Malvado é o homem que conheceu a honra
e a desprezou.
O
barão Sebastian estava só a meio-dia de dura galopada do lugar em que Joseph e
seus soldados tinham acampado. A sorte estava ao seu lado, porque pôde cavalgar
durante as horas noturnas sob a luz de uma resplandecente lua cheia. Seus
soldados igualavam aos homens de Joseph, tanto em lealdade como em número, e
nenhum deles se queixou daquela súbita alteração em seus planos.
Um
servente que estava meio louco tinha ido atrás deles para lhes comunicar a vil
ação de Joseph. Então todos se apressaram em retornar à fortaleza de Sebastian.
Todos tinham presenciado a mensagem nela deixada pelo barão de Wexton. Sim,
todos tinham visto os corpos mutilados daqueles soldados que ele deixou na
fortaleza, encarregados de custodiar os domínios de Sebastian. Os homens se
uniram em um clamor de indignação e vingança, e cada um deles jurou ser aquele
mataria Joseph.
O
fato de todos eles terem se unido a Sebastian e de terem agido traiçoeiramente
a respeito do barão de Wexton era passado, por isso ignorado, porque agora
todos estavam completamente concentrados em vingar o homem que os liderava.
Sebastian
não tinha demorado muito em decidir que iria atrás Joseph. A razão que o
impulsionou a tomar tal decisão tinha sido duplicada. Acima de tudo, estava o
fato de saber que seu próprio plano para destruir o barão de Wexton, mediante o
uso de meios que não tinham nada de honrados seria revelado, o que faria de
Sebastian um covarde, podendo ser ridicularizado dentro da corte. Joseph
alertaria William II e embora favorecesse Sebastian, apesar disso, o rei
ver-se-ia obrigado a determinar que os dois adversários liderassem um combate
de morte, para que assim pudesse colocar fim, de uma vez por todas, no que
provavelmente considerasse como uma insignificante diferença de opinião. O rei
- a quem chamavam Rufus, The Red, em razão de seu rosto corado e ao apaixonado
temperamento - sem dúvida ficaria muito irritado com essa questão. Sebastian
também sabia que se tivesse que se enfrentar a sós com Joseph em um campo de
batalha, sairia perdedor. O barão de Wexton era um guerreiro invencível, que
tinha demonstrado sua capacidade incontáveis vezes. Sim, Joseph mataria
Sebastian logo que tivesse a oportunidade de fazê-lo.
Sebastian
era um homem dotado de muitas habilidades, mas estas ficavam limitadas a certas
áreas que não eram de muita ajuda contra alguém como Joseph. Sebastian tinha
chegado a se converter em um poder com o qual poder-se-ia contar dentro da
corte. Interpretava o papel de uma espécie de secretário, e isso apesar do fato
de não saber ler ou escrever, confiando todos os assuntos mundanos aos dois
sacerdotes que residiam na corte. Quando o rei recebia, a principal obrigação
de Sebastian consistia em determinar quem eram aqueles que tinham assuntos
verdadeiramente merecedores a serem tratados com o rei, e quem não os tinha.
Aquilo tinha terminado por conferir-lhe uma posição muito poderosa. Sebastian
era um mestre na arte da manipulação. Infundia o medo naqueles homens de
títulos inferiores ao dele, que estavam dispostos a pagar de boa vontade,
apenas em troca de ter a oportunidade de falar com seu rei. Sebastian aplainava
o caminho para aqueles homens que só pensavam em uma coisa, e ia enchendo seus
bolsos de ouro ao fazê-lo.
Agora,
se sua tentativa de matar Joseph chegasse a ficar conhecida, ele poderia perder
tudo.
O
irmão de Demétria era considerado por todos como um homem muito atraente. Tinha
os cabelos loiros, com apenas uma sombra de ondulação para empanar suavemente o
brilho de seus olhos de cor avelã com raios de dourado. Também era alto, embora
fosse magro como um junco, com uns lábios perfeitamente esculpidos. E quando
sorria, faltava muito pouco às damas da corte para desmaiarem diante dele. As
duas irmãs de Sebastian, Camille e Sara, compartilhavam a mesma cor morena dos
cabelos e o mesmo tom avelã dos olhos. Camille e Sara eram quase tão bonitas
como Sebastian era atraente, e eram igualmente tão solicitadas quanto ele.
Sebastian
era conhecido como um dos solteiros mais disponíveis e poderia escolher
qualquer mulher na Inglaterra. Mas ele não queria ter qualquer mulher. Queria
Demétria. Sua meio-irmã era a segunda razão pela qual Sebastian andava atrás de
Joseph. Demétria tinha voltado para casa dele fazia apenas dois meses, e depois
de haver-se esquecido dela durante a maior parte dos anos em que Demétria
esteve crescendo, Sebastian tinha ficado muito impressionado quando viu as
notáveis mudanças que tinham ocorrido em sua aparência. Demétria sempre tinha
sido uma criança muito feia. Seus grandes olhos azuis engoliam a maior parte de
sua face. Seu lábio inferior tinha sido muito carnudo e sua expressão passava a
maior parte do tempo imobilizada em uma careta, além do que também era fraca o
bastante para que chegasse a parecer doente. Sim, Demétria tinha sido uma
criança feia e desajeitada, com aquelas pernas tão longas e ossudas que sempre
a faziam fraquejar cada vez que tentava executar uma reverência.
Mas
não restava dúvida de que Sebastian havia se equivocado ao julgar seu
potencial. Durante a infância nunca tinha havido nada no aspecto de Demétria
que fosse capaz de sugerir o fato de que algum dia pudesse chegar a se parecer
tanto com sua mãe. Demétria tinha deixado de ser uma criança da qual alguém se
envergonhasse para se converter em uma completa beleza, e de fato agora era tão
bonita que eclipsava suas meio-irmãs.
