—
Consigo, sim. — Uma das vantagens da residência na cidade é que conhecia bem
todos os seus recantos. Tinha certeza de que conseguiria chegar até a fonte sem
ajuda.
—
Bem, então fico aguardando aqui para levá-la de volta pela escada de serviço.
Assim vocês poderão ter um pouco de privacidade. Mas tome cuidado.
—
Não se preocupe.
—
Talvez eu deva acompanhá-la. A senhora pode...
—
Nada disso. Sei o caminho e vou bem depressa.
—
Não, vá devagar, por favor. Não quero que se apresse e acabe se machucando —
Joan recomendou.
Demetria
se localizou rapidamente, prestando atenção ao caminho que levava à clareira em
que ficava a fonte. Como estivesse em boas condições, apressou o passo,
eufórica diante da perspectiva de ver Joseph.
Não
vendo um galho à sua frente, Demetria foi de encontro a ele. O impacto e a dor
deram-lhe a sensação de ter arrebentado a cabeça. Sem conseguir se equilibrar,
tropeçou várias vezes e sentiu que ia cair.
Ao
ouvir uma voz ansiosa repetir e repetir seu nome, Demetria finalmente acordou.
Levou alguns minutos para dar-se conta de que era a voz de Joseph. Piscando os
olhos, sentiu dificuldade para abri-los por causa da dor. Não era uma dorzinha
de cabeça, mas a dor de marteladas em sua testa que latejava de agonia. Demetria
voltou a fechar os olhos.
—
Graças a Deus — Joseph sussurrou em seu ouvido, e ela sentiu um beijo em sua
testa.
—
Joseph? — Esforçou-se para abrir os olhos. O rosto dele estava quase em foco e
mostrava-se preocupado, contemplando-a.
—
Como você está se sentindo? Quando a vi dentro da fonte, me assustei tanto.
Pensei que você estivesse morta.
—
Dentro da fonte? — Demetria perguntou confusa e levantou a mão para tocar no
rosto dele, com água escorrendo pela face. — É por isso que estou molhada?
—
Você caiu na fonte — começou Joseph vagarosamente, como se assim fosse mais
fácil para ela entender. Ele procurou levantá-la um pouco. — Como você se
sente? Está tendo visão dupla?
—
Acho que não. — Demetria sentou-se, consciente da escuridão que os cercava.
Podia ver o suficiente para saber que estavam bem ao lado da fonte. Joseph
também estava molhado. Ele devia ter pulado na fonte para tirá-la da água.
Apesar
de seu atual estado de pouca visão, conhecia perfeitamente os contornos da
fonte. Ela sempre estivera lá. Havia sido seu lugar favorito quando criança.
Era enorme em torno, da base, mas bastante rasa. Continha, porém, água
suficiente para alguém se afogar.
—
Como posso ter ido parar na fonte? O que eu estava fazendo?
—
Boiando — Joseph explicou. — Pensei que você tivesse se afogado.
—
Será que caí? — Ela se lembrou então de ter se apressado para ir ao encontro
dele. Lembrou-se de ter batido em um galho e tropeçado. Ao tropeçar, certamente
fora projetada para a frente e caído na fonte.
—
Levei um choque ao vê-la na fonte. Como você foi parar dentro dela?
—
Vinha encontrá-lo, conforme você me pediu no bilhete, e bati a cabeça em um
galho. Lembro de ter tropeçado antes de ficar tudo escuro. Devo ter caído na
fonte.
—
No bilhete? — Joseph perguntou em tom de surpresa, não prestando atenção a mais
nada.
—
É, com seu recado. Eu...
—
Milady!
Ambos
voltaram-se a fim de olhar para a figura escura que saíra da trilha e caminhava
na direção deles.
—
Queira perdoar a intromissão, mas sua madrasta está à sua procura. Precisamos
ir, milady. A senhora ainda precisa trocar de roupa e...— Joan interrompeu o
que ia dizer quando percebeu que Demetria estava molhada. — O que aconteceu com
seu vestido?
—
Está tudo bem, Joan. Acho que me molhei um pouquinho. — disse Demetria, sendo
ajudada por Joseph para se levantar.
—
Oh! Sabia que devia tê-la acompanhado. — Joan balançou a cabeça, e então
pareceu exasperada ao dizer: — Da próxima vez serei mais insistente! Agora
vamos.
