Além disso, irmãos,
Atendam a tudo que há
De verdadeiro, de nobre,
De justo, de puro, de.
Amável, de louvável, de
Virtuoso e digno
De louvor; eis o que deve ocupar
Vossos pensamentos.
Epístola aos Filipenses, 4, 8
Inglaterra,
1099
Pretendiam
matá-lo.
O
guerreiro estava de pé no centro do pátio deserto, com as mãos atadas às costas
e presas por uma corda a um poste que tinha sido enfiado no chão atrás de suas
costas. Sua expressão estava desprovida de qualquer emoção, enquanto olhava
para frente, aparentemente ignorando seus inimigos.
O
prisioneiro não tinha oferecido nenhum tipo de resistência, permitindo que seus
captores o despissem até a cintura sem nem sequer levantar um punho ou
pronunciar uma única palavra de protesto. Sua magnífica capa de inverno,
forrada de pele, sua grossa cota, sua camisa de algodão, suas meias e suas
botas de couro, tinham-lhe sido arrancadas e jogadas no chão gelado, diante
dele. A intenção que guiava seus inimigos não podia ser mais clara. O guerreiro
morreria, mas sem que sua morte trouxesse nele nenhuma nova marca para
acrescentar ao seu corpo, já marcado pelas cicatrizes de batalha. Enquanto sua
ávida audiência olhava, o prisioneiro podia contemplar seus trajes, enquanto ia
congelando até morrer.
Doze
homens o rodeavam. Com as facas desembainhadas para terem coragem, aqueles
homens andavam em círculos ao redor do prisioneiro, zombando dele e
gritando-lhe insultos e obscenidades, enquanto seus pés, calçados com botas,
chutavam o chão em um esforço por manter a gélida temperatura à distância.
Mesmo assim, todos, e cada um deles, se mantinham a uma prudente distância do
homem, no caso de seu dócil prisioneiro mudar subitamente de ideia e decidir se
liberar de suas amarras e atacá-los. Não lhes restava nenhuma dúvida de que ele
era perfeitamente capaz de tal façanha, porque todos tinham escutado as
histórias que se contavam de sua força hercúlea. Alguns, inclusive, tinham
podido presenciar, em uma ou duas ocasiões, as tremendas proezas que ela era
capaz de fazer no curso de uma batalha. E se o prisioneiro se livrasse das
cordas que o prendiam ao poste, os homens seriam obrigados a utilizar suas
facas, mas não antes de o guerreiro ter enviado três, possivelmente, até mesmo,
quatro deles, à morte.
O
líder do grupo de doze homens não podia acreditar em sua boa sorte. Tinham
capturado o Lobo e não demorariam a presenciar sua morte.
Que
engano tão terrível tinha cometido seu prisioneiro ao deixar-se arrastar pela
temeridade! Sim, Joseph, o poderoso barão dos feudos de Wexton, tinha entrado
na fortaleza de seu inimigo cavalgando completamente só, e sem levar consigo uma
única arma com a qual pudesse se defender. Tinha cometido a insensatez de
acreditar que Sebastian, um barão assim como ele em título, honraria a trégua
temporária que havia entre eles.
Tem
que estar muito satisfeito com sua própria reputação, pensou o líder deles.
Realmente devia se achar tão invencível como afirmavam ser naquelas histórias
de grandes batalhas, que até tinham chegado a exagerar em sua figura. Sem
dúvida, essa era a razão para o barão de Wexton parecer se sentir tão pouco
preocupado pelas terríveis circunstâncias nas quais se encontrava agora.
Uma
vaga sensação de inquietação foi-se infiltrando, pouco a pouco, na mente do
líder, enquanto contemplava seu prisioneiro. Tinham-no despojado de toda sua
coragem, fazendo em farrapos o emblema que proclamava seu título e sua
dignidade, e assegurando-se de que não ficasse nem um só vestígio do nobre
civilizado. O barão Sebastian queria que seu prisioneiro morresse sem nenhuma
dignidade ou honra. E, entretanto, o guerreiro quase nu, que tão orgulhosamente
se elevava ante eles, não estava respondendo ao menor dos desejos de Sebastian.
