Eu caminhava - disse Demétria, e riu ao ver a expressão de surpresa em seu rosto -. O que estou confessando não é nenhum pecado.
- Eu tenho uma égua muito mansa com a qual poderia começar a praticar - sugeriu James.
- Não, não acredito que seja uma boa ideia - respondeu Demétria -. Silenus não gostaria muito disso. Acredito que poderia ferir seus sentimentos e não podemos permitir que isso aconteça, não é?
- Não podemos? - James parecia confuso.
- Acredito que eu me sairia melhor com Silenus.
- Minha senhora, esse cavalo que quer montar é o cavalo do lord! –balbuciou James, que parecia ter-se engasgado de repente.
- Sei a quem pertence - replicou Demétria -. Não se preocupe pelo tamanho do animal - acrescentou, tentando fazer desaparecer a incredulidade do rosto de James -. Já montei em Silenus antes.
- Mas, têm a permissão do lord?
- Eu a terei, James.
Demétria voltou a sorrir, e todos os argumentos lógicos saíram voando subitamente da mente do encarregado dos estábulos. Sim, disse a si mesmo, apoiando-se naquele olhar de olhos tão azuis e no jeito que ela sorria para ele com tanta confiança, e assim, de repente, James percebeu que estava completamente de acordo com ela.
Quando Demétria saiu do estábulo, o guarda começou a andar atrás dela. Sua presença era um aviso constante, tanto para ela como para todos outros, de que Demétria não era uma hóspede convidada. Contudo, a atitude de Anthony para com ela se suavizava imensamente. Agora ele já estava bem menos irritado pelo dever que lhe tinham atribuído.
A maneira com que Anthony era saudado pelos outros soldados fez que Demétria concluísse que todos o tinham em bom conceito. Anthony tinha um sorriso atraente, um sorriso de menino que não se correspondia a sua idade e altura. Ela não entendia a razão pela qual tinham-lhe ordenado que a vigiasse, porque imaginava que alguém de menor estatura, como por exemplo Ansel, o escudeiro, seria mais apropriado para aquele plácido dever.
Sua curiosidade aumentou, até que finalmente decidiu interrogá-lo.
- Fez algo que desagradasse seu lord? - perguntou um dia.
Anthony pareceu não entender sua pergunta.
- Posso ver a inveja com que olha os outros soldados, quando retornam depois de ter completo com seus deveres, Anthony. Você preferiria estar treinando com eles em vez de andar às voltas comigo.
- Isso não é nenhum problema - protestou Anthony.
- Mesmo assim, não entendo por que lhe atribuíram esta tarefa. A menos que tenha aborrecido Joseph de algum jeito.
- Tenho uma ferida que ainda precisa de algum tempo para curar completamente - explicou Anthony. Sua voz hesitou, e Demétria percebeu o rubor que ia subindo pouco a pouco por seu pescoço.
Demétria achou estranho que ele tivesse vergonha e, com a única intenção de aliviar seu desconforto, disse:
- Eu também sofri uma lesão e não precisamente das mais leves, posso lhe assegurar isso. - Fez soar como exibicionismo, mas o objetivo de Demétria era fazer com que Anthony não tivesse nada com que se envergonhar -. Quase acabou comigo, Anthony, mas Kevin cuidou de mim. Agora tenho uma horrível cicatriz ao longo de minha coxa.
Anthony parecia continuar incomodado com o tema de conversa que ela tinha escolhido.
- Será que os soldados não consideram nobre quando são feridos em batalha? - perguntou Demétria.
- É obvio que sim - respondeu Anthony, entrelaçando as mãos atrás das costas e apertando o passo.
De repente Demétria percebeu que Anthony poderia estar constrangido talvez pelo lugar em que tenha sofrido sua ferida. Seus braços e suas pernas pareciam estar perfeitos, e então só restava seu peito e seu...
- Não vamos falar mais nisso - Demétria balbuciou. Ela sentia seu rosto enrubescer. Quando Anthony, de imediato, diminuiu o passo, Demétria soube que estava certa. A ferida era em um lugar pouco apropriado.
Embora ela nunca perguntasse a Anthony sobre isso, Demétria achava curioso que os soldados treinassem durante tantas horas todos os dias. Acreditava que defender seu lord era uma tarefa difícil, sobre tudo considerando o fato de que seu líder tinha muitos inimigos. Tampouco acreditava estar chegando a conclusões muito apressadas. Joseph não era um homem fácil de agradar, e certamente não mostrava muito tato ou diplomacia. De fato, na corte de William II provavelmente acumulou mais inimigos que amigos.