—
Preciso ir. Pena que não tivemos nem chance de conversar, milorde — Demetria desculpou-se
diante da insistência da criada. — Tudo porque vim o mais depressa que pude ao
receber o seu bilhete.
—
Bilhete? — Joseph repetiu, mas as duas já haviam desaparecido no escuro do
bosque pela trilha que levava à casa. Ele não havia enviado bilhete algum, mas
talvez Mikey tivesse achado difícil falar a sós com ela e tivesse lhe passado o
recado por escrito.
Havia
pedido ao primo que procurasse Demetria assim que chegasse e pedisse a ela para
encontrá-lo junto à fonte. Estremeceu e passou as mãos pelo rosto como que para
apagar a lembrança de vê-la desacordada. Aquilo era a última coisa que poderia
imaginar ao escalar o portão do fundo e esgueirar-se até o bosque. Todo aquele
plano era fruto do desespero. Fazia uma semana que não via Demetria e a
beijara. Aquela noite fora para casa sentindo-se no topo do mundo. Tudo o que
planejara funcionara perfeitamente. O piquenique tinha sido um sucesso. Ela
mostrara-se feliz. O beijo havia sido um prêmio inesperado. Ele não cogitara
tomar qualquer iniciativa ainda, mas ela estivera em seus braços, com os olhos
brilhando, e os lábios, doces e macios, eram um convite que não podia ser
recusado. Ele queria sorver neles os momentos de pura magia que estavam
vivendo.
Depois
de beijá-la, porém, Joseph dera-se conta de que havia cometido um erro. Demetria
era terna e calorosa e derretera-se ao contato dele como manteiga no pão
quente, instigando-o a querer muito mais do que simplesmente beijá-la. Por isso
tivera de se controlar de forma abrupta. Ao sair da casa dos Devereaux, estava
completamente excitado e ansioso por vê-la de novo.
Joseph
havia feito muitos planos desde então para, em outras festas, poder separá-la
da madrasta e passarem novos momentos a sós. Certamente precisaria contar com a
ajuda da mãe, dos primos e até de amigos. Mas de nada adiantara. As duas não
apareceram em um único baile desde então.
Como
último recurso, ele acabara contratando alguém para saber a razão de elas não
estarem comparecendo a nenhum evento e para descobrir situações em que pudesse
vê-la. Um ou dois criados foram subornados, mas as informações que chegaram
foram de que, aparentemente, não estava acontecendo coisa alguma, ninguém
estava doente e as duas não haviam saído de casa a semana toda. Lady Lovato
simplesmente declinara todos os convites para os bailes e não recebera qualquer
visitante. Até mesmo Mikey não conseguira visitá-las para, a seu pedido, propor
um novo passeio de carruagem a fim de que pudesse encontrá-la.
Joseph
já receava que lady Lovato tivesse de alguma maneira descoberto o piquenique
que haviam feito, mas teve a certeza disso quando Prudhomme fez um comentário
sarcástico ao se encontrarem em um dos bailes que comparecera na esperança de
ver Demetria. Assim que soube do baile que lady Lovato havia decidido realizar,
Joseph idealizou um novo plano. Sabia que ninguém da família dele seria
convidado, mas um dos amigos do primo seria e o primo poderia acompanhá-lo, com
a única finalidade de marcar o encontro dos dois. Ele escalaria o portão do
fundo, encontraria a fonte e ficaria aguardando por Demetria.
Joseph
havia saído mais cedo do que o primo, com a intenção de chegar antes do que
Demetria junto à fonte, por isso ficara chocado ao encontrá-la boiando, com o
vestido e os cabelos flutuando sob a luz da lua. A sorte é que a fonte era
rasa.
—
Joseph?
Ele
ficou atento ao sussurro de seu nome e observou que o primo se aproximava.
—
Então você conseguiu entrar. — Parando ao lado de Joseph, Mikey examinou o
local com os olhos e balançou a cabeça em aprovação. — Que lugar agradável.
—
Para quê?
—
Para seu encontro com Demetria, ora. A propósito, ainda não a encontrei para
dizer que você estaria aqui. Aparentemente, a criada a levou para mudar de
roupa, ou algo assim, e ainda não desceram. Só vim para lhe dizer que não
precisa se preocupar. Ela logo estará na festa e eu pedirei que me mostre o
jardim e a trarei até aqui.
Joseph
olhou para o primo cheio de surpresa.