O barão de Wexton não estava se comportando como poder-se-ia esperar de um
homem que vai morrer. Não, o prisioneiro não suplicava por sua vida ou
choramingava pedindo um rápido final. Tampouco tinha o aspecto de um
agonizante. Não tinha ficado arrepiado e sua pele não tinha empalidecido, mas
sim continuava bronzeada pelo sol e curtida pela exposição à intempérie.
Maldição, mas se nem sequer tremia! Sim, eles tinham despido o nobre, e,
entretanto, debaixo de todas as capas de refinamento, continuava presente o
orgulhoso senhor da guerra, mostrando-se tão primitivo e carente de medo como
arejavam todas aquelas histórias que corriam a respeito dele. O Lobo tinha
ficado subitamente revelado diante de seus olhos.
As
brincadeiras dos primeiros momentos já tinham cessado. Agora só se podia ouvir
o barulho do vento que uivava através do pátio. O líder dirigiu sua atenção
para seus homens, que permaneciam imóveis formando uma roda de pessoas a uma
pequena distância dele. Todos mantinham os olhos cravados no chão. Ele sabia
que evitavam olhar seu prisioneiro. Não podia culpá-los por aquela exibição de
covardia, mas para ele também era muito difícil o trabalho de olhar diretamente
nos olhos do guerreiro.
Joseph,
o barão das terras de Wexton, era, ao menos, uma cabeça mais alto que o mais
corpulento dos soldados que o custodiavam. Também era igualmente imenso em suas
proporções. Com seus grossos e musculosos ombros e coxas, e com suas longas e
fortes pernas bem separadas e firmemente plantadas no chão, sua postura
indicava que era capaz de matar a todos... No caso de se sentir inclinado a
fazer isso.
A
escuridão já estava começando a descer sobre a terra, e com ela chegou uma
pequena neve. Então os soldados começaram a se queixar do mau tempo que estava
fazendo.
-
Não temos nenhuma necessidade de morrer de frio junto dele - murmurou um deles.
-
Ainda vai demorar horas para morrer - queixou-se outro -. Já faz mais de uma
hora que o barão foi embora. Sebastian nunca saberá se ficamos do lado de fora
ou não.
Os
outros estavam de acordo com vigorosos grunhidos e assentimentos de cabeça,
fazendo vacilar o homem que os controlava. O frio também estava começando a
irritá-lo. Sua inquietação crescia aos poucos, porque a princípio tinha estado
firmemente convencido de que o barão de Wexton não se diferenciava em nada dos
outros homens. Tinha certeza de que àquela altura já teria caído, e agora
estaria gritando bastante atormentado. A arrogância daquele homem o enchia de
fúria. Por Deus, ele parecia aborrecido com a presença deles!
Viu-se
obrigado a admitir que havia subestimado seu oponente. A admissão, que não era
nada fácil, fez com que a raiva se apoderasse dele. Seus próprios pés,
protegidos daquele clima terrível por grossas botas, ainda assim estavam
uivando de agonia, e, entretanto o barão de Wexton estava descalço e não tinha
se mexido nem trocado de posição desde que o ataram ao poste. Possivelmente
sim, haveria algo de verdadeiro nos relatos.
Amaldiçoou
sua supersticiosa natureza, ordenando a seus homens que se retirassem para o
interior. Quando o último deles partiu, o vassalo de Sebastian comprovou que a
corda estava bem presa e depois foi para seu prisioneiro e plantar-se diante
dele.
