O
guerreiro assentiu com satisfação. Os soldados de Sebastian realmente eram tão
estúpidos como seu senhor. Os rigores do tempo tinham feito que os guardas do
portão se retirassem ao interior da fortaleza, deixando o muro desprotegido e
vulnerável. O inimigo tinha demonstrado sua debilidade e agora todos morreriam
por causa dela.
Joseph
transferiu um pouco mais de seu peso à jovem, freando seu progresso com aquela
nova carga, enquanto flexionava as mãos, uma e outra vez, tentando dissipar o
intumescimento de seus dedos. Não sentia nada nos pés, algo que Joseph sabia
ser um mau sinal, embora aceitasse a realidade de que agora não poderia fazer
nada a respeito.
Então
ouviu um tênue assobio e levantou rapidamente a mão no ar, dando assim o sinal
de esperar. Baixou o olhar para a jovem para ver se ela havia percebido sua
ação, mantendo sua outra mão preparada para fechar-se rapidamente sobre sua
boca, no caso de ela dar a menor indicação de que sabia o que estava
acontecendo. Mas a jovem estava muito ocupada lutando com o peso dele, e não
parecia ter percebido o fato de estarem irrompendo em seu lar.
Finalmente
chegaram a uma estreita entrada e Demétria, acreditando que o prisioneiro
estava em um estado perigosamente debilitado, tratou de mantê-lo apoiado no
muro de pedra segurando-o com uma mão, enquanto se esforçava em abrir a porta
com a outra.
Ao
compreender qual era sua intenção, o barão de Wexton se apoiou de boa vontade
no muro e a viu equilibra-se com seus trajes, enquanto lutava com a corrente
gelada.
Uma
vez que conseguiu abrir a porta, a jovem agarrou a mão de Joseph e o guiou
apressadamente através da escuridão. Uma corrente de ar gelado formou
redemoinhos ao redor deles, enquanto se dirigiam a uma segunda porta que havia
no final de um longo e úmido corredor. Demétria a abriu sem perder um instante
e fez gestos a Joseph para que ele entrasse.
O
quarto em que acabavam de entrar carecia de janelas, mas várias velas acesas
dentro dele projetavam uma cálida claridade sobre o santuário. O ar estava
bastante carregado. Uma capa de pó cobria o chão de madeira e grossas teias de
aranha pendiam do baixo teto, balançando-se lentamente nas vigas. Várias
vestimentas de vivas cores que eram utilizadas pelos sacerdotes de visita
estavam penduradas em uns quantos ganchos, e um leito de palha tinha sido
colocado no centro da pequena área, com duas grossas mantas dobradas junto
dele.
Demétria
passou o fecho na porta e suspirou com alívio. No momento estavam a salvo.
Assinalou o leito a Joseph para que se sentasse nele.
-
Quando vi o que estavam fazendo com você, preparei este quarto - explicou enquanto
entregava sua roupa -. Meu nome é Demétria e sou... - dispôs-se a explicar a
relação que a unia a seu irmão, Sebastian, e logo pensou melhor -. Ficarei com
você até que comece a clarear e então ensinarei como sair daqui através de um
passadiço secreto. Nem sequer Sebastian sabe que existe.
O
barão de Wexton se sentou e dobrou as pernas diante dele, vestindo sua camisa
enquanto a escutava. Pensava que o ato de valentia daquela jovem certamente
complicaria muito a vida dela, e se viu perguntando a si mesmo como ela
reagiria quando percebesse qual era seu verdadeiro plano, e então decidiu que o
curso de sua ação não podia ser alterado.
Assim
que a cota do guerreiro voltou a estar cobrindo seu enorme peito, Demétria
envolveu aqueles ombros com uma das mantas e depois se ajoelhou diante.
Jogou-se para trás até ficar apoiada nos saltos de seus sapatos, pediu-lhe com
um gesto que estendesse as pernas. Quando ele satisfez o desejo da moça,
Demétria estudou seus pés com o cenho franzido pela preocupação. O guerreiro
esticou as mãos para suas botas, mas Demétria as deteve.
-
Primeiro devemos esquentar seus pés - explicou.
Deu
uma profunda inspiração, enquanto refletia sobre qual seria a maneira mais
rápida de devolver a vida a seus necessitados membros. Sua cabeça permanecia
inclinada, defendendo seu rosto do vigilante olhar do guerreiro.