Infelizmente, Demétria tinha muito tempo para pensar em Joseph. Não estava acostumada a ter tanto tempo disponível em suas mãos. Quando não estava fora passeando com Anthony, Demétria sugeria a Gerty e Maude como fazer para que o lar de Joseph fosse mais agradável.
Maude não era tão reservada como Gerty. Sempre estava disposta a deixar de lado suas tarefas para ir com Demétria. O pequeno Willie, o filho de quatro anos de Maude, demonstrou ser tão falador como sua mãe uma vez que Demétria conseguiu tirar seu polegar da boca.
Entretanto, quando a luz do dia começava a desvanecer, o estômago de Demétria dava um nó e sua cabeça começava a latejar. Era de admirar, disse a si mesma, quando se considerou que as noites passadas com a família Wexton eram ensaios de resistência e que Ulisses teria dado as costas.
Mas Demétria não se permitia dar as costas. Ela já tinha tentado de tudo, exceto ficar de joelhos e suplicar para que a deixassem jantar em seus aposentos, mas Joseph não permitia. Não, Joseph tinha exigido que Demétria participasse do jantar familiar, e além disso, teve a ousadia de se retirar da provação nojenta que ele impunha a ela. O barão de Wexton sempre comia sozinho, e fazia uma breve aparição apenas depois que a mesa tivesse sido limpa dos restos que seus homens ainda não tinham atirado ao chão.
Miley se encarregava de proporcionar uma estimulante conversa. Enquanto os homens iam lançando ossos por cima de seus ombros, a irmã de Joseph lançava uma grosseria atrás da outra a Demétria.
Demétria não acreditava que pudesse suportar essa tortura durante muito tempo. Sentia seu sorriso tão frágil e quebradiço como se fosse um pergaminho ressecado.
Na sétima noite, a compostura de Demétria finalmente se rachou, e o fez com tão violenta energia que quem presenciou o acontecimento ficou bem assustado para chegar a intervir.
Joseph acabava de lhe dar permissão para sair da sala. Demétria se levantou, desculpou-se e começou a ir para a entrada.
Sua cabeça latejava, e ela só pensava em manter distância de Miley. Demétria não se sentia em condições de suportar outra rodada de gritos. A irmã de Joseph caminhava em sua direção.
Demétria olhou com cautela por sobre Miley e viu o pequeno Willie espreitando fora da porta de entrada da cozinha. O pequeno sorriu para ela, e Demétria se deteve imediatamente para falar com ele.
A criança respondeu ao sorriso de Demétria. Passou como uma flecha na frente de Miley no mesmo instante em que a irmã estendia a mão, em um dos grandes gestos que ela sempre fazia quando estava prestes a começar novos insultos contra Demétria. O dorso da mão de Miley se chocou contra a bochecha de Willie. O pequeno caiu no chão.
Willie começou a choramingar, Nicholas gritou e Demétria deixou escapar um grito ensurdecedor. O grito de raiva que ela deu deixou atônitos a todos aqueles que estavam na sala, inclusive Miley, que de fato chegou a dar um passo para trás, a primeira autêntica retirada que ela efetivamente fez diante de Demétria.
Nicholas já estava se levantando quando Joseph o agarrou pelo braço. O mais jovem dos irmãos se dispôs a protestar ao sentir-se retido, mas a expressão que havia nos olhos de Joseph o deteve.
Demétria correu para o pequeno, tranquilizou-o com uma palavra amável e um carinhoso beijo no alto da cabeça, e logo lhe disse que fosse com sua mãe. Ao ouvir os gemidos de seu filho, Maude apareceu no vão da porta com Gerty ao lado dela.
Então Demétria se virou para encarar Miley. Provavelmente ela teria sido capaz de controlar sua raiva, se a irmã de Joseph tivesse mostrado qualquer sinal de remorso. Miley, entretanto, não parecia lamentar sua conduta nem um pouco. E quando murmurou que aquela criança era um incômodo, Demétria perdeu o controle.
Miley chamou Willie de pirralho uma fração de segundo antes de Demétria se lançar sobre ela e a esbofetear, ali onde ela entendia que Miley mais merecia, batendo em sua boca. O ataque deixou Miley tão perplexa que ela perdeu o equilíbrio e caiu de joelhos. Sem perceber, ela acabava de proporcionar uma grande vantagem a Demétria.
Demétria a agarrou pelo cabelo antes que Miley pudesse se levantar e torceu toda a massa de cabelos atrás de sua cabeça, tornando a irmã vulnerável e incapaz de contra-atacar. Ela forçou a cabeça de Miley para trás.