-
Dizem que é tão ardiloso como um lobo, mas não é mais que um homem e não
demorará a morrer como tal. Sebastian não quer que tenha feridas de faca
recentes sobre sua pessoa. Quando a manhã chegar, levaremos seu corpo a uns
quilômetros daqui. Ninguém poderá dizer que foi Sebastian quem esteve por trás
disto. - O homem pronunciou aquelas palavras em um tom zombeteiramente
depreciativo, sentindo-se cheio de fúria ao ver que seu prisioneiro nem sequer
se dignava baixar o olhar para ele, e acrescentou -: Se fosse possível fazer as
coisas da minha maneira, tiraria seu coração e terminaria logo com isso -
acrescentou, e então acumulou saliva dentro de sua boca para jogá-la na face do
guerreiro, esperando que aquele novo insulto, por fim, ganhasse algum tipo de
reação.
E
então o prisioneiro baixou lentamente o olhar para ele. Os olhos do barão de
Wexton se encontraram com os de seu inimigo. O que o homem que comandava
aqueles soldados viu neles fez com que tragasse saliva ruidosamente, enquanto
se apressava a retroceder assustado. Fez o sinal da cruz, em um insignificante
esforço por manter afastada a escura promessa que tinha lido nos olhos cinza do
guerreiro, e murmurou consigo mesmo que ele só estava cumprindo a vontade de
seu senhor. E depois correu para o amparo do castelo.
Das
sombras que se estendiam junto ao muro, Demétria olhava. Deixou que
transcorressem uns poucos minutos a mais para ter a certeza de que nenhum dos soldados
de seu irmão iria voltar; empregou da maneira mais apropriada esse tempo para
rezar, pedindo a coragem necessária para poder chegar a ver como seu plano
terminaria de forma satisfatória.
Demétria
estava arriscando tudo com aquele plano. Sabia que não havia nenhuma outra
escolha. Agora ela era a única pessoa que podia salvar o prisioneiro. Demétria
aceitaria as responsabilidades e as consequências de seus atos, sabendo muito
bem que se sua ação chegasse a ser descoberta, com toda certeza significaria
sua própria morte.
Suas
mãos tremiam, mas seus passos eram rápidos e decididos. Quanto mais rápido
terminasse, tanto melhor para sua paz de seu espírito. Logo teria tempo de
sobra para
começar
a se preocupar com suas ações, uma vez que aquele prisioneiro tão insensato
tivesse sido libertado.
Uma
longa capa preta cobria Demétria, completamente, da cabeça aos pés, e o barão
não percebeu sua presença até que a teve diretamente diante dele. Uma forte
rajada de vento separou o capuz da cabeça de Demétria, e uma juba de cabelos
avermelhados caiu até se deter abaixo dos ombros de uma esbelta figura.
Demétria separou uma mecha de cabelos de sua face e elevou seu olhar para o
prisioneiro.
Por
um instante ele pensou que sua mente estava lhe pregando uma peça. Joseph
chegou a sacudir a cabeça em uma rápida negativa. Então a voz de Demétria
chegou até ele, e Joseph soube que o que estava vendo não era fruto de sua
imaginação.
-
Em seguida vou soltá-lo - disse Demétria -. Rogo-lhe que não faça nenhum ruído
até que nos encontremos longe daqui.
O
prisioneiro não podia acreditar no que estava ouvindo. A voz de sua salvadora
soava tão clara como a mais pura das harpas, e era tão irresistivelmente
atraente como um dos dias quentes de verão. Joseph fechou os olhos, resistindo
ao impulso de rir às gargalhadas diante daquele estranho giro dos
acontecimentos, enquanto pensava por um instante em lançar o grito de batalha e
colocar ponto final ao equívoco; imediatamente rechaçou aquela ideia. Sua
curiosidade era muito forte. Resolveu que esperaria um pouco mais, pelo menos
até que sua salvadora tivesse revelado quais eram suas verdadeiras intenções.
A
expressão do prisioneiro permaneceu inescrutável. Guardou silêncio enquanto a
via tirar uma pequena adaga debaixo de sua capa. Estava perto dele o bastante
para que Joseph pudesse capturá-la com suas pernas, que estavam livres de
amarras; se as palavras que acabavam de sair de seus lábios ao final fossem
falsas, ou sua adaga iria para o coração do guerreiro, ou então ele seria obrigado
a esmagá-la.