—
Quer dizer então que você ainda não deu o recado a ela?
—
Não, como lhe disse, desde que cheguei ela está no quarto.
—
Como então ela recebeu meu recado? — Joseph estranhou. — Pensei que você tivesse
tido problema de conversar a sós com ela e tivesse lhe passado um bilhete.
—
Não. — Mikey franziu a testa. — Você está me dizendo que Demetria já esteve
aqui, que já a viu?
—
Sim — Joseph afirmou pensativo. — E você nem imagina o susto que levei. Quando
cheguei, ela estava boiando, inconsciente, na fonte. Parece que trombou com um
galho, tropeçou e, não se sabe como, acabou caindo na fonte.
Joseph
fez um movimento para examinar a fonte e depois a trilha que levava até ela.
Mikey
teve uma reação de aborrecimento e disse:
—
Lady Lovato é uma idiota. A menina vai acabar morta em um desses acidentes,
tudo por causa dessa ridícula teimosia de não permitir que ela use óculos.
—
Começo a me perguntar se serão mesmo acidentes — retorquiu Joseph, preocupado.
—
O que anda passando por sua cabeça, primo?
—
Bem, eu não mandei bilhete algum para ela. E se você também não o fez, quem
teria enviado?
—
Quando você disse que ela havia estado aqui, pensei que tivesse mudado de ideia
e, por mais arriscado que fosse, tivesse enviado o bilhete.
—
Não, por que enviaria se já havíamos combinado tudo. Além disso, como ela não
consegue ler sem óculos, jamais enviaria um recado por escrito.
—
A criada poderia ler.
—
Poderia, mas acontece que não mandei.
—
Quem mandou então?
—
É o que eu gostaria de saber. — Joseph deu alguns passos e foi examinar os
galhos das árvores. Nenhum parecia tão baixo a ponto de Demetria bater a
cabeça. Só se ela tivesse saído da trilha, mas ela teria percebido porque a
barra de seu vestido teria se enroscado nas plantas que margeiam o caminho.
Joseph
retrocedeu e voltou a examinar a fonte, lembrando-se do ferimento na testa
dela. Como teria sido possível ela tropeçar onde terminava a trilha e ter ido
parar dentro da fonte? Mesmo que tivesse ficado tonta e se mantido em pé.
—
O que você está procurando? — Mikey perguntou, aproximando-se do primo.
—
Demetria disse que bateu com a cabeça em um galho e acha que por isso deve ter
perdido o equilíbrio e ido parar na fonte.
Mikey
olhou ao redor e depois sacudiu a cabeça.
—
Impossível. Não há nenhum galho mais baixo do que ela por aqui.
—
Não, não há. Mas sabe-se lá como, ela acabou com a cabeça ferida e boiando na
fonte. Se eu não tivesse chegado, ela poderia ter morrido. Aliás, foi o que
imaginei quando a vi.
Mikey
ficou por um momento em silêncio, com o olhar vagando da fonte para as árvores
e das árvores para a fonte.
—
Você acredita de fato que alguém a tenha incentivado a vir até aqui com má
intenção?
Joseph
nada disse. Aquilo tudo lhe pareceu ridículo.
Aparentemente
tomando o silêncio do primo como uma confirmação, Mikey insistiu:
—
Quem mais, fora eu, sabe sobre vocês?
—
Não sei ao certo. Minha mãe e Mary sabem, mas, é claro, que nada têm a ver com
isso. Talvez Prudhomme também saiba.
—
Prudhomme? — Mikey surpreendeu-se.
Joseph
assentiu com a cabeça.
—
Acho que ele estava no jardim na noite em que minha mãe deu um jeito de
ficarmos sozinhos e em que fizemos o piquenique. Não que o tenha visto, e posso
até estar enganado, mas um outro dia ele fez um comentário sarcástico sobre
beijar Demetria ao luar.
—
Hum. — Mikey fez uma expressão de dúvida. — E a criada?
—
A criada de Demetria? — Joseph fez uma pausa para pensar. — Acho que Joan sabe
de alguma coisa. Foi ela que veio buscar Demetria porque Taylor estava procurando
por ela. Não demonstrou qualquer surpresa ao me ver.
Ambos
permaneceram calados por alguns instantes. Então Mikey quebrou o silêncio.
—
Também, como você pode ter certeza de que não passou de um acidente como todos
os outros?