Quem
teria pensado que semelhante milagre pudesse chegar a ocorrer? A tímida larva
havia se convertido em uma magnífica borboleta. Os amigos de Sebastian também
ficaram sem fala quando viram Demétria pela primeira vez. Morcar, que era o
grande confidente de Sebastian, inclusive tinha chegado ao extremo de suplicar
a este que lhe concedesse a mão de Demétria em casamento, depositando umas
quantas libras de ouro diante de seu pedido.
Sebastian
não estava muito certo de poder permitir que Demétria terminasse nas mãos de
outro homem. Demétria se parecia tanto com sua mãe, que quando Sebastian a viu
pela primeira vez, a reação que teve diante dela foi de uma natureza totalmente
física. Aquela foi a primeira vez em muitos anos que Sebastian sentia agitar
dentro dele semelhante sentimento por uma mulher, e essa novidade surtiu um
efeito tremendo sobre ele. Só a mãe de Demétria tinha sido capaz de afetá-lo de
tal maneira. Ah, Dianna, o grande amor de seu coração! Ela tinha estragado
Sebastian para as demais mulheres. Agora que não podia ter Dianna, era como se
tivessem lhe roubado todo seu caráter. Sebastian tinha acreditado que sua
obsessão terminaria chegando ao fim com a morte de Dianna, e agora tinha que
admitir que tudo tinha sido uma vã esperança. Não, a obsessão continuava
vivendo. Demétria, sua meio-irmã, bem que poderia ser sua segunda oportunidade
de demonstrar que era um homem.
Sebastian
levava uma existência atormentada. Não conseguia chegar a se decidir entre sua
cobiça e sua luxúria. Queria ter Demétria para seu uso próprio, mas também
queria o ouro que ela traria consigo. Se fosse ardiloso o bastante, pensou,
possivelmente pudesse ter ambas as coisas.
Demétria
acordou na posição mais embaraçosa possível. Estava em cima de Joseph. Uma
bochecha descansava sobre seu duro e plano estômago, suas pernas estavam
entrelaçadas com as do barão, e suas mãos estavam colocadas entre as coxas
dele.
O
estado sonolento em que sua mente esta mergulhada fez com que Demétria não
percebesse onde exatamente estavam descansando suas mãos. Joseph parecia tão
quente, entretanto... tão duro. OH, Deus, suas mãos tinham se aconchegado junto
à parte mais íntima de Joseph!
Os
olhos de Demétria se abriram de repente. Retesou-se junto a seu captor, sem
sequer se atrever a respirar. Que esteja dormindo, rezou freneticamente enquanto
ia separando pouco a pouco suas mãos do calor de Joseph.
-
Por fim está acordada.
Joseph
soube que tinha lhe dado um susto, quando a sentiu ficar subitamente rígida
junto a ele. Então as mãos de Demétria se incrustaram violentamente na união de
suas pernas, e Joseph reagiu com um gemido. Demônios, Demétria ainda
conseguiria fazer dele um eunuco se ele lhe desse meia oportunidade!
Demétria
se virou de lado, atrevendo-se a levantar a vista para lançar um rápido olhar a
Joseph. Pensou que provavelmente tivesse que se desculpar por tê-lo golpeado
acidentalmente justo naquele lugar, mas então saberia que ela era plenamente
consciente de onde tinham estado suas mãos, não é?
Oh,
céus, podia sentir como começava a se ruborizar. E aquela manhã Joseph voltava a
franzir o cenho. De qualquer maneira, não parecia estar disposto a escutar
nenhuma desculpa que ela pudesse lhe oferecer, por isso Demétria decidiu
esquecer suas preocupações.
O
barão de Wexton tinha um aspecto realmente feroz. Sim, a barba castanho escuro
que tinha começado a crescer realmente fazia com que ele parecesse mais um lobo
que um homem, e além disso ele a observava com uma curiosidade que Demétria
achou muito inquietante. Suas mãos continuavam abrangendo suas costas. Então,
Demétria se lembrou de como ele tinha lhe dado calor durante a noite, quando
poderia ter-lhe feito mal com a mesma facilidade. Demétria era consciente de
que sua mente estava tentando avivar o medo que Joseph lhe inspirava, mas era
honesta o bastante para admitir que a verdade, na realidade, era justamente o
contrário. Oh, Joseph a assustava, certamente, mas não da mesma maneira com que
Sebastian fazia.
Esse
dia era a primeira vez em semanas, de fato desde que tinha voltado para a casa
de seu irmão, em que Demétria não havia acordado sentindo em seu estômago um
desagradável nó produzido pelo medo. Também conhecia a razão de não ser assim:
Sebastian não estava ali.
Joseph
não se parecia em nada com Sebastian. Não, um homem que desejava infligir
crueldade, sem dúvida, não teria compartilhado seu calor com ela enquanto
dormiam. E além disso, Joseph honrava sua palavra. Não tinha se aproveitado
de... Santo Deus, ela o beijou! Demétria se lembrou de cada fragmento do
ocorrido com uma súbita clareza que acelerou seu pulso.
Demétria
tinha certeza de que sua expressão não revelava os espantosos pensamentos que
passavam por sua cabeça, e deu graças a Deus pelo fato de ter aprendido a
ocultar seus sentimentos. Aquilo era um pequeno consolo, não? Sim, pensou com
um leve suspiro, Joseph não podia saber o que ela estava pensando.
Joseph
observava Demétria, secretamente divertido pela maneira com que ela ia
mostrando uma emoção atrás da outra. Seus olhos a delatavam. Durante os últimos
minutos, Joseph tinha visto neles medo, vergonha e, pareceu-lhe ser também
alívio.