Lady
Demétria não tinha nenhuma ideia do perigo que estava correndo. Apenas
concentrada em liberar o guerreiro de suas amarras, aproximou-se um pouco mais
do seu lado e começou o trabalho de cortar a grossa corda com o fio de sua
adaga. Joseph reparou em que suas mãos tremiam, e não pôde concluir se era por
causa do frio, ou pelo medo que sentia.
O
aroma de rosas chegou até ele. Quando inalou aquela suave fragrância, Joseph
decidiu que a gélida temperatura sem dúvida tinha nublado sua mente. Uma rosa
em meados do inverno, um anjo dentro daquela fortaleza do purgatório... Nenhuma
das duas coisas tinha o mínimo sentido para ele, e, entretanto, aquela jovem
cheirava às flores da primavera e parecia uma visão chegada dos céus.
Joseph
voltou a sacudir a cabeça. A parte mais lógica de sua mente sabia com toda
exatidão quem era aquela jovem. A descrição que tinham-lhe dado dela
correspondia com a realidade em cada um de seus detalhes, mas ao mesmo tempo
também parecia enganosa. Haviam-lhe dito que a irmã de Sebastian era de
estatura mediana e que tinha o cabelo castanho e os olhos azuis Que era muito
agradável de se ver, lembrou-se de que tinham-lhe informado isso também. Ah,
decidiu então, ali estava a falsidade. A irmã do diabo não era nem agradável
nem bonita, posto que era realmente magnífica.
Finalmente
a corda cedeu sob a adaga, e as mãos de Joseph foram liberadas. Permaneceu onde
estava, com sua expressão bem oculta. A jovem voltou a parar diante dele e o
presenteou com um pequeno sorriso, antes de dar meia volta e se ajoelhar sobre
o chão para começar a recolher as posses de Joseph.
O
medo tornou bem difícil aquela tarefa tão singela. A jovem cambaleou e quase
não voltou a se incorporar, mas depois recuperou o equilíbrio e acabou se virando
novamente para ele.
-
Siga-me, por favor - disse, dando as instruções.
Ele
não se moveu, e continuou onde estava, observando e esperando.
Demétria
franziu o cenho ante a hesitação do guerreiro, pensando consigo mesma que, sem
dúvida, o frio tinha paralisado sua capacidade de pensar. Apertou os objetos
dele contra seu peito com uma mão, deixando que suas pesadas botas pendurassem
nas pontas de seus dedos, e depois passou seu outro braço pela cintura dele.
-
Apoie-se em mim - sussurrou -. Vou ajudá-lo, prometo. Mas por favor, agora
temos que nos apressar. Seu olhar estava voltado para as portas do castelo e o
medo ressoava em sua voz.
Joseph
respondeu ao desespero da jovem. Quis lhe dizer que não precisavam se esconder,
já que seus homens estavam escalando os muros naquele mesmo instante, mas em
seguida mudou de ideia. Quanto menos ela soubesse, melhor para ele quando
chegasse o momento.
A
jovem apenas chegava ao ombro de Joseph, mas mesmo assim tratou corajosamente
de aceitar a carga de uma parte de seu peso, agarrando-o pelo braço e
apressando-se a passar por cima dos ombros.
-
Iremos ao alojamento do sacerdote visitante atrás da capela - disse em um suave
murmúrio -. É o único lugar no qual nunca eles nunca pensarão em olhar.
O
guerreiro não prestou muita atenção no que ela estava dizendo. Seu olhar se
dirigia para a parte superior do muro norte. A meia lua conferia um
fantasmagórico resplendor à frágil neve que estava caindo e mostrava seus
soldados, enquanto eles iam escalando o muro. Não se podia escutar um único
som, enquanto seus homens iam crescendo rapidamente em número com o passar do
caminho de madeira que discorria pelo alto do muro.
eu sei, outra historia de epoca, ainda mais antiga que a outra, mas foi a que ganhou na votaçao que fiz no face, tenho nada com isso....quero comentarios aqui ok!
Adoro histórias de época, são as melhores, posta logo
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