Os ímpios fogem sem que haja ninguém a persegui-los;
mas os justos são ousados como um leão
Provérbios, 28, 1.
Santo
Deus, seriam atacados. Paralisada pelo estupor, Demétria começou a tremer de
medo. O fato de ter perdido o controle de si mesma com tanta rapidez a
enfureceu imensamente. Demétria jogou os ombros para trás, resolvida a pensar
com lógica. Inspirou uma profunda e tranquilizadora respiração. Assim, disse a
si mesma, agora posso decidir o que tenho a fazer.
OH,
como desejou ser valente! Suas mãos estavam começando a ter cãibras, e só então
percebeu que estava espremendo as pregas de sua capa com tal força que seus
dedos doíam por causa da pressão.
Demétria
sacudiu a cabeça, rezando para que a ajuda divina a ajudasse a se decidir.
Com
certeza, como prisioneira de Joseph, não tinha o dever de alertá-lo a respeito
da ameaça que se estava aproximando. Podia ficar em silêncio e fugir logo que
começasse a batalha.
Aquela
possibilidade não demorou a ser descartada, porque Demétria compreendeu que
caso fizesse tal coisa, então haveria ainda mais mortes. Se avisasse a Joseph, possivelmente
poderiam se apressar em sair daquele lugar. Sim, se saíssem imediatamente dali
poderiam chegar a se afastar o suficiente para que não pudessem atacá-los, e
dessa maneira a batalha não iria acontecer. Por acaso salvar vidas não era mais
importante que seu próprio plano de fuga?
Demétria
decidiu que ia interceder. Recolheu as saias de seu vestido, correu em busca de
seu captor, pensando que era muito irônico que fosse ela que o advertisse do
iminente ataque.
Joseph
estava de pé no centro de um círculo de soldados, com Nicholas junto dele.
Demétria foi avançando ao redor dos homens e se deteve quando esteve atrás de
Joseph.
-
Quereria ter uma conversa com você, barão - interrompeu Demétria.
Sua
voz quebrou por causa da tensão, e suas palavras apenas chegaram a ter um pouco
de volume. Sem dúvida essa foi a razão pela qual Joseph não deu importância ao
seu pedido, já que simplesmente não a escutou.
-
Tenho que falar com você - disse Demétria, repetindo seu pedido em um tom bem
mais alto. Depois se atreveu a tocar seu ombro.
Joseph
continuou sem lhe dar confiança.
Demétria
voltou a tocá-lo, agora fazendo-o com mais força que antes.
Joseph
aumentou o tom de sua voz, enquanto continuava falando com seus homens a
respeito de algum assunto que Demétria sabia que tinha que ser totalmente
insignificante, em comparação com o que ela estava tentando lhe dizer.
Deus,
mas que teimoso era aquele homem! Demétria retorceu suas mãos, ficando ainda
mais alarmada, a cada segundo que passava, e consumindo-se de preocupação ao
pensar que todos aqueles soldados, que agora mesmo estavam subindo pelas
colinas, podiam cair sobre eles a qualquer momento.
De
repente a frustração de ter que esperar sem poder fazer nada até que Joseph se
dignasse reconhecer sua presença se voltou insuportável. A ira tomou o
controle. Utilizando até o último grama de força que possuía, Demétria chutou
Joseph completamente. O alvo que escolheu para semelhante ação foi a parte de
trás do joelho direito do barão, e sua pontaria não pôde ser mais certeira.
Demétria
compreendeu imediatamente a insensatez de sua temerária ação, quando uma
terrível pontada de dor subiu por sua perna. Os dedos de seu pé certamente
estariam quebrados devido ao tremendo impacto, e o único consolo que encontrou
para a dor que acabava de infligir-se foi o fato de que, por fim, tinha
conseguido atrair a atenção de Joseph. E de uma maneira bastante rápida, além
disso. Joseph se voltou para ela, movendo-se com a celeridade de um lobo,
quando se dispõe a saltar sobre sua presa.
Parecia
achar-se mais assustado que furioso. Demétria não pôde evitar fixar-se em suas
mãos, apertadas em punhos, mas que permaneciam imóveis sobre seus quadris.
Enquanto torcia o rosto por causa da dor que sentia nos dedos de seus pés,
Demétria descobriu que agora era igualmente doloroso olhar diretamente no rosto
de Joseph. O que fez em vez disso foi virar-se para olhar para Nicholas e ao
fazê-lo aliviou seu desconforto, porque agora o rosto do irmão refletia a
expressão mais ridícula que se pudesse imaginar.
-
Eu gostaria de ter uma palavra com você a sós - declarou Demétria, quando por
fim se sentiu capaz de voltar a olhar para Joseph
A
preocupação que tinha ouvido na voz de Demétria despertou a curiosidade de
Joseph. Assentiu e, agarrando-a pelo braço, levou-a para o outro lado do
acampamento.