O
barão de Wexton era um homem que tinha aprendido a encontrar todos os defeitos
que houvesse nos outros. Como guerreiro, saber o que estava passando pela mente
de seu oponente fazia com que suas próprias reações fossem mais rápidas. Joseph
também tinha aprendido a descobrir o que seu inimigo mais dava valor. E uma vez
que descobria, então o arrebatava. Era a maneira de agir própria daqueles que
combatiam, mas essas lições também tinham chegado a se misturar em suas
relações pessoais. Uma coisa não podia ficar separada da outra. E embora
Demétria não tivesse consciência disso, já tinha proporcionado várias pistas
muito importantes a respeito de seu caráter. Demétria era uma mulher que
valorizava muito o controle. Manter ocultas suas emoções parecia ser uma tarefa
muito importante para ela. Demétria já tinha lhe revelado que nem todas as
mulheres eram governadas por suas emoções. Só em uma ocasião tinha mostrado
algum tipo de reação externa, durante a destruição de seu lar. Então, tinha
gritado com voz cheia de angustia, quando viu o corpo mutilado de um vassalo de
Sebastian. Entretanto, Joseph duvidava que Demétria soubesse que tinha chegado
a perder o controle de si mesma.
Sim,
Joseph estava descobrindo todos os segredos de Demétria, e o que tinha
averiguado até o momento o deixava perplexo. Para falar a verdade, também muito
lhe agradava.
Separou-se
dela, porque do contrário o impulso de voltar a tomá-la em seus braços e
beijá-la novamente teria chegado ser muito intenso para que pudesse continuar
sendo ignorado. De repente tinha muita vontade de chegar à fortaleza. Não iria
se sentir tranquilo até que tivesse Demétria bem protegida atrás dos muros de
sua fortaleza.
Joseph
ficou em pé, espreguiçando-se até que todos seus músculos ficaram despertos e,
então, se afastou de Demétria, que para todos os efeitos práticos deveria
apagar de seus pensamentos. O sol ia subindo para as nuvens leitosas que
flutuavam no céu, umas nuvens que certamente impediriam a passagem de qualquer
calor que pudesse chegar a derreter a geada noturna que cobria o chão. Havia
muito a fazer antes que houvesse luz suficiente para sua viagem. Embora o novo
dia já tivesse a mordida do frio, o vento era tênue o bastante para que Joseph
se sentisse satisfeito.
Demétria
sabia que não demorariam a cavalgar. Calçou seus sapatos, sacudiu a terra de
seu vestido e envolveu seus ombros com a capa. Sabia que parecia um autêntico
horror, e decidiu que teria que fazer algo.
Foi
em busca de Ansel. O escudeiro estava preparando o cavalo de Joseph. Demétria
lhe perguntou onde estava sua bolsa, embora se mantivesse a uma prudente
distância da grande besta e teve que gritar sua pergunta. Depois, expressou
profusamente sua gratidão ao moço assim que ele jogou sua bolsa.
A
princípio, ela apenas ia espantar o sono dos olhos, mas aquelas águas
cristalinas pareciam muito tentadoras. Demétria utilizou o sabão aromático que
tinha metido dentro de sua bolsa para tomar um rápido banho e depois trocou de
sua vestimenta.
Deus,
que frio fazia! Quando terminou de se vestir, Demétria já estava tremendo.
Usava um vestido amarelo pálido que chegava até os tornozelos por cima de uma
suntuosa meia túnica de cor dourada até os joelhos. Uma banda bordada em azul
real circundava as longas mangas do segundo objeto.
Demétria
voltou a guardar tudo em sua bolsa, e depois se ajoelhou junto ao riacho e
começou a desembaraçar seu cabelo. Agora que tinha descansado, e que sua mente
não estava consumida pelo medo, dispunha de muito tempo para pensar em sua
situação. A primeira pergunta que teria que responder era por que Joseph a
levou com ele. Havia-lhe dito que lhe pertencia. Demétria não entendeu o que
ele quis dizer com semelhante observação, mas era muito tímida para pedir que
ele se explicasse.
Nicholas
veio procurá-la. Demétria ouviu quando ele se aproximou e se virou justamente
em tempo de vê-lo chegar.
-
É hora de cavalgar! - gritou Nicholas. A força de sua voz quase a jogou na
água. Nicholas se apressou a estender a mão para colocá-la de pé com um brusco
puxão, que sem perceber a salvou daquela humilhação.
-
Ainda tenho que recolher meu cabelo, Nicholas. Então, estarei pronta. E
realmente não tem necessidade de gritar comigo - acrescentou, mantendo um tom
deliberadamente suave -. Com certeza tenho um ouvido muito bom.
-
Seu cabelo? Ainda tem que...? - Nicholas tinha ficado muito perplexo para que
pudesse continuar falando, e lançou um olhar que sugeria que Demétria tinha
perdido o juízo -. É nossa prisioneira, pelo amor de Deus - conseguiu balbuciar
finalmente.
-
Sim, já sabia disso - respondeu Demétria, falando em um tom tão sereno como a
brisa da manhã -. Mas isso significa que posso terminar de me arrumar o cabelo
antes de partirmos, ou que não posso fazê-lo?
-
Tenta zombar de mim ou o que pretende? - gritou Nicholas -. Lady Demétria, sua
situação já pode ser considerada muito delicada na melhor das hipóteses. É
muito tola para perceber isso?
Demétria
sacudiu a cabeça.
-
Por que está tão zangado comigo? - perguntou-lhe -. Grita cada palavra. É um
hábito normal, ou é por que sou a irmã de Sebastian?
Nicholas
não respondeu imediatamente, mas sua face se tornou de um vermelho intenso.
Demétria sabia que o estava deixando ainda mais furioso. Lamentava por isso,
mas decidiu seguir adiante de qualquer maneira. Era evidente que Nicholas não
sabia controlar seu caráter, e se conseguisse provocá-lo o suficiente,
possivelmente ele lhe diria o que ia acontecer com ela. Nicholas era muito mais
fácil de entender que seu irmão. E muitíssimo mais fácil de manipular, se
Demétria soubesse ser ardilosa o bastante.
