sexta-feira, 16 de novembro de 2018

ESPLENDOR DA HONRA Capítulo 1 PARTE 1



Além disso, irmãos,
Atendam a tudo que há
De verdadeiro, de nobre,
De justo, de puro, de.
Amável, de louvável, de
Virtuoso e digno
De louvor; eis o que deve ocupar
Vossos pensamentos.
Epístola aos Filipenses, 4, 8

Inglaterra, 1099

Pretendiam matá-lo.
O guerreiro estava de pé no centro do pátio deserto, com as mãos atadas às costas e presas por uma corda a um poste que tinha sido enfiado no chão atrás de suas costas. Sua expressão estava desprovida de qualquer emoção, enquanto olhava para frente, aparentemente ignorando seus inimigos.
O prisioneiro não tinha oferecido nenhum tipo de resistência, permitindo que seus captores o despissem até a cintura sem nem sequer levantar um punho ou pronunciar uma única palavra de protesto. Sua magnífica capa de inverno, forrada de pele, sua grossa cota, sua camisa de algodão, suas meias e suas botas de couro, tinham-lhe sido arrancadas e jogadas no chão gelado, diante dele. A intenção que guiava seus inimigos não podia ser mais clara. O guerreiro morreria, mas sem que sua morte trouxesse nele nenhuma nova marca para acrescentar ao seu corpo, já marcado pelas cicatrizes de batalha. Enquanto sua ávida audiência olhava, o prisioneiro podia contemplar seus trajes, enquanto ia congelando até morrer.
Doze homens o rodeavam. Com as facas desembainhadas para terem coragem, aqueles homens andavam em círculos ao redor do prisioneiro, zombando dele e gritando-lhe insultos e obscenidades, enquanto seus pés, calçados com botas, chutavam o chão em um esforço por manter a gélida temperatura à distância. Mesmo assim, todos, e cada um deles, se mantinham a uma prudente distância do homem, no caso de seu dócil prisioneiro mudar subitamente de ideia e decidir se liberar de suas amarras e atacá-los. Não lhes restava nenhuma dúvida de que ele era perfeitamente capaz de tal façanha, porque todos tinham escutado as histórias que se contavam de sua força hercúlea. Alguns, inclusive, tinham podido presenciar, em uma ou duas ocasiões, as tremendas proezas que ela era capaz de fazer no curso de uma batalha. E se o prisioneiro se livrasse das cordas que o prendiam ao poste, os homens seriam obrigados a utilizar suas facas, mas não antes de o guerreiro ter enviado três, possivelmente, até mesmo, quatro deles, à morte.
O líder do grupo de doze homens não podia acreditar em sua boa sorte. Tinham capturado o Lobo e não demorariam a presenciar sua morte.
Que engano tão terrível tinha cometido seu prisioneiro ao deixar-se arrastar pela temeridade! Sim, Joseph, o poderoso barão dos feudos de Wexton, tinha entrado na fortaleza de seu inimigo cavalgando completamente só, e sem levar consigo uma única arma com a qual pudesse se defender. Tinha cometido a insensatez de acreditar que Sebastian, um barão assim como ele em título, honraria a trégua temporária que havia entre eles.
Tem que estar muito satisfeito com sua própria reputação, pensou o líder deles. Realmente devia se achar tão invencível como afirmavam ser naquelas histórias de grandes batalhas, que até tinham chegado a exagerar em sua figura. Sem dúvida, essa era a razão para o barão de Wexton parecer se sentir tão pouco preocupado pelas terríveis circunstâncias nas quais se encontrava agora.