—
Por que não enviei bilhete algum a ela.
—
Sim, talvez o bilhete tenha sido um trote mesmo, o resto, porém, pode ter sido
um mero acidente.
—
Mikey, se não vemos qualquer galho em que ela possa ter trombado... — Joseph argumentou,
acrescentando: — Não consigo deixar de pensar nos outros acidentes também.
Foram tantos. Ela caiu da escada, tropeçou na frente de uma carruagem...
—
Ora, Joseph, agora você está exagerando. Demetria enxerga tão mal que não há
nada de surpreendente que tenha caído na escada ou tropeçado na frente de uma
carruagem.
—
Talvez — Joseph admitiu, relutante. — Preciso falar com ela.
—
Acho que agora não dá mais para fazê-la vir até aqui. E também já ficou tarde.
Se a madrasta havia mandado a criada procurar por ela, deve estar controlando
todo e qualquer movimento de Demetria. É melhor você desistir por hoje e traçar
um novo plano para amanhã.
Joseph
soltou um grunhido que poderia ser de aquiescência, mas seu olhar se deteve na
janela do piso superior da casa. Ele notou quando um dos quartos ficou iluminado
pela luz de velas e agora podia ver as silhuetas de duas mulheres. A mais alta
ajudava a mais baixa a despir peça por peça. Só poderiam ser Demetria e a
criada.
—
Você ouviu o que eu disse, Joseph?
Relutante,
ele desviou o olhar da janela e fitou o primo.
—
O quê?
—
Eu disse que vou voltar à festa, me desculpar e ir embora.
—
Está bem — Joseph concordou, voltando a olhar para a janela. Mal havia prestado
atenção ao que o primo dissera, sua mente estava toda concentrada na cena que
se passava naquele quarto.
Continuou
a observar até que o quarto escureceu novamente. Então decidiu o que iria fazer.
Tinha de dar um jeito de chegar ao quarto de Demetria e aguardar pela volta
dela. Queria indagá-la melhor sobre o que havia acontecido aquela noite e sobre
os outros acidentes que tivera. Assim, ficaria sabendo se havia ou não motivo
para se preocupar.
Satisfeito
com seu plano, se aproximou da casa para examinar a árvore que o levaria ao
quarto de Demetria. Não teria dificuldade de chegar lá.
—
A festa acabou mais cedo do que o esperado.
Demetria
deu um leve sorriso à observação de Joan e sacudiu os ombros.
—
Pois é, acho que Taylor não deve estar nada contente. Fugi antes das últimas
visitas se despedirem para evitar a raiva dela.
Todas
as grandes festas duravam até quase a madrugada. Levando isso em consideração,
o baile de Taylor não tinha sido um sucesso. A madrasta estava lívida. Ela já
era nervosa quando tudo estava bem. Seria impossível chegar perto dela no dia
seguinte, refletiu Demetria enquanto Joan desabotoava seu vestido.
—
Como está sua cabeça? — Joan perguntou, ajudando-a a livrar-se da roupa.
Demetria
fez uma expressão de dor. Por sorte, o galho havia atingido sua cabeça do lado
e no alto, ferindo-a sob os cabelos, mas não era preciso ver o ferimento para
saber que estava lá. A cabeça tinha doído a maior parte da noite. Tudo o que
disse, porém, foi:
—
Estará melhor amanhã, espero.
—
Pronto! — disse a criada, quando Demetria terminou de colocar a camisola. —Eu
lhe trouxe um chocolate quente para ajudá-la a dormir logo.
—
Obrigada por tudo, Joan. De coração.
—
De nada, milady — disse Joan baixinho, encaminhando-se para a porta. — Durma
bem.
Demetria
acomodou-se na cama. Joan deixara a vela na mesinha-de-cabeceira para que ela
simplesmente assoprasse quando quisesse apagar. Foi o que ela fez, tomando
cuidado para não se aproximar muito da chama. A cabeça ainda doía muito e
sentia-se tão exausta que nem o delicioso cheiro do chocolate a animou a
tomá-lo.
Assim
que se deitou, todos os seus pensamentos voltaram-se para Joseph, lamentando
que tivessem ficado tão pouco tempo juntos e nem tivessem podido conversar. A
vida ganhava colorido quando ele estava por perto, pensou e sorriu, deixando-se
embalar no sono.
Esse acidente dela foi meio estranho mesmo
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