Demétria
agarrou a segunda manta e começou a envolver os pés com ela, e depois sacudiu a
cabeça mudando de ideia. Sem oferecer uma única palavra de explicação, Demétria
estendeu a manta em cima das pernas de Joseph, tirou sua capa e logo foi
subindo lentamente o vestido de cor creme que usava até deixá-lo por cima de
seus joelhos. A tira de couro trançada que adornava como cinturão de enfeite, e
como passagem para sua adaga, se enganchou na meia túnica verde escura que
cobria seu vestido e Demétria dedicou uns minutos para tirar, deixando-a depois
junto do guerreiro.
Sua
estranha conduta despertou a curiosidade de Joseph e esperou que ela explicasse
suas ações. Mas Demétria não disse uma palavra. Tragou ar com outra profunda
inspiração, agarrou seus pés e, rapidamente, antes que pudesse pensar duas
vezes, ela os colocou debaixo de sua roupa, deixando-os estendidos em cima do
calor de seu ventre.
Demétria
deixou escapar uma exclamação abafada, quando a pele, fria como o gelo, do
guerreiro entrou em contato com o calor de sua carne. Então, ela arrumou bem o
vestido e passou os braços por cima dele, estreitando os pés de Joseph contra
ela. Seus ombros começaram a tremer, e o guerreiro sentiu como se Demétria
estivesse extraindo todo o frio de seu corpo para introduzi-lo no seu.
Era
o ato mais desprovido de egoísmo que ele jamais havia presenciado.
A
sensibilidade foi retornando rapidamente a seus pés. Joseph sentiu como se
milhares de adagas cravassem nas plantas de seus pés, ardendo com uma
intensidade que achou difícil deixar de lado. Tratou de mudar de posição, mas
Demétria não o permitiu e aumentou a pressão com uma força surpreendente.
-
Se houver dor, é bom sinal - disse, falando em um tom tão baixo que sua voz só
era um murmúrio apagado -. Não vai demorar a passar. Além disso, tem muita
sorte por sentir alguma coisa - acrescentou.
A
censura que havia em seu tom surpreendeu Joseph, e sua reação consistiu em
elevar uma sobrancelha. Demétria estava levantando o olhar nesse exato instante
e teve tempo de entrever sua expressão. Apressou-se em se explicar.
-
Se não tivesse agido de maneira tão descuidada, agora não estaria nesta
situação - disse -. Só espero que tenha aprendido bem a lição. Não serei capaz
de salvá-lo uma segunda vez.
Demétria
tinha suavizado seu tom. Inclusive tratou de sorrir para ele, mas foi um pobre
esforço na melhor das hipóteses.
-
Já sei que acreditava que Sebastian agiria com honra - continuou dizendo -.
Esse foi seu grande erro. Sebastian não sabe o que é honra. Lembre-se disso no
futuro e possivelmente viva para ver outro ano.
Depois
baixou a vista e pensou no elevado preço que pagaria por ter deixado livre o
inimigo de seu irmão. Sebastian não precisaria de muito tempo para compreender
que era ela quem estava por trás da fuga. Demétria agradeceu com uma oração que
Sebastian tivesse saído da fortaleza, porque sua partida proporcionou um tempo
a mais para concluir seu próprio plano de fuga.
Em
primeiro lugar, teria que se ocupar do barão de Wexton. Uma vez que ele
estivesse seguindo seu caminho longe dali, Demétria poderia se preocupar com as
repercussões de seu ousado ato. Estava decidida a não pensar nisso agora.
-
O feito, feito está - sussurrou, permitindo que toda a agonia e o desespero que
estava sentindo ressonassem em sua voz.
O
barão de Wexton não respondeu a nenhuma das observações de Demétria, e ela não
ofereceu nenhuma explicação adicional. O silêncio foi-se prolongando
gradualmente entre eles como um abismo que vai crescendo pouco a pouco.
Demétria desejou que ele dissesse algo, alguma coisa para aliviar o desconforto
que sentia. Ter os pés do guerreiro aninhando junto dela de uma maneira tão
íntima parecia bastante constrangedor, e então percebeu que bastaria com que
ele fizesse um mínimo movimento com os dedos dos pés, para que estes roçassem a
parte inferior de seus seios. Pensar nisso fez com que ela ruborizasse, e se
arriscou a lançar outro rápido olhar para cima, para ver como estava reagindo o
guerreiro ao seu estranho método de tratamento.