- Você pronunciou sua última palavra imunda, Miley. Você está me entendendo?
Todo mundo olhou para as duas mulheres. Kevin foi o primeiro a sair de seu estupor.
- Tire as mãos de cima dela, Demétria! - gritou.
Sem desviar sua atenção de Miley, Demétria gritou de volta para Kevin:
- Não se meta nisto, Kevin! Você me considera responsável pelo que ocorreu a sua irmã, e decidi que já é hora de colocar mãos à obra para arrumar toda esta bagunça. A começar por agora mesmo.
Joseph não disse uma única palavra.
- Não lhe considero responsável! - gritou Kevin -. Solte-a. Sua mente está....
- Sua mente necessita uma boa limpeza, Kevin.
Demétria viu que tanto Maude como Gerty estavam olhando pelo vão da porta, e segurou Miley com firmeza quando se virou para falar com elas.
- Parece que vamos precisar de duas banheiras para eliminar a sujeira que cobre a esta pobre criatura. Providencie isto, Gerty. Maude, encontre roupa limpa para sua senhora.
- Vai tomar um banho agora, milady? - perguntou Gerty.
- Miley é quem vai tomar banho agora - anunciou Demétria. Ela se virou para encarar Miley e disse -: E cada vez que você me disser uma palavra imprópria para uma dama, haverá sabão dentro de sua boca.
Demétria soltou o cabelo de Miley e a ajudou a ficar de pé. A irmã de Joseph tentou se afastar, mas Demétria não estava disposta a permitir que isso acontecesse. Sua ira lhe deu a força de Hércules.
- É mais alta que eu, mas eu sou mais forte, e neste momento muito mais perigosa do que você possa imaginar, Miley. Se tiver que lhe chutar durante todo o trajeto torre acima, estou mais que apta para este desafio. - Puxou o braço de Miley, arrastando-a para a entrada enquanto continuava resmungando em um tom, suficientemente alto, para que os três irmãos pudessem ouvi-la -. E se quiser que lhe diga a verdade, já estou sorrindo só de pensar em lhe dar uns chutes.
Miley começou a chorar, mas Demétria se mostrou implacável. A irmã de Joseph não ia obter nenhuma simpatia dela. Kevin e Nicholas já lhe tinham dado em excesso. Sem que percebessem, os irmãos tinham machucado sua irmã com aquela piedade e compaixão que demonstravam. E agora era preciso pulso firme. E Demétria era firme o bastante. O mais curioso era que agora sua cabeça não doía mais.
- Chore tudo o que quiser, Miley. Isso não ajudará em nada sua causa. Atreveu-se a chamar de pirralho o pequeno Willie, quando isso é um nome que pertence única e exclusivamente a você. Sim, você é a pirralha. Mas agora tudo isso vai mudar. Eu estou lhe prometendo isso.
Demétria não deixou de falar nem um só instante, enquanto iam para os aposentos. Não teve que dar um único chute em Miley.
Quando as banheiras de madeira estavam cheias, até transbordar, de água fumegante, Miley ficou sem energia para lutar. Gerty e Maude ficaram com Demétria para dar uma mão no trabalho de tirar a roupa de Miley.
- Queime-as - ordenou Demétria depois de entregar aquelas peças imundas a Gerty.
Quando Miley foi empurrada para dentro da primeira banheira, Demétria pensou que estava imitando a esposa de Lot. A irmã de Joseph ficou tão imóvel como um pedaço de pedra esculpida e cravou o olhar na distância. Mas a expressão que havia em seus olhos contava outra história. Sim, saltava à vista que por dentro Miley estava fervendo de raiva.
- Por que havia necessidade de duas banheiras? - perguntou Maude enquanto torcia as mãos com preocupação.
Miley por sua vez, tinha mudado de tática e acabava de puxar o cabelo de lady Demétria. Parecia que tinha a intenção de arrancar os formosos cachos de Demétria de seu couro cabeludo.
Em retaliação, a lady que Maude passou ver como uma mulher doce, suave, empurrou o rosto de Miley sob a água. Será que ela pensava em afogar a irmã do barão?
- Não acredito que lady Miley possa respirar aí embaixo - disse Maude.
- Certo, e tampouco pode me cuspir - respondeu Demétria, enfatizando cada palavra.
- Bom, eu nunca... - Gerty ofegou um protesto antes de dar meia volta. Maude viu como sua amiga saía correndo daquele quarto.
Maude sabia que Gerty sempre procurava espalhar as notícias antes que alguém mais pudesse ter ocasião de fazê-lo. Então, o barão de Wexton provavelmente gostaria de saber o que estaria acontecendo.