-
Por que me capturaram? - perguntou a Nicholas sem poder se conter.
A
pergunta direta que acabava de formular fez com que Demétria torcesse o rosto
em uma careta de desgosto. Não tinha sido muito ardilosa afinal de contas, e
por causa disso ficou bastante surpresa quando Nicholas chegou a responder.
-
Foi seu irmão quem fixou os termos desta guerra, Demétria. Isso é algo que você
sabe muito bem.
-
Não há nada que eu saiba bem o suficiente - protestou Demétria -. Explique-me
isso se tiver a bondade. Eu gostaria de chegar a entendê-lo.
-
Por que se faz de inocente comigo? - quis saber Nicholas -. Todo mundo na
Inglaterra sabe o que esteve acontecendo durante o último ano.
-
Nem todo mundo, Nicholas - replicou Demétria -. Faz apenas dois meses que
retornei à casa de meu irmão. E passei muitos anos vivendo em uma área muita
isolada.
-
Sim, isso é certo - zombou Nicholas -. Viveu com seu sacerdote excomungado,
conforme entendi.
Demétria
pôde sentir como sua compostura começava a se rachar. Agora queria gritar com
aquele vassalo arrogante. Por acaso toda a Inglaterra acreditava naquele
horrível rumor?
-
Muito bem - anunciou Nicholas, parecendo não perceber a nova onda de fúria que
se apropriou de Demétria -. Vou contar toda a verdade, e quando tiver terminado
de fazê-lo, então já não será capaz de continuar fingindo. Os soldados de
Sebastian atacaram duas propriedades que pertenciam a vassalos leais de Joseph.
Em cada um dos ataques teve lugar uma matança totalmente desnecessária de
mulheres e crianças. Os vassalos tampouco receberam nenhuma advertência prévia,
porque seu irmão fingiu que vinha em missão de amizade até que seus homens já
estavam dentro das fortalezas.
-
Por quê? - perguntou Demétria -. Por que Sebastian faria algo semelhante? O que
esperava lucrar com isso?
Tentou
fazer com que ele não notasse quão atônita suas palavras a deixaram. Demétria
sabia que seu irmão era capaz de tais traições, mas mesmo assim não podia
entender o motivo.
-
Sem dúvida Sebastian tinha que saber que sendo o senhor dessas terras, Joseph
responderia de algum jeito - continuou dizendo -. Sim, Demétria, e essa era
precisamente sua esperança. Sebastian estava tentando matar Joseph -
acrescentou com uma obscena gargalhada -. Seu irmão está faminto de poder. Só
há um homem a quem deve temer em toda a Inglaterra, e esse homem é Joseph. Eles
são iguais em poder. Todos sabem que Sebastian pode fazer com que o rei o
escute, é certo, mas os soldados de Joseph são os melhores guerreiros do mundo.
O rei dá valor à lealdade de meu irmão tanto como dá valor à amizade de
Sebastian.
-
O rei permitiu essa traição? - perguntou Demétria.
-
William se nega a agir sem provas - respondeu Nicholas, e sua voz refletiu o
desgosto que sentia -. Não defende nem Sebastian nem Joseph. Uma coisa sim
posso lhe prometer, lady Demétria: quando nosso rei retornar da Normandia, já
não poderá continuar fugindo do problema por mais tempo.
-
Então Joseph não pôde agir em nome de seus vassalos? - perguntou Demétria -. É
essa a razão pela qual o lar de meu irmão foi destruído?
-
É muito ingênua se acredita que Joseph não fez nada. Expulsou imediatamente
aqueles bastardos das propriedades de seus vassalos.
-
Agiu da mesma forma que agiram com ele, Nicholas? - Demétria sussurrou sua
pergunta -. Joseph também matou os inocentes assim como os culpados?
-
Não - respondeu Nicholas -. Não fez nada com as mulheres e as crianças. Apesar
de tudo o que possa dizer de seu irmão, Demétria, os Wexton não são
sanguinários. E nossos homens tampouco se escondem atrás de cores falsas quando
atacam.
-
Sebastian não me diz nada - Demétria voltou a protestar -. Você esquece que sou
apenas uma irmã. Não mereço que ele compartilhe seus pensamentos comigo. - Seus
ombros se encurvaram. OH, Deus, havia tanto a refletir, tanto que raciocinar e
esclarecer... -. O que vai acontecer se o rei ficar do lado de Sebastian? O que
acontecerá a seu irmão, então?
Nicholas
ouviu o medo que havia em sua voz. De repente Demétria estava se comportando
como se realmente se importasse com o que pudesse acontecer com Joseph. Aquilo
não tinha nenhum sentido, considerando sua posição como prisioneira. Lady
Demétria conseguiria confundi-lo se ele assim o permitisse.
-
Joseph é um homem que tem pouca paciência, e seu irmão selou seu destino quando
ousou tocar em um Wexton - disse -. Meu irmão não vai esperar que o rei volte
para a Inglaterra para que possa ordenar uma luta de morte com o bastardo de
seu irmão. Não, Joseph vai matar Sebastian, com ou sem a bênção do rei.
-
A que você se refere quando diz que Sebastian tocou em um Wexton? - perguntou
Demétria -. Havia outro irmão Wexton e Sebastian o matou? - supôs.
-
Ah, assim finge que também nada sabe a respeito de Miley. É essa a maneira que
funciona este jogo? - quis saber Nicholas.
Um
súbito nó de medo oprimiu o estômago de Demétria, porque não deixou de perceber
a aterradora expressão que acabava de aparecer nos olhos do Nicholas.
-
Por favor - murmurou, baixando a cabeça contra seu ódio -. Tenho que saber tudo
a respeito disto. Quem é Miley?
-
Nossa irmã.
Demétria,
de repente, levantou a cabeça.