Ele
estava esperando que ela o olhasse, e capturou rapidamente o olhar de Demétria
sem que precisasse fazer nenhum esforço para isso. Pensou que os olhos daquela
jovem eram tão azuis como o céu no mais claro dos dias, e também disse consigo
mesmo que ela não se parecia nada com seu irmão. Advertiu-se que as aparências
não significavam nada, no mesmo instante em que sentia como começava a ficar
fascinado pela assombrosa inocência do olhar de Demétria. Logo, teve que se
lembrar que ela era a irmã de seu inimigo, nada mais e nada menos que isso.
Bonita ou não, aquela jovem era seu peão, a cilada com a qual pretendia
capturar o demônio.
Demétria
olhou em seus olhos e pensou que eram tão cinza e frios como uma de suas
adagas. O rosto do guerreiro parecia ter sido esculpido em pedra, porque não
havia absolutamente nenhuma emoção ou sentimento nele.
Seus
cabelos ligeiramente frisados eram de um castanho escuro e eram muito longos,
mas isso não suavizava suas feições. Sua boca transmitia uma impressão de
dureza e seu queixo era muito firme; Demétria se fixou em que não havia nenhuma
linha nos cantos de seus lábios. O barão de Wexton não parecia o tipo de homem
que ria ou sorria. Não, admitiu Demétria com um estremecimento de apreensão,
seu aspecto era tão duro e impassível como exigia sua posição. Era um guerreiro
acima de qualquer coisa e um barão além disso, e Demétria supôs que não havia
lugar em sua vida para risos.
De
repente tomou consciência de que não tinha nem a mais remota ideia do que
passava pela cabeça do barão. Não saber o que ele estava pensando a preocupou.
Tossiu para ocultar seu embaraço, e pensou em voltar a iniciar a conversa. Se
ele falasse, então provavelmente ela não se sentiria tão intimidada por sua
presença.
-
Pensava enfrentar Sebastian sozinho? - perguntou. Esperou sua resposta durante
longo tempo, e a continuação de seu silêncio fez com que terminasse suspirando
com um súbito incômodo. O guerreiro estava demonstrando ser tão teimoso como
estúpido, disse a si mesma. Demétria acabava de lhe salvar a vida e ele não tinha
lhe dirigido nem uma única palavra de gratidão. Suas maneiras estavam parecendo
ser tão ásperas como sua aparência e sua reputação.
Ela
estava assustada. Uma vez que admitiu aquele fato para si mesma, Demétria
começou a se irritar. Reprovou-se pela maneira com que tinha reagido ao barão
de Wexton, pensando que agora estava se comportando de uma maneira tão estúpida
como ele. Aquele homem não havia dito uma única palavra, e, entretanto, ela
tremia como uma criança.
Era
seu tamanho, decidiu Demétria. Claro, pensou com um assentimento de cabeça.
Naquele pequeno quarto, o barão de Wexton se elevava sobre ela, afligindo-a com
sua corpulência.
-
Nem pense em voltar de novo por Sebastian. Isso seria outro grave erro e pode
estar certo de que da próxima vez ele vai matar você.
O
guerreiro não respondeu. Depois se moveu, separando lentamente seus pés do
calor que Demétria lhes proporcionava. Levou tempo para isso, fazendo com que
seus pés fossem baixando pouco a pouco e com deliberada provocação pela
sensível pele da parte superior das coxas dela.
Demétria
continuou ajoelhada diante dele, mantendo os olhos baixos enquanto ele ia
calçando as meias e as botas.
Quando
o barão concluiu sua tarefa, elevou lentamente o cinturão trançado que Demétria
havia tirado e o sustentou diante dela.
Demétria
reagiu, estendendo instintivamente ambas as mãos para aceitar seu cinturão.
Enquanto o fazia sorriu, pensando que aquela ação do guerreiro representava
algum tipo de oferta de paz, e logo esperou que ele expressasse finalmente sua
gratidão.
Então,
foi quando o guerreiro agiu com a rapidez de um raio. Agarrou a mão esquerda de
Demétria e amarrou rapidamente a tira ao redor de seu pulso. Antes que Demétria
tivesse tempo de pensar em se separar dele, o guerreiro passou rapidamente o
cinturão ao redor de seu outro pulso e atou uma mão à outra.
Demétria
olhou suas mãos com assombro e depois levantou os olhos para ele, com uma
confusão gritante neles.
A
expressão que havia no rosto dele deu um calafrio de temor que desceu subitamente
pela coluna vertebral de Demétria. Sacudiu a cabeça, negando o que estava
acontecendo.
E
então o guerreiro falou.
-
Não vim pelo seu irmão, Demétria - disse -. Vim por você.