Maude desejou poder correr atrás de Gerty. Agora lady Demétria a assustava, porque nunca a tinha visto exibir um temperamento tão feroz. Mesmo assim, Maude teve que admitir que ela havia ficado do lado do pequeno Willie, e que por essa razão ficaria e daria uma mão, enquanto lady Demétria assim demandasse.
- Precisamos de duas banheiras, porque Miley está tão suja que vai necessitar de dois banhos.
Maude teve dificuldade para ouvir o que lady Demétria estava dizendo. Miley tinha começado a arranhar e chutar. Deus, havia água por toda parte, especialmente em cima de lady Demétria.
- Passe-me o sabão, por favor - pediu Demétria.
A hora seguinte foi uma prova incrível e digna de ser contada até a próxima primavera. Gerty não parava de mostrar a cabeça pelo vão da porta para inteirar-se dos acontecimentos. Depois, ela corria escada abaixo para informar a Kevin e Nicholas.
Quando a comoção chegou ao fim, Gerty se sentiu um pouco decepcionada. Lady Miley estava tranquilamente sentada diante do fogo, enquanto lady Demétria penteava seus cabelos. A irmã do barão já não tinha vontade de continuar lutando, e as emoções terminaram.
Maude e Gerty saíram da torre depois que as banheiras foram esvaziadas e retiradas dos aposentos.
Nem Miley nem Demétria haviam trocado uma única palavra educada entre si. Maude voltou a aparecer repentinamente no vão da porta e balbuciou:
- Ainda tenho que lhe agradecer por ter ajudado meu menino.
Demétria estava prestes a responder quando Maude continuou falando.
- Veja bem, eu não estou contra lady Miley. Ela não pode evitar ser como é. Mas você saiu do rumo para consolar Willie, e sou muito agradecida por isso.
- Não pretendia bater nele.
A afirmação veio de Miley. Era a primeira frase decente que ela havia pronunciado. Maude e Demétria compartilharam um sorriso.
Assim que a porta se fechou atrás de Maude, Demétria pegou uma cadeira e se sentou na frente de Miley.
Miley recusava-se a olhar para Demétria. Suas mãos estavam cruzadas em seu colo e ela olhava fixamente para elas.
Demétria gastou algum tempo, estudando a irmã de Joseph. De fato, Miley era muito bonita. Tinha uns grandes olhos castanhos e o cabelo de uma cor castanha dourada. Aquilo era uma surpresa, mas uma vez que a sujeira estava eliminada, as mechas loiras eram claramente visíveis.
Não se parecia muito com Joseph, mas não havia dúvida de que compartilhava a mesma teimosia dele. Demétria se obrigou a ser paciente.
Transcorreu ao menos uma hora antes que Miley finalmente olhasse para Demétria.
- O que quer de mim? – ela perguntou.
- Quero que me conte o que aconteceu.
O rosto de Miley imediatamente enrubesceu.
- Quer todos os detalhes, Demétria? Isso vai lhe dar prazer? - perguntou Miley, começando a torcer a manga da camisola de dormir recém-lavada que estava vestindo.
- Não, não me dará nenhum prazer - respondeu Demétria com voz cheia de tristeza -. Mas você tem necessidade de contar. Há muito veneno dentro de você, Miley, e precisa se libertar dele. Você se sentirá melhor depois disso, prometo a você. E então você não terá que continuar representando seu drama infantil diante de seus irmãos.
Miley arregalou os olhos.
- Como sabe que...?- começou a dizer, e de repente percebeu que estava se denunciando.
Demétria sorriu.
- É evidente até para o mais lerdo que você não me odeia. Nossos caminhos se cruzaram a cada dia, e você nunca gritou comigo. Não, Miley, seu ódio foi muito deliberado.
- Eu realmente odeio você.
- Não me odeia - afirmou Demétria -. Não tem razão alguma me odiar. Eu não fiz nada para prejudicá-la. Nós duas somos inocentes e nós duas estamos presas nesta guerra entre nossos irmãos. Sim, nós duas somos inocentes.
- Eu já não sou inocente - respondeu Miley -. E Joseph foi para sua cama a cada noite, assim duvido muito de que você continue a ser inocente.
Demétria ficou estarrecida com as palavras de Miley. Por que ela pensava que Joseph tinha passado suas noites com ela? Ela estava enganada, naturalmente, mas Demétria se obrigou a se concentrar no problema de Miley. Ela poderia questionar sua inocência mais tarde.