-
Iriam à guerra por sua irmã? - perguntou. Parecia totalmente assombrada.
Nicholas não soube que conclusões tirar de semelhante reação.
-
Nossa irmã foi à corte, e enquanto estava ali, Sebastian a surpreendeu em um
momento em que estava sozinha - explicou -. Violou-a, Demétria, e bateu nela
com tamanha brutalidade que é um milagre que tenha sobrevivido. Seu corpo se
curou, mas sua mente ficou em pedaços.
A
compostura de Demétria caiu definitivamente. Deu as costas a Nicholas para que
este não pudesse ver as lágrimas que corriam por suas bochechas.
-
Sinto muito, Nicholas - murmurou.
-
E acredita no que acabo de lhe contar? - quis saber Nicholas, falando com voz
enrouquecida. Queria estar certo de que lady Demétria já não seria capaz de
continuar negando a verdade.
-
Uma parte dessa história, sim - respondeu Demétria -. Sebastian é capaz de
bater em uma mulher até matá-la. Mesmo assim, não sei se poderia violar uma
mulher, mas se disser que foi isso que aconteceu, então eu acreditarei em você.
Meu irmão é um homem muito malvado. Não lhe concedo minha defesa.
-
Então no que você não acredita? - perguntou Nicholas, voltando a gritar.
-
O que você me disse me faz pensar que você dá valor a sua irmã - confessou
Demétria -. Isso é o que me deixa tão confusa.
-
OH, em nome de Deus! Pode-se saber do você que está falando?
-
Você me fez objeto de sua cólera porque Sebastian desonrou o sobrenome dos
Wexton, ou porque realmente ama sua irmã?
A
incrível obscenidade daquela pergunta encheu Nicholas de fúria. Agarrou
Demétria, virou-a bruscamente até deixá-la face a face com ele, enquanto suas
mãos apertavam dolorosamente os ombros.
-
É obvio que amo minha irmã! - gritou -. Olho por olho, Demétria. Arrebatamos de
seu irmão o que ele mais dá valor. Você! Agora Sebastian virá atrás de você, e
quando o fizer, morrerá.
-
Assim, eu sou responsável pelos pecados de meu irmão?
-
É um peão que será utilizado para atrair o demônio - resmungou Nicholas.
-
Esse plano tem uma falha - murmurou Demétria, e a vergonha que sentia ressonou
em sua voz -. Sebastian não virá por mim. Não significo o suficiente para que
ele venha por mim.
-
Sebastian não é nenhum idiota - disse Nicholas, enfurecendo-se porque de
repente compreendeu que Demétria não podia ter falado mais sério.
Nem
Demétria nem Nicholas ouviram Joseph chegar.
-
Tire as mãos de cima dela, Nicholas. Agora!
Nicholas
se apressou a obedecer e inclusive deu um passo atrás, interpondo um pouco de
distância entre ele e sua prisioneira.
Joseph
foi até seu irmão, com a intenção de averiguar por que Demétria estava
chorando. Permitiu que Nicholas visse quão furioso estava.
Demétria
se colocou entre os dois irmãos e encarou Joseph.
-
Não me fez nenhum mal - disse -. Seu irmão só estava me explicando como vou ser
usada. Isso é tudo.
Joseph
pôde ver a dor que havia nos olhos de Demétria, mas antes que pudesse lhe fazer
uma pergunta, ela deu meia volta, agarrou sua bolsa e acrescentou:
-
É hora de montar o cavalo.
Tentou
andar para Nicholas para retornar ao acampamento. Joseph viu como seu irmão se
apressava a se separar do caminho de Demétria.
O
irmão mais novo parecia preocupado. - Quer que eu acredite que ela não é
culpada - murmurou.
-
Demétria lhe disse isso? - perguntou Joseph.
-
Não, não o fez - admitiu Nicholas encolhendo os ombros -. Não se defendeu a si
mesma em nenhum momento, Joseph, mas se comportou de uma maneira condenadamente
inocente. Demônios, não a entendo! Pareceu muito surpresa que nos importemos
com nossa irmã. Acredito que isso também foi uma autêntica reação. De fato,
chegou a me perguntar se dávamos valor a Miley.
-
E como reagiu Demétria quando você lhe respondeu? - perguntou Joseph.
-
Pareceu sentir-se ainda mais perplexa. Não a entendo - murmurou Nicholas -.
Quanto mais rápido concluirmos este plano, melhor será. Lady Demétria não é o
que eu esperava.
-
Lady Demétria é uma contradição - admitiu Joseph -. Deus bem sabe que ela não
conhece seu próprio valor. - Suspirou ao pensar no que tinha podido observar
até o momento, e logo disse -: Venha, o tempo corre. Se nos apressarmos,
estaremos em casa antes do anoitecer.
Nicholas
respondeu à ordem com um assentimento de cabeça e começou a andar junto de seu
irmão.
Enquanto
voltava para acampamento, Demétria decidiu que não iria a nenhuma parte. Ficou
imóvel no centro da clareira, com sua capa envolvendo seus ombros. Ansel pegou
sua bolsa e Demétria não tinha protestado por isso na frente o escudeiro.
Dava-lhe igual se a sua bagagem fosse com Joseph. Para falar a verdade, não
acreditava que houvesse nada que lhe importasse. Quão único queria era que a
deixassem em paz.
Joseph
andou até seu escudeiro, para terminar de ajustar os arreios de combate.
Indicou com a mão para Demétria que subisse em seu cavalo, e depois continuou
andando. Então, ele se deteve de repente e voltou lentamente para olhar
Demétria, sem poder acreditar no que parecia ter visto.
Demétria
havia voltado a lhe dizer que não. Joseph ficou tão assombrado por aquela
exibição de desafio que não reagiu imediatamente. Demétria sacudiu a cabeça uma
terceira vez, e depois se virou bruscamente e começou a andar para o bosque.