Demétria
tropeçou duas vezes.
Em
um dado momento Joseph suspirou, um suspiro bem prolongado e cheio de cansaço;
Demétria soube que isso iria beneficiá-la.
Demétria
pouco se incomodava se Joseph a fizesse se sentir sem importância como se fosse
um espinho em sua pele. Assim que ela se explicasse, Joseph não iria mais
considerar sua interrupção como um incômodo. De fato, inclusive podia chegar a
lhe agradecer, embora Demétria duvidasse que aquele homem fosse capaz de
semelhante reação.
E
o que era ainda mais importante, as mortes poderiam ser evitadas. Esse
pensamento lhe deu a coragem necessária para olhar para Joseph, diretamente nos
olhos.
-
Uns homens estão vindo pelo vale - disse.
Demétria
tinha esperado que houvesse uma reação imediata diante de sua informação, mas
Joseph se limitou a olhá-la em silêncio. Não mostrou absolutamente nenhuma
reação.
Aquilo
fez com que Demétria se visse obrigada a repetir suas palavras.
-
Alguns soldados vêm para cá subindo pelas colinas - disse -. Pude ver o sol
refletindo-se em seus escudos. Não acha que deveria fazer algo a respeito?
Acaso
ia transcorrer toda uma eternidade antes que, por fim, chegasse a empreender
algum tipo de ação? Demétria considerou aquela possibilidade enquanto esperava
que Joseph dissesse algo.
Ele
estava olhando para ela da maneira mais inquietante possível, com seu duro e
anguloso rosto mostrando claramente a perplexidade que sentia. Demétria também
acreditou ver cinismo ali, naqueles olhos cinza que a gelavam com o olhar.
Finalmente, chegou à conclusão de que Joseph estava tentando decidir se ela
estava dizendo a verdade.
-
Eu nunca disse uma mentira em toda minha vida, barão - assegurou-lhe -. Se me
seguir, vou mostrar que digo a verdade.
Joseph
contemplou àquela bonita jovem que se mantinha tão orgulhosamente erguida na
frente dele. Grandes olhos azuis elevavam o olhar para ele para observá-lo em
uma imensa confiança. Mechas de cabelos castanho avermelhado flutuavam através
de suas bochechas. A bolinha de terra que havia em um lado de seu nariz atraía
a atenção de Joseph.
-
Por que me faz esta advertência? - perguntou-lhe.
-
Por quê? Para que possamos nos afastar deste lugar o mais depressa possível -
respondeu Demétria, franzindo o cenho ante a estranha pergunta que Joseph
acabava de lhe fazer -. Não quero que haja mais mortes.
Joseph
assentiu, satisfeito com sua resposta, e chamou Nicholas com um gesto. Seu irmão
ficou imóvel a seu lado, tratando de ouvir o que ele estava dizendo.
-
Lady Demétria acaba de perceber que estão nos seguindo - observou Joseph.
Nicholas
se mostrou surpreso. Ele não tinha chegado a perceber, em nenhum momento, que
estivessem sendo seguidos, e se virou para olhar para Demétria.
-
Estão-nos seguindo? - perguntou -. Sabe disso há quanto tempo, Joseph?
-
Desde o meio-dia - respondeu Joseph, encolhendo os ombros.
-
São saqueadores? - inquiriu Nicholas.
Sua
voz se suavizou em uma tentativa de imitar a atitude de despreocupação que
tinha visto seu irmão adotar. Por dentro, enfurecia-se com o fato de Joseph ter
ficado em silêncio ao longo de toda a tarde. Mas também se sentia bastante
perplexo, e se perguntava por que razão Demétria ter-lhes-ia advertido.
-
Não são saqueadores, Nicholas.
Um
momento de silêncio, que pareceu não ia terminar nunca, prolongou-se entre os
dois irmãos antes que uma sombra de compreensão passasse velozmente pelo rosto
de Nicholas.
-
O rato persegue o lobo? - perguntou.
-
Se Deus quiser, desta vez ele está à frente de seus homens - respondeu Joseph.
Nicholas
sorriu. Joseph assentiu e, então, continuou falando.
-
Eu pensei enfrentá-los um pouco mais perto de casa, em Creek Crossing, mas as
colinas abaixo de nós, pode nos proporcionar a mesma vantagem. Diga aos homens
que se preparem.
Nicholas
deu meia volta e correu através da clareira, gritando a ordem de montar.
Demétria
tinha ficado muito atônita para que conseguisse falar. Seu plano de dar o
aviso, a fim de que pudesse evitar que houvesse uma batalha, se evaporou assim
que a risada de Nicholas chegou até ela. Mas não tinha entendido qual podia ser
o significado da breve conversa mantida pelos irmãos. Tinham falado em
adivinhações, dizendo bobagens sobre ratos e lobos.