- Eu mataria seu irmão, se tivesse a oportunidade de fazê-lo - avisou Miley -. Por que você simplesmente não me deixa em paz? Quero morrer em paz.
- Esses pensamentos tão pecaminosos nunca deveriam sair de seus lábios - contestou Demétria -. Miley, como vou poder ajudá-la se você ...?
- Por quê? Por que você iria querer me ajudar? Você é a irmã de Sebastian.
- Não guardo nenhuma lealdade a meu irmão. Ele destruiu esse sentimento já faz muito tempo. Quando conheceu Sebastian? – ela perguntou em um tom bem despreocupado, como se realmente aquilo não tivesse nenhuma importância.
- Eu o conheci em Londres - respondeu Miley -. E isso é tudo o que vou lhe dizer.
- Vamos falar sobre isso sem importar quão doloroso possa ser. Nós só temos uma à outra, Miley. Eu manterei seus segredos a salvo.
- Segredos? Não há segredos, Demétria. Todo mundo sabe o que me aconteceu.
- Ouvirei a verdade de sua boca - anunciou Demétria -. Ainda que tenhamos que permanecer sentadas aqui nos olhando durante toda a noite, porque eu lhe asseguro que estou mais que disposta a isso.
Miley contemplou Demétria em silêncio durante um bom tempo, obviamente tratando de se decidir. Sentia-se prestes a estourar em mil pedaços. Deus, estava muito cansada daquela decepção, além de se sentir muito só.
- E contará até a última palavra a Sebastian quando voltar com ele? - perguntou, embora agora sua voz se convertesse em um sussurro enrouquecido.
- Nunca voltarei com ele - disse Demétria, e sua voz refletia a ira que sentia -. Tenho um plano para ir morar com minha prima. Eu ainda não sei como vou fazer isso, mas chegarei a Escócia ainda que tenha que ir andando.
- Eu acredito em você quando diz que não o contará nada a Sebastian. Mas, e quanto a Joseph? Vai contar para ele?
- Não contarei a ninguém a menos que você me dê permissão para fazê-lo - respondeu Demétria.
- Conheci seu irmão quando eu estava na corte - murmurou Miley -. Sebastian é um homem muito atraente - ela acrescentou -. Disse que me amava, e se comprometeu comigo.
Miley começou a chorar, e vários minutos se passaram antes que ela pudesse recuperar seu controle.
- Eu já estava noiva do barão Liam. O compromisso foi acertado quando eu só tinha dez anos, e me senti muito feliz até que conheci Sebastian. Eu não voltei a ver Liam desde que era uma criança. Juro por Deus que nem sequer estou certa de reconhecê-lo agora. Joseph me deu permissão para que fosse a corte acompanhada por Kevin e Nicholas, acreditava-se que Liam estaria a ali, e que os votos do casamento seriam trocados no verão seguinte. Meus irmãos pensaram que seria uma boa ideia que eu começasse a conhecer um pouco meu futuro marido. Joseph acreditava que, naquela época, Sebastian estivesse na Normandia com o rei, porque de outra maneira jamais teria permitido que eu me aproximasse da corte.
Miley respirou fundo e então continuou falando.
- Liam não estava ali. Tinha razões de sobra para não estar presente - acrescentou -, porque uma das residências de um de seus vassalos tinha sido atacada e ele tinha que revidar de alguma maneira. Mesmo assim, fiquei muito aborrecida e desapontada.
Então ela encolheu os ombros. Demétria se inclinou e pegou suas mãos.
- Eu também ficaria muito decepcionada - disse, tratando de consolá-la.
- Tudo aconteceu tão depressa, Demétria. Nós estávamos em Londres só há duas semanas. Eu já sabia o quanto Joseph desprezava Sebastian, mas não sabia a razão. Mantivemos nossos encontros em segredo. Ele sempre se mostrava muito carinhoso e atencioso comigo, e eu adorava toda aquela atenção. Os encontros também eram muito fáceis de organizar, porque Joseph não estava presente.
- Sebastian sempre encontra uma maneira - disse Demétria -. Eu acredito que ele a tenha usado para machucar seu irmão. É muito bonita, Miley, mas não acredito que Sebastian a quisesse. Ele não é capaz de querer ninguém além de si mesmo. Eu sei disso agora.
- Sebastian não chegou a me tocar.
A declaração caiu entre elas. Demétria ficou atordoada. Obrigou-se a manter o rosto impassível e então disse:
- Continue, por favor.