-
Demétria!
O
rugido de Joseph a deteve. Demétria se voltou instintivamente para olhá-lo,
rezando dentro de sua cabeça para ter a coragem de voltar a desafiá-lo.
-
Suba no meu cavalo. Agora.
Olharam-se
o um ao outro durante um longo momento repleto de silêncio. Então Demétria
percebeu que todos os outros tinham feito uma pausa no que estavam fazendo e
ficaram olhando. Joseph não se voltaria atrás diante de seus homens. A maneira
com que ele a estava olhando deixou isso muito claro a Demétria.
Demétria
recolheu suas saias e se apressou em ficar diretamente diante de Joseph. Os
homens podiam estar olhando, mas se ela falava em voz baixa, então não poderiam
ouvir o que dizia a quem os comandava.
-
Não vou com você, Joseph. E se não fosse tão teimoso, já teria compreendido que
Sebastian não virá atrás de mim. Está desperdiçando seu tempo. Deixe-me aqui.
-
Para que sobreviva aqui longe de todos? - perguntou Joseph com um sussurro tão
suave como tinha sido o dela -. Não duraria nem uma hora.
-
Sobrevivi a situações piores, milord - respondeu Demétria, erguendo seus ombros
-. Minha decisão já está tomada, barão. Não vou com você.
-
Demétria, se um homem se negasse a minha ordem da maneira com que você acaba de
fazer, não viveria tempo suficiente para poder alardear sobre isso. Quando dou
uma ordem, espero que seja cumprida. Não ouse voltar a me responder com uma
negativa, ou um reverso de minha mão fará você pagar por isso, deixando-a
atirada no chão.
Era
um blefe de bastante mau gosto por parte de Joseph, e ele lamentou que essas
palavras tivessem saído de sua boca. Ele estava segurando o braço de Demétria,
e soube que inadvertidamente estava lhe fazendo mal e só percebeu quando ela
torceu o rosto em uma careta de dor. Joseph a soltou imediatamente, esperando
que ela corresse para obedecê-lo.
Demétria
não se moveu. Elevou o olhar para ele, com aquela majestosa compostura
novamente presente em seu rosto, e disse sem se alterar:
-
Estou acostumada com os golpes que me atiram ao chão, assim faça o que quiser.
E quando eu voltar a me colocar de pé, pode voltar a me derrubar com um murro
se assim for seu desejo.
Suas
palavras deixaram Joseph um pouco preocupado. Sabia que Demétria estava dizendo
a verdade. Franziu o cenho, enfurecido ao pensar que alguém se atreveu a
maltratá-la e sabendo, sem necessidade de que ela o dissesse, que era Sebastian
quem tinha aplicado o castigo.
-
E por que seu irmão ia...?
-
Isso não tem importância - Demétria o interrompeu antes que Joseph pudesse
terminar sua pergunta. Agora lamentava por ter dito alguma coisa. Demétria não
queria simpatia ou compaixão. Quão único queria era que a deixassem só.
Joseph
suspirou.
-
Suba no meu cavalo, Demétria.
Aquele
novo rompante de coragem, que tinha dado forças a Demétria por uns instantes, a
abandonou assim que viu flexionar o músculo junto à bochecha de Joseph. O
movimento acentuou a tensão que mantinha seu queixo apertado.
Joseph
desafogou a irritação que sentia deixando escapar com um rouco grunhido. Depois
fez com que ela virasse até deixá-la com o rosto virado ao lugar no qual seu
cavalo estava atado e a empurrou suavemente.
-
Deu-me outra razão para matar Sebastian - murmurou.
Demétria
começou a se virar para lhe pedir que explicasse sua observação, mas a
expressão que havia nos olhos de Joseph indicava que ele havia esgotado sua
paciência. Demétria aceitou o fato de que tinha saído perdedora daquela
discussão. Joseph estava decidido a levá-la com ele, sem se importar com o que
ela dissesse ou fizesse.
Suspirou
profundamente cheio de melancolia e depois andou na direção do cavalo de
Joseph. A maioria dos soldados ainda não tinha recomeçado suas tarefas. Todos
olhavam para Demétria, que tentou parecer serena. Dentro de seu peito, seu
coração batia como se fosse arrebentar. Embora o medo de temperamento de Joseph
pesasse muito sobre seu ânimo, agora havia uma preocupação ainda maior que a
torturava: o cavalo de Joseph. Que a agarrassem e a jogassem na garupa daquele
enorme e feio monstro era uma coisa, mas montar sem ajuda era algo muito
distinta.
-
Que covarde sou - murmurou Demétria para si mesma.
Agora
imitava o padre Berton, que tinha o hábito de falar consigo mesmo, e se lembrou
de que em uma ocasião seu tio havia lhe dito que não havia ninguém mais
interessado no que pudesse dizer, a não ser ele mesmo. Aquela lembrança tão
querida para ela fez com que chegasse a sorrir.
-
Oh, padre Berton, quão envergonhado o senhor iria se sentir se pudesse me ver agora...
Tenho que montar um cavalo saído do inferno, e certamente vou envergonhar a mim
mesma.
A
ironia de sua preocupação finalmente conseguiu abrir passagem através de seu
medo.
-
Por que estou tão preocupada em me envergonhar, se o cavalo de Joseph vai me
pisotear até me matar? O que importará então se eles pensarem que sou uma
covarde? Já estarei morta.
Seu
argumento ajudou a aliviar o temor que sentia. Demétria estava começando a se
acalmar um pouco, até que percebeu que o cavalo parecia estar lhe observando.
Quando o animal começou a arranhar o chão com as patas dianteiras, Demétria
chegou à conclusão de que tampouco gostava de nada do que via. Inclusive,
chegou a dar coices enquanto a olhava fixamente. Demétria decidiu que aquele
cavalo tão estúpido tinha adquirido todas as odiosas características de seu
dono.