Uma vaga sensação de inquietação foi-se infiltrando, pouco a pouco, na mente do líder, enquanto contemplava seu prisioneiro. Tinham-no despojado de toda sua coragem, fazendo em farrapos o emblema que proclamava seu título e sua dignidade, e assegurando-se de que não ficasse nem um só vestígio do nobre civilizado. O barão Sebastian queria que seu prisioneiro morresse sem nenhuma dignidade ou honra. E, entretanto, o guerreiro quase nu, que tão orgulhosamente se elevava ante eles, não estava respondendo ao menor dos desejos de Sebastian. O barão de Wexton não estava se comportando como poder-se-ia esperar de um homem que vai morrer. Não, o prisioneiro não suplicava por sua vida ou choramingava pedindo um rápido final. Tampouco tinha o aspecto de um agonizante. Não tinha ficado arrepiado e sua pele não tinha empalidecido, mas sim continuava bronzeada pelo sol e curtida pela exposição à intempérie. Maldição, mas se nem sequer tremia! Sim, eles tinham despido o nobre, e, entretanto, debaixo de todas as capas de refinamento, continuava presente o orgulhoso senhor da guerra, mostrando-se tão primitivo e carente de medo como arejavam todas aquelas histórias que corriam a respeito dele. O Lobo tinha ficado subitamente revelado diante de seus olhos.
As brincadeiras dos primeiros momentos já tinham cessado. Agora só se podia ouvir o barulho do vento que uivava através do pátio. O líder dirigiu sua atenção para seus homens, que permaneciam imóveis formando uma roda de pessoas a uma pequena distância dele. Todos mantinham os olhos cravados no chão. Ele sabia que evitavam olhar seu prisioneiro. Não podia culpá-los por aquela exibição de covardia, mas para ele também era muito difícil o trabalho de olhar diretamente nos olhos do guerreiro.
Joseph, o barão das terras de Wexton, era, ao menos, uma cabeça mais alto que o mais corpulento dos soldados que o custodiavam. Também era igualmente imenso em suas proporções. Com seus grossos e musculosos ombros e coxas, e com suas longas e fortes pernas bem separadas e firmemente plantadas no chão, sua postura indicava que era capaz de matar a todos... No caso de se sentir inclinado a fazer isso.
A escuridão já estava começando a descer sobre a terra, e com ela chegou uma pequena neve. Então os soldados começaram a se queixar do mau tempo que estava fazendo.
- Não temos nenhuma necessidade de morrer de frio junto dele - murmurou um deles.
- Ainda vai demorar horas para morrer - queixou-se outro -. Já faz mais de uma hora que o barão foi embora. Sebastian nunca saberá se ficamos do lado de fora ou não.
Os outros estavam de acordo com vigorosos grunhidos e assentimentos de cabeça, fazendo vacilar o homem que os controlava. O frio também estava começando a irritá-lo. Sua inquietação crescia aos poucos, porque a princípio tinha estado firmemente convencido de que o barão de Wexton não se diferenciava em nada dos outros homens. Tinha certeza de que àquela altura já teria caído, e agora estaria gritando bastante atormentado. A arrogância daquele homem o enchia de fúria. Por Deus, ele parecia aborrecido com a presença deles!
Viu-se obrigado a admitir que havia subestimado seu oponente. A admissão, que não era nada fácil, fez com que a raiva se apoderasse dele. Seus próprios pés, protegidos daquele clima terrível por grossas botas, ainda assim estavam uivando de agonia, e, entretanto o barão de Wexton estava descalço e não tinha se mexido nem trocado de posição desde que o ataram ao poste. Possivelmente sim, haveria algo de verdadeiro nos relatos.
Amaldiçoou sua supersticiosa natureza, ordenando a seus homens que se retirassem para o interior. Quando o último deles partiu, o vassalo de Sebastian comprovou que a corda estava bem presa e depois foi para seu prisioneiro e plantar-se diante dele.