- Combinamos em nos encontrar em um aposento que Sebastian tinha encontrado vazio no dia anterior. O quarto ficava bastante afastado do resto dos convidados, e estava muito isolado. Eu sabia muito bem o que estava fazendo, Demétria. Eu concordei com aquele encontro. Eu estava convencida de que amava seu irmão. Sabia que aquilo era errado, mas não podia evitar o que estava sentindo. Meu Deus, Sebastian era tão atraente... Santo céu, Joseph me mataria se chegasse a saber a verdade.
- Não se atormente, Miley. Ele não saberá nada disso, a menos que você o diga.
- Sebastian veio a meu encontro tal como tínhamos combinado - disse Miley -. Mas não estava sozinho. Um amigo dele o acompanhava e foi ele quem... ele me violou.
O tempo que Demétria passou aprendendo a esconder seus sentimentos foi o que a salvou naquele momento, porque lhe permitiu não mostrar nenhum sinal exterior ante a surpreendente admissão de Miley.
A irmã de Joseph contemplou Demétria, esperando ver sua repulsa.
- Isso não lhe faz...?
- Termine - sussurrou Demétria.
Toda a sórdida história finalmente saía à luz, primeiro de forma entrecortada e titubeante e depois com uma crescente rapidez; e quando Miley por fim terminou de falar, Demétria lhe deu alguns minutos para que pudesse se acalmar.
- Quem era o homem que estava com Sebastian? Diga-me seu nome.
- Morcar.
- Eu conheço esse bastardo - repôs Demétria, sem poder evitar que a raiva aparecesse em sua voz. Miley parecia assustada com aquela explosão. Demétria tentou deixar sua raiva de lado -. Por que não contou a Joseph sobre isso? Não me refiro à parte de concordar em se encontrar com Sebastian, é claro, mas sobre o fato de Morcar estar envolvido?
- Não podia fazê-lo - respondeu Miley -. Sentia-me tão envergonhada... E recebi uma surra que realmente pensei que fosse morrer. Sebastian foi tão responsável quanto Morcar... Oh, não sei, mas quando eu mencionei o nome de Sebastian a Nicholas e Kevin, eles não quiseram ouvir nada mais.
Miley estava soluçando, mas Demétria rapidamente a deteve.
- Muito bem - disse, falando no tom mais tranquilo e despreocupado que era capaz -. Agora você vai me escutar. Seu único pecado foi se apaixonar pelo homem errado.
Eu gostaria que você contasse a Joseph sobre Morcar, mas essa decisão é sua, e não minha. Juro que guardarei seu segredo pelo tempo que você quiser que eu o faça.
- Confio em você - respondeu Miley -. Eu estive observando você a semana inteira. Não pode ser mais diferente que seu irmão. Nem sequer se parece com ele.
- Agradeço a Deus por isso - murmurou Demétria, falando de forma tão cheio de veemente que Miley sorriu,
- Mais uma pergunta, Miley, por favor. - Demétria perguntou -: Por que você estava se comportando de uma maneira tão enlouquecida? Fazia todo isto em benefício de seus irmãos?
Miley assentiu.
- Por quê? - perguntou Demétria, confusa.
- Quando cheguei em casa, compreendi que não iria morrer. E então comecei a me preocupar que pudesse levar o filho de Morcar. Nesse caso Joseph me obrigaria a casar, e...
- Você não pode acreditar que Joseph uniria você a Sebastian? - Demétria a interrompeu.
- Não, não - disse Miley -. Mas ele encontraria alguém. Sua única preocupação seria me ajudar.
- E você está com uma criança? - perguntou Demétria, sentindo que revolvia seu estômago diante da possibilidade.
- Eu não sei. Meu período não veio, mas não sinto nenhuma diferença e meus fluxos nunca foram muito regulares - disse Miley, ruborizando-se depois de ter feito aquela confissão.
- Talvez ainda seja muito cedo para saber – Demétria avisou -. Mas se você estiver, como pensa em esconder isso de Joseph? Ele pode ser teimoso, Miley, mas com certeza ele não é cego.
- Pensei em ficar em meu quarto até que já seja muito tarde, eu suponho. Soa tão tolo agora. Ultimamente não consigo pensar com muita clareza. Eu só sei que eu me matarei antes de ser obrigada a me casar com qualquer um.
- E quanto ao barão Liam? - perguntou Demétria.
- Agora o contrato ficou desfeito - disse Miley -. Já não sou mais virgem.
Demétria suspirou.
- O barão avisou sobre isso?
- Não - respondeu Miley -, mas Joseph diz que agora Liam já não terá que honrar sua palavra.
Demétria assentiu.
- E sua principal preocupação é que Joseph force um casamento?