-
Então eu estava certa - balbuciou finalmente -. Na realidade, você é igual a
Sebastian, não é?
Joseph
ignorou seu ataque de fúria.
-
Monte em meu cavalo, Demétria - disse-lhe -. Iremos ao encontro de seu irmão
juntos.
Demétria
estava muito furiosa para que passasse por sua cabeça protestar. Disse a si
mesma que Joseph jamais viraria as costas a um combate. Acaso não tinha
aprendido aquela lição quando tentou convencê-lo de sair das terras de
Sebastian?
Antes
que pudesse perceber o que acabava de fazer, Demétria se viu instalada em cima
da garupa de Silenus. Sua ira tinha feito com que se esquecesse a respeito de
seu medo, e agora nem sequer podia se lembrar por qual dos lados tinha montado
no cavalo.
Joseph
foi até ela, agarrou as rédeas e começou a conduzir ao animal através da
clareira.
Demétria
se agarrou à sela de montar para continuar com vida, inclinando os ombros para
frente para aquele duro trabalho. Os estribos eram muito baixos para que seus
pés pudessem alcançá-los, e seu traseiro batia a cada passo que dava o animal.
Lamentavelmente, Demétria sabia que era inexperiente em montar, e agradeceu que
Joseph não estivesse olhando para ela.
-
Com que nome você chama seu cavalo? - perguntou.
-
Cavalo - respondeu Joseph, falando por cima do ombro -. Meu animal é um cavalo
e é assim que eu o chamo.
-
Tal como eu suspeitava. É tão frio e desumano que nem sequer foi capaz de
encontrar um tempo para nomear seu leal cavalo. Eu lhe dei um nome. Silenus. O
que lhe parece? - perguntou Demétria.
Joseph
se negou a responder àquela pergunta. O fato de Demétria ter o descaramento de
colocar um nome em seu cavalo deveria irritá-lo, mas seus pensamentos já
estavam concentrados na batalha que os aguardava. Joseph não iria se distrair
por uma conversa tão insignificante.
Demétria
sorriu para si mesma, sentindo-se muito satisfeita com a maneira com que soube
provocá-lo. Então, Ansel apareceu junto dela, trazendo consigo outro cavalo,
uma montaria salpicada de cinza que parecia ser muito mais dócil que Silenus.
Joseph se virou para Demétria, jogou-lhe as rédeas sem dizer uma palavra e
montou no cinzento.
O
sorriso congelou bruscamente no rosto de Demétria. Agarrou as rédeas que
acabavam de lhe jogar, sentindo-se terrivelmente aflita quando percebeu que
Joseph esperava que fosse ela que guiasse o animal. O cavalo deve ter percebido
a preocupação que a embargava, porque em seguida começou a afastar-se para o
lado. Seus pesados cascos atingiam o chão com uma força suficiente para
desmontar Demétria, que lamentou ter feito um bom trabalho na hora de fingir
que sabia montar.
Nicholas
apareceu do outro lado de Demétria, cavalgando sobre um cavalo castanho. Em
seguida obrigou sua montaria a aproximar-se do cavalo de Joseph, efetivamente
bloqueando a passagem do arisco animal.
-
Ainda estão a certa distância daqui - observou, depois, dirigiu-se a seu irmão
mais velho por cima da cabeça de Demétria -. Vamos esperá-los, irmão?
-
Não - respondeu Joseph -. Iremos encontrá-los no meio do caminho.
Os
soldados já estavam em formação atrás do trio, armando um terrível barulho
enquanto o faziam. Demétria pareceu que Joseph esperava até que o ruído teve
diminuído um pouco antes de dar o sinal.
-
Ficarei aqui até que retorne - disse então a Joseph.
Sua
voz tinha-se mostrado cheia de desespero. Joseph se virou para olhá-la, sacudiu
a cabeça e virou novamente para o vale.
-
Eu ficarei aqui - anunciou Demétria.
-
Não o fará - replicou Joseph, sem sequer se incomodar em lhe dirigir o olhar
por um instante, enquanto lançava aquela áspera negativa.
-
Você pode me amarrar em uma árvore - sugeriu Demétria.
-
Ah, lady Demétria, mas acredito que não vai querer negar a Sebastian a visão de
seu lindo rosto, não é? - Nicholas fez aquela pergunta com um sorriso no seu -.
Prometo-lhe que será a última coisa que ele verá antes de morrer - acrescentou
o irmão mais novo de Joseph.
-
Você dois vão se deliciar com esta batalha, não é verdade? - perguntou
Demétria. Estava tão atônita que sua voz tremia.