Armou-se
de coragem e foi para o cavalo, detendo-se junto ao seu lado. O animal não
gostou muito daquilo e, de fato, tentou separá-la, empurrando-a com seu flanco
traseiro. Demétria levantou a mão para agarrar-se à sela, mas então o cavalo
soltou um relincho que a fez retroceder com um salto.
Cheia
de exasperação, Demétria colocou suas mãos nos quadris.
-
É maior que eu, mas certamente não tão inteligente - disse.
Ela
ficou satisfeita ao ver o cavalo realmente olhava para ela. Demétria sabia que
o cavalo não podia entender o que ela estava dizendo, mas o mero feito de ter
conseguido atrair sua atenção, já bastava para fazer com que se sentisse
melhor.
Demétria
sorriu à besta enquanto ia avançando com tímidos pequenos passos até colocar-se
diante do animal.
Uma
vez que esteve na frente do animal, puxou as rédeas, obrigando-o a baixar a
cabeça. E logo começou a lhe sussurrar, falando em um tom de voz muito baixo e
suave enquanto lhe explicava, cuidadosamente, todos seus temores.
-
Nunca aprendi a montar e essa é a razão pela qual tenho tanto medo de você -
disse-lhe -. É tão forte que poderia me pisotear. Não ouvi seu dono chamar seu
nome, mas se você me pertencesse, eu o chamaria Silenus. Esse é o nome de um
dos meus deuses favoritos da antiguidade. Silenus era um dos poderosos
espíritos da natureza, selvagem e indômito, e por isso se parecia muito com
você. Sim, acredito que Silenus é um nome muito apropriado para você.
Quando
terminou aquele monólogo, Demétria soltou as rédeas.
-
Seu dono me ordenou que suba em sua garupa, Silenus - disse -. Peço-lhe que
fique quieto, porque continuo com muito medo.
Joseph
já tinha terminado de se preparar. Agora permanecia imóvel do outro extremo da
clareira, observando com crescente espanto enquanto Demétria falava com seu
cavalo. Não podia ouvir o que ela estava dizendo. Deus, mas ela estava tentando
subir na sela de montar do lado errado! Joseph se preparou para gritar uma
advertência, certo de que o animal iria empinar, mas as palavras ficaram presas
em sua garganta, quando viu que Demétria se sentava no alto do enorme animal.
Todo aquilo era errado e certamente estranho, mas Joseph não teve alternativa
que suspirar. Agora entendia por que Demétria sempre se agarrava a ele quando
cavalgavam juntos. Tinha medo de seu cavalo. Joseph se perguntou se aquele
ridículo medo se limitava a seu cavalo ou abrangeria todos os cavalos.
Joseph
reparou que o cavalo, sempre nervoso, não tinha movido nem um só músculo para
perturbar a torpe subida de Demétria até a sela de montar. E que o pendurassem
se ela não havia se inclinado para baixo, dizendo alguma coisa a mais ao
animal, depois de ter conseguido se instalar!
-
Viu o que eu acabo de ver?
Nicholas
tinha formulado a pergunta atrás das costas de Joseph.
Joseph
assentiu, mas não se virou. Continuava olhando para Demétria com um sorriso
congelado nos cantos de seus lábios.
-
Quem você acha que a ensinou a montar? - perguntou Nicholas, sacudindo a cabeça
com uma careta de diversão -. Não parece ter nem a mais remota ideia de como se
faz.
-
Ninguém lhe ensinou - comentou Joseph -. Isso é óbvio, Nicholas. E é curioso,
mas meu cavalo não parece se sentir muito aborrecido pela falta de educação de
Demétria - acrescentou, sacudindo a cabeça e começou a andar para a dama sobre
a qual esteve falando.
O
jovem escudeiro, Ansel, aproximou-se de Demétria na direção oposta. Um
sorrisinho depreciativo iluminava seu sardento rosto, e começou a exortar
Demétria a respeito de sua evidente incapacidade para montar.
-
Tem que montar pela esquerda - disse com grande autoridade. Depois agarrou sua
mão, como se fosse baixá-la ao chão com um puxão para que pudesse voltar a
montar corretamente. O cavalo começou a se agitar no mesmo instante em que
Joseph aparecia. A mão de Ansel saiu voando, assim como o resto de seu corpo.
-
Não volte a tocá-la nunca mais!
O
rugido de Joseph seguiu Ansel enquanto ele caía no chão. Aparentemente ileso
depois da queda. O escudeiro se apressou a levantar e assentiu submissamente.
O
pobre moço parecia estar tão horrorizado por ter aborrecido seu senhor, que
Demétria decidiu intervir em sua defesa.
-
Seu escudeiro teve a consideração de me ensinar - declarou -. Queria apenas me
ajudar a descer, porque em minha pressa cometi o estúpido erro de montar pelo
lado equivocado.
Ansel
lançou um rápido olhar de gratidão a Demétria, antes de voltar-se para seu
lord, inclinando-se diante dele. Joseph assentiu, aparentemente satisfeito com
a explicação.
Quando
Demétria compreendeu que Joseph se dispunha a montar em Silenus, fechou os
olhos, certa de que não demoraria para ver-se lançada ao chão.
Joseph
a viu fechar os olhos antes que Demétria virasse seu rosto para o outro lado.
Sacudiu a cabeça, perguntando-se que demônios podia estar acontecendo agora, e
depois subiu à sela, colocando Demétria em seu colo, em uma única e rápida
ação.
A
grossa capa de Joseph envolvia Demétria, que se apoiou em seu antes que pudesse
começar a se preocupar com aquele ato.
-
Você não é melhor que Sebastian - murmurou para si mesma -. Por acaso pensa que
não percebi que nem sequer arrumou tempo para enterrar seus mortos, antes de
sair da fortaleza de meu irmão? Sim, eu notei isso. É igualmente implacável.