- Isso mesmo.
- Então a primeira coisa que faremos será enfrentar essa preocupação. Vamos traçar um plano para livrá-la desta preocupação.
- Vamos?
Demétria ouviu a ansiedade que havia na voz de Miley, e também viu o brilho de esperança que iluminou seus olhos. Aquilo fez com que se sentisse ainda mais decidida. Incapaz de permanecer sentada um minuto a mais, Demétria se levantou e começou a andar em um lento círculo ao redor das cadeiras.
- Não acredito, nem por um instante, que seu irmão seja cruel o bastante para exigir que você se casasse com qualquer um. - Ela levantou a mão quando percebeu que Miley ia interrompê-la, e continuou falando -. Todavia, o que eu acredito não é importante. E se eu conseguisse arrancar de Joseph a promessa de que você poderá viver aqui durante todo o tempo que quiser, sem importar quais sejam as circunstâncias? Isso aliviaria seus temores, Miley?
- Você teria que dizer a ele que possivelmente eu carrego um filho comigo?
Demétria não respondeu imediatamente. Continuou fazendo seu círculo, perguntando-se como em nome de Deus ia conseguir que Joseph lhe prometesse alguma coisa.
- É obvio que não - respondeu. Ela se deteve quando estava exatamente na frente de Miley e sorriu para a moça -. Antes obterei sua promessa. Ele não vai demorar a descobrir o resto, não é?
Miley sorriu.
- Tem uma mente muito desleal, Demétria. Agora entendo seu plano. Uma vez que Joseph tenha concordado, não voltará atrás e honrará sua palavra. Mas ficará furioso comigo por tê-lo enganado - acrescentou, enquanto seu sorriso murchava diante daquela nova preocupação.
- Joseph sempre está furioso comigo - respondeu Demétria, encolhendo os ombros -. Não tenho medo de seu irmão, Miley. Sua raiva é como um vendaval, mas estou certa de que debaixo de tudo isso há um ponto de brandura - acrescentou, rezando para si mesma para que não estivesse equivocada -. E agora, prometa-me que não continuará preocupada a respeito da possibilidade de carregar um filho. Você passou por uma prova muito dura, e essa poder ser a razão pela qual seu período ainda não veio - advertiu -. Sei tudo a respeito destas coisas porque, como pode ver, é o caso de Frieda, a mulher do lenhador, que sofreu um terrível aborrecimento quando seu filho caiu dentro do poço e demoraram muito tempo para tirá-lo de lá. O menino não sofreu nenhum mal, e agradeço a Deus por isso, mas ouvi que Frieda dizia a outra criada que não estava tendo o período há dois meses. A outra criada lhe explicou que essa era uma condição bastante natural, levando-se em conta todo o medo que tinha passado. Não me lembro como se chamava aquela mulher tão sábia, porque de outro modo compartilharia seu nome com você, mas acabou que ela tinha razão. Sim, porque no mês seguinte Frieda voltou a ter seu fluxo normalmente.
Miley assentiu.
- E se estiver com um bebê - continuou dizendo Demétria -, então nós duas cuidaremos dele, não é? Você não vai odiar esta criança, não é, Miley? – Demétria não conseguia manter a preocupação totalmente afastada de sua voz -. O bebê seria tão inocente como você, Miley.
- Teria uma alma tão negra como seu pai - disse Miley -. Compartilhariam o mesmo sangue.
- Pois se é assim que realmente funcionam as coisas, então eu estou tão condenada a ir ao inferno como Sebastian está, não é?
- Não, você não se parece em nada com seu irmão - protestou Miley.
- E seu filho também não será como Morcar. Você garantirá isso - disse Demétria.
- Como?
- Você vai amar o bebê e vai ajudá-lo a fazer as escolhas certas quando for grande o suficiente para entender.
Demétria suspirou e sacudiu a cabeça.
- Você pode não estar grávida de qualquer maneira, por isso, vamos deixar o assunto de lado por agora. Posso ver quão cansada você está. Antes que você possa dormir no seu quarto, terá que limpá-lo, por isso esta noite ficará em minha cama. Eu encontrarei outra.
Miley seguiu a sua nova amiga até a cama e a olhou enquanto Demétria puxava a roupa de cama.
- Quando pedirá essa promessa a Joseph?
Demétria esperou até que Miley estivesse na cama para responder.
- Amanhã falarei com ele. Vejo que isto tem muita importância para você. Não me esquecerei disso.
- Não quero que nenhum homem jamais volte a tocar em mim - disse Miley.
Sua voz tinha um tom tão áspero que Demétria temeu que voltasse a ficar novamente triste.