-
Não resta dúvida de que eu desfrutarei com ela - respondeu Nicholas, encolhendo
os ombros.
-
Parece-me que está tão louco como seu irmão, Nicholas - disse Demétria.
-
Você sabe que temos uma boa razão para querer ver seu irmão morto - anunciou
Nicholas, e o sorriso foi abandonando lentamente seu rosto -. Da mesma maneira
em que você deve querer nos ver mortos - acrescentou, zombando dela com um
desdém deliberado em sua voz.
Demétria
se apressou a olhar para Joseph para ver de que maneira ele reagia à observação
que seu irmão acabava de fazer, mas o barão não parecia estar prestando nenhuma
atenção na conversa deles. Voltou-se novamente para o Nicholas.
-
Entendo por que querem matar Sebastian. E o que não quero é que você ou seu
irmão morram neste confronto, Nicholas - acrescentou -. Por que pensa que
desejo tal coisa?
Nicholas
franziu o cenho, visivelmente confuso.
-
Por que tipo de idiota você me toma, lady Demétria? - perguntou então -. Agora
tenta me dizer que não vai tomar partido de Sebastian, não é? Sebastian é seu
irmão.
-
Não tomarei partido de ninguém - arguiu Demétria -. Não quero que ninguém
morra.
-
Oh, agora vejo qual é seu plano - replicou Nicholas, que estava quase gritando
-. Vai esperar para ver quem será o ganhador e então vai escolher o bando ao
qual vai se unir. Muito ardiloso de sua parte, realmente.
-
Acredite no que quiser - respondeu Demétria -. Você se parece muito com seu
irmão - acrescentou, sacudindo a cabeça.
Quando
Nicholas sorriu, Demétria percebeu que se havia ele estava bem satisfeito com
seu comentário.
-
Não estou fazendo nenhum elogio, Nicholas - esclareceu -. É justamente o
contrário. Está demonstrando que é tão teimoso e implacável como Joseph. Parece
que desfruta matar tanto quanto ele - concluiu.
Por
dentro Demétria não podia evitar se sentir horrorizada ante a maneira com que
tinha tentado manipular Nicholas, até conseguir que ele perdesse o controle,
mas, e que Deus a ajudasse, não parecia ser capaz de se conter.
-
Pode me olhar nos olhos e honestamente dizer que não me odeia? - perguntou
Nicholas. Estava tão furioso que marcava claramente sua veia no pescoço.
Demétria pensou que queria atingi-la.
-
Não odeio você, Nicholas. Admito que eu gostaria de odiá-lo, mas não odeio.
-
E por que não me odeia? - perguntou Nicholas.
-
Porque você ama sua irmã.
Nicholas
se dispôs a dizer a Demétria que acreditava que ela fosse a mulher mais tola
que ele já havia encontrado, quando Joseph atraiu sua atenção. O irmão mais
novo se esqueceu imediatamente de Demétria e deu meia volta para levantar sua
espada.
Joseph
finalmente deu o sinal. De repente Demétria se sentiu tão aterrada que nem
sequer pôde se lembrar de uma de suas preces.
Ia
ser um combate de morte? Demétria já sabia o suficiente sobre a teimosia de
Joseph para ter a certeza de que não se importava com quem estivesse contra
ele.
Ela
tentou, mas não conseguiu contar o número de soldados que estavam subindo pelas
colinas. Cobriam o chão como gafanhotos.
Voltavam
a superar o número de homens de Joseph?
Demétria
pensou que aquilo seria uma autêntica carnificina, e todo porque Joseph ia
lançar o desafio de honra e Sebastian não. Era algo muito fácil de entender,
mas que sempre estaria além da compreensão de alguém como o barão de Wexton.
Era evidente que Joseph tinha esquecido como tinha sido enganado por Sebastian
para que acreditasse que este faria honra à trégua temporária que tinham
acordado entre os dois. Foi assim que Sebastian havia capturado Joseph,
mediante um simples engano.
Demétria
conhecia Sebastian muito melhor que Joseph. Se ele sentisse que o aroma da
vitória estava de seu lado, então seu irmão lutaria como um animal.
Demétria
disse a si mesma que não lhe importava quem terminasse reivindicando a vitória.
Se eles desejavam se matar uns aos outros, então que fosse assim. Seriam suas
vontades que iriam prevalecer, não a dela.
-
Eu não vou me importar - sussurrou uma e outra vez, até que suas palavras se
converteram em um cântico desesperado.
Mas,
por mais que ela pronunciasse aquelas palavras, Demétria não podia fazer com
que elas fossem verdadeiras.
FELIZ NATAAALLLLLL
Feliz Natal!!!
ResponderExcluirMeu Deus pra que mais briga tão cedo
POSTA LOGO