- Dizem que é tão ardiloso como um lobo, mas não é mais que um homem e não demorará a morrer como tal. Sebastian não quer que tenha feridas de faca recentes sobre sua pessoa. Quando a manhã chegar, levaremos seu corpo a uns quilômetros daqui. Ninguém poderá dizer que foi Sebastian quem esteve por trás disto. - O homem pronunciou aquelas palavras em um tom zombeteiramente depreciativo, sentindo-se cheio de fúria ao ver que seu prisioneiro nem sequer se dignava baixar o olhar para ele, e acrescentou -: Se fosse possível fazer as coisas da minha maneira, tiraria seu coração e terminaria logo com isso - acrescentou, e então acumulou saliva dentro de sua boca para jogá-la na face do guerreiro, esperando que aquele novo insulto, por fim, ganhasse algum tipo de reação.
E então o prisioneiro baixou lentamente o olhar para ele. Os olhos do barão de Wexton se encontraram com os de seu inimigo. O que o homem que comandava aqueles soldados viu neles fez com que tragasse saliva ruidosamente, enquanto se apressava a retroceder assustado. Fez o sinal da cruz, em um insignificante esforço por manter afastada a escura promessa que tinha lido nos olhos cinza do guerreiro, e murmurou consigo mesmo que ele só estava cumprindo a vontade de seu senhor. E depois correu para o amparo do castelo.
Das sombras que se estendiam junto ao muro, Demétria olhava. Deixou que transcorressem uns poucos minutos a mais para ter a certeza de que nenhum dos soldados de seu irmão iria voltar; empregou da maneira mais apropriada esse tempo para rezar, pedindo a coragem necessária para poder chegar a ver como seu plano terminaria de forma satisfatória.
Demétria estava arriscando tudo com aquele plano. Sabia que não havia nenhuma outra escolha. Agora ela era a única pessoa que podia salvar o prisioneiro. Demétria aceitaria as responsabilidades e as consequências de seus atos, sabendo muito bem que se sua ação chegasse a ser descoberta, com toda certeza significaria sua própria morte.
Suas mãos tremiam, mas seus passos eram rápidos e decididos. Quanto mais rápido terminasse, tanto melhor para sua paz de seu espírito. Logo teria tempo de sobra para
começar a se preocupar com suas ações, uma vez que aquele prisioneiro tão insensato tivesse sido libertado.
Uma longa capa preta cobria Demétria, completamente, da cabeça aos pés, e o barão não percebeu sua presença até que a teve diretamente diante dele. Uma forte rajada de vento separou o capuz da cabeça de Demétria, e uma juba de cabelos avermelhados caiu até se deter abaixo dos ombros de uma esbelta figura. Demétria separou uma mecha de cabelos de sua face e elevou seu olhar para o prisioneiro.
Por um instante ele pensou que sua mente estava lhe pregando uma peça. Joseph chegou a sacudir a cabeça em uma rápida negativa. Então a voz de Demétria chegou até ele, e Joseph soube que o que estava vendo não era fruto de sua imaginação.
- Em seguida vou soltá-lo - disse Demétria -. Rogo-lhe que não faça nenhum ruído até que nos encontremos longe daqui.
O prisioneiro não podia acreditar no que estava ouvindo. A voz de sua salvadora soava tão clara como a mais pura das harpas, e era tão irresistivelmente atraente como um dos dias quentes de verão. Joseph fechou os olhos, resistindo ao impulso de rir às gargalhadas diante daquele estranho giro dos acontecimentos, enquanto pensava por um instante em lançar o grito de batalha e colocar ponto final ao equívoco; imediatamente rechaçou aquela ideia. Sua curiosidade era muito forte. Resolveu que esperaria um pouco mais, pelo menos até que sua salvadora tivesse revelado quais eram suas verdadeiras intenções.
A expressão do prisioneiro permaneceu inescrutável. Guardou silêncio enquanto a via tirar uma pequena adaga debaixo de sua capa. Estava perto dele o bastante para que Joseph pudesse capturá-la com suas pernas, que estavam livres de amarras; se as palavras que acabavam de sair de seus lábios ao final fossem falsas, ou sua adaga iria para o coração do guerreiro, ou então ele seria obrigado a esmagá-la.