- Silêncio, agora - Demétria a tranquilizou enquanto arrumava os cobertores ao redor de Miley -. E agora descanse. Tudo vai ficar bem.
Miley sorriu ao ver como Demétria a mimava.
- Demétria? - murmurou -. Sinto muito pela maneira com que estive tratando você. Se eu soubesse que iria ajudar, pediria a Kevin que falasse com Joseph a respeito de leva-la até a Escócia.
Demétria percebeu que Miley pensava em falar com Kevin e não ir diretamente a Joseph. Aquele comentário reforçou sua crença de que Miley tinha um medo terrível de seu irmão mais velho.
Miley suspirou e depois disse:
- A verdade é que ainda não quero que você vá a lugar nenhum. Estive tão só que... É egoísmo de minha parte admitir isso?
- Não, isso é apenas sinceridade - replicou Demétria -. Um traço de caráter que admiro muito - acrescentou -. É por isso que eu nunca disse uma mentira em toda minha vida! - vangloriou-se.
- Nunca?
Demétria ouviu a risadinha de Miley e sorriu ao escutá-la.
- Não que eu possa me lembrar - disse -. E prometo ficar aqui durante todo o tempo que você precisar. Não sinto nenhuma vontade de viajar com um tempo tão frio.
- Você também foi desonrada, Demétria. Todo mundo pensa que...
- Está dizendo tolices - interrompeu Demétria -. Nenhuma de nós é responsável pelo que nos aconteceu, e nós duas somos honradas demais dentro de nossos corações. Isso é tudo o que me importa.
- Você tem ideias bem incomuns - disse Miley -. Eu pensei que você odiasse todos os membros da família Wexton.
- Bom, não resta dúvida de que seus irmãos são homens nada fáceis de se gostar - admitiu Demétria -. Mas não os odeio. Você sabia que me sinto segura aqui? É realmente impressionante, não? Ser uma prisioneira e sentir-se segura e a salvo ao mesmo tempo... essa sim é uma verdade que vale a pena refletir.
Demétria franziu o cenho enquanto aquela assombrosa verdade enchia sua cabeça.
- Bem - disse a si mesma -, terei que pensar sobre isso um pouquinho mais.
Aplaudiu o braço de Miley e se virou para ir até a porta.
- Não fará nenhuma tolice a respeito de Morcar, não é, Demétria?
- Por que você me pergunta sobre tal coisa? - quis saber Demétria.
- Pela expressão que apareceu em seu rosto quando eu disse seu nome -respondeu Miley -. Não fará nada, não é?
Miley voltava a ficar assustada
- Você tem uma imaginação muito ativa - disse Demétria -. Isso nos dá outra coisa em comum - acrescentou, evitando sabiamente o tema Morcar.
Sua mutreta funcionou, porque Miley voltava a sorrir.
- Parece que esta noite não vou ter pesadelos. Estou muito cansada. Você precisa se deitar logo, Demétria. Vai precisar estar descansada para sua conversa com Joseph.
- Você acredita que Joseph me deixará sem forças? - perguntou Demétria.
- Não você - respondeu Miley -. Você é capaz de conseguir que Joseph lhe prometa qualquer coisa.
Deus, a irmã tinha tanta confiança nela que Demétria sentiu como se seus ombros se curvassem.
- Vejo a maneira com que Joseph olha para você. E você salvou a vida de Nicholas. Ouvi como ele contava a história a Kevin. Lembre isso a Joseph e ele não será capaz de negar nada a você.
- Durma, Miley.
Demétria já se estava quase fechando a porta quando as palavras de Miley fizeram com que se detivesse.
- Joseph nunca olhava para lady Eleanor da maneira que olha para você.
Demétria não pôde resistir.
- Quem é lady Eleanor? - perguntou, tentando não parecer muito interessada. Virou-se e olhou para Miley, e pela maneira com que a irmã sorria para ela, Demétria pensou que provavelmente não tivesse conseguido enganá-la.
- A mulher com quem Joseph está pensando em casar-se.
Demétria não mostrou nenhuma reação visível. Assentiu, indicando que tinha ouvido Miley.
- Pois nesse caso sinto muito por ela - disse -. Lady Eleanor vai ter as mãos muito ocupadas vivendo com seu irmão. Não se ofenda, Miley, mas acredito que seu irmão é muito arrogante.
- Disse apenas que Joseph estava pensando em se casar com ela, Demétria. Mas ele não o fará.
Demétria não respondeu. Fechou a porta detrás dela e cruzou o patamar antes de começar a chorar.