Lady Demétria não tinha nenhuma ideia do perigo que estava correndo. Apenas concentrada em liberar o guerreiro de suas amarras, aproximou-se um pouco mais do seu lado e começou o trabalho de cortar a grossa corda com o fio de sua adaga. Joseph reparou em que suas mãos tremiam, e não pôde concluir se era por causa do frio, ou pelo medo que sentia.
O aroma de rosas chegou até ele. Quando inalou aquela suave fragrância, Joseph decidiu que a gélida temperatura sem dúvida tinha nublado sua mente. Uma rosa em meados do inverno, um anjo dentro daquela fortaleza do purgatório... Nenhuma das duas coisas tinha o mínimo sentido para ele, e, entretanto, aquela jovem cheirava às flores da primavera e parecia uma visão chegada dos céus.
Joseph voltou a sacudir a cabeça. A parte mais lógica de sua mente sabia com toda exatidão quem era aquela jovem. A descrição que tinham-lhe dado dela correspondia com a realidade em cada um de seus detalhes, mas ao mesmo tempo também parecia enganosa. Haviam-lhe dito que a irmã de Sebastian era de estatura mediana e que tinha o cabelo castanho e os olhos azuis Que era muito agradável de se ver, lembrou-se de que tinham-lhe informado isso também. Ah, decidiu então, ali estava a falsidade. A irmã do diabo não era nem agradável nem bonita, posto que era realmente magnífica.
Finalmente a corda cedeu sob a adaga, e as mãos de Joseph foram liberadas. Permaneceu onde estava, com sua expressão bem oculta. A jovem voltou a parar diante dele e o presenteou com um pequeno sorriso, antes de dar meia volta e se ajoelhar sobre o chão para começar a recolher as posses de Joseph.
O medo tornou bem difícil aquela tarefa tão singela. A jovem cambaleou e quase não voltou a se incorporar, mas depois recuperou o equilíbrio e acabou se virando novamente para ele.
- Siga-me, por favor - disse, dando as instruções.
Ele não se moveu, e continuou onde estava, observando e esperando.
Demétria franziu o cenho ante a hesitação do guerreiro, pensando consigo mesma que, sem dúvida, o frio tinha paralisado sua capacidade de pensar. Apertou os objetos dele contra seu peito com uma mão, deixando que suas pesadas botas pendurassem nas pontas de seus dedos, e depois passou seu outro braço pela cintura dele.
- Apoie-se em mim - sussurrou -. Vou ajudá-lo, prometo. Mas por favor, agora temos que nos apressar. Seu olhar estava voltado para as portas do castelo e o medo ressoava em sua voz.
Joseph respondeu ao desespero da jovem. Quis lhe dizer que não precisavam se esconder, já que seus homens estavam escalando os muros naquele mesmo instante, mas em seguida mudou de ideia. Quanto menos ela soubesse, melhor para ele quando chegasse o momento.
A jovem apenas chegava ao ombro de Joseph, mas mesmo assim tratou corajosamente de aceitar a carga de uma parte de seu peso, agarrando-o pelo braço e apressando-se a passar por cima dos ombros.
- Iremos ao alojamento do sacerdote visitante atrás da capela - disse em um suave murmúrio -. É o único lugar no qual nunca eles nunca pensarão em olhar.
O guerreiro não prestou muita atenção no que ela estava dizendo. Seu olhar se dirigia para a parte superior do muro norte. A meia lua conferia um fantasmagórico resplendor à frágil neve que estava caindo e mostrava seus soldados, enquanto eles iam escalando o muro. Não se podia escutar um único som, enquanto seus homens iam crescendo rapidamente em número com o passar do caminho de madeira que discorria pelo alto do muro.




eu sei, outra historia de epoca, ainda mais antiga que a outra, mas foi a que ganhou na votaçao que fiz no face, tenho nada com isso....quero comentarios aqui ok!

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