Matou sem mostrar nenhum sinal de remorso.
Joseph
teve que recorrer a todo o domínio de si mesmo para não agarrar sua prisioneira
e sacudi-la até colocar algum juízo em sua cabeça.
-
Demétria, não enterramos nossos mortos, porque nenhum de meus homens morreu -
disse-lhe finalmente.
Demétria
ficou tão surpresa com aquela resposta que se atreveu a levantar a vista para
ele. A parte superior de sua cabeça se chocou com o queixo dele, mas Demétria
não procurou se desculpar.
-
Havia corpos caídos por todo o chão, Joseph.
-
Eram os soldados de Sebastian, Demétria, não meus - respondeu Joseph.
-
Espera que eu acredite que seus soldados são superiores aos deles...?
-
Espero que deixe de testar meu temperamento, Demétria - respondeu Joseph.
Ela
soube que Joseph falava muito sério quando cobriu bruscamente sua cabeça com a
capa.
Demétria
chegou à conclusão de que Joseph era um homem horrível, e de que obviamente não
tinha coração. Sim, porque se tivesse sido dotado de emoções humanas, então
nunca teria sido capaz de matar um semelhante com facilidade.
O
certo era que Demétria não podia imaginar a si mesma tirando a vida de outra
pessoa. Ter levado uma existência tão reclusa apenas com o padre Berton e seus
dois companheiros não a preparou para enfrentar alguém como Sebastian ou
Joseph.
Demétria
tinha aprendido que a humildade era uma meta imensamente valiosa. Sim,
obrigava-se a adotar a mansidão diante de seu irmão, enquanto fervia de ira por
dentro. Rezava para que ela não tivesse uma alma tão escura como a de
Sebastian. Eles tinham compartilhado o mesmo pai. Demétria queria acreditar que
ela havia herdado a bondade do lado materno da família, e nenhuma das vis
peculiaridades de seu pai. Será que ela se enganava com tal esperança?
Não
demorou a ficar muito esgotada para que pudesse continuar se preocupando com
isso. A jornada daquele dia estava demonstrando ser a mais difícil de suportar,
e os nervos de Demétria se viram submetidos a uma dura prova. Ouviu a
observação de um dos soldados ao dizer que já estavam quase em casa, e
possivelmente por acreditar que o final se aproximava, cada nova hora parecia
muito mais longa que as anteriores.
O
terreno, escarpado e montanhoso, obrigava-os a ir mais devagar. Joseph não
podia manter seu habitual frenético ritmo de marcha. Foram vários os momentos
nos quais Demétria teve certeza de que o cavalo ia tropeçar em alguma coisa, e
passou a maior parte daquele longo e torturante dia com os olhos fechados, e os
braços de Joseph ao redor dela. A preocupação terminou por levá-la ao
esgotamento, convencida como estava de que não demorariam a ser precipitados em
uma daquelas fendas profundas, que Silenus parecia tão apaixonado em chegar o
mais perto possível.
Um
dos soldados gritou a novidade quando por fim chegaram às terras de Wexton. Um
coro de vivas ressoou pelas colinas. Demétria suspirou com alívio. Recostou-se
no peito de Joseph e sentiu como a tensão ia-se dissipando rapidamente de seus
ombros. Estava muito cansada para poder se preocupar com o que lhe aconteceria
quando entrasse no lar de Joseph. O mero fato de descer de Silenus já era uma
bênção suficiente, por agora.
O
dia tinha estava se tornando cada vez mais frio. Demétria foi ficando
impaciente, progressivamente, à medida que os minutos necessários para chegar
às terras de Wexton se convertiam em longas horas, e continuava sem poder
avistar a fortaleza de Joseph.
As
últimas luzes do dia já estavam se desvanecendo, quando Joseph ordenou fazerem
uma parada. Foi Nicholas quem o convenceu a parar. A áspera troca de palavras,
que ocorreu entre os dois irmãos, indicou a Demétria que aquela parada não era
do agrado de Joseph. Também notou que Nicholas não parecia se sentir nada
ofendido pelas duras observações de seu irmão mais velho.
-
Por acaso é mais fraco que nossa prisioneira? - perguntou Joseph a Nicholas
quando este insistiu para que descansassem durante uns minutos.
-
Já não sinto minhas pernas - replicou Nicholas com um encolher de ombros.
-
Lady Demétria não se queixou - comentou Joseph depois de ter elevado a mão para
indicar a seus homens que se detivessem.
-
Sua prisioneira está muito assustada para dizer alguma coisa - zombou Nicholas
-. Esconde-se debaixo de sua capa e chora junto a seu peito.
-
Não acredito - respondeu Joseph, separando um pouco a capa para que Nicholas
pudesse ver o rosto de Demétria -. Vê alguma lágrima, Nicholas? - perguntou-lhe
depois em tom cheio de diversão.
Nicholas
sacudiu a cabeça. Joseph estava tentando fazer com que se sentisse inferior
àquela bonita mulher que estreitava em seus braços. O ardil não tinha lhe
afetado nem um pouco, e chegou a sorrir suavemente. O desejo de estirar as
pernas e beber um pouco de cerveja era sua única preocupação naquele momento,
junto com o fato de que sua bexiga estava a ponto de arrebentar.
-
Pode ser que sua prisioneira seja muito tola para conhecer o medo - observou
com um sorriso.
A
observação não agradou Joseph, em nada. Despediu-se de Nicholas com o terrível
cenho franzido, suficiente para fazer que seu irmão saísse correndo, e logo
desmontou lentamente.
Joseph
seguiu Nicholas com o olhar até que este desapareceu dentro do bosque, e logo
se voltou para Demétria. Demétria estendeu os braços para ele em busca de
ajuda, colocando as mãos sobre a curva de seus largos ombros. Até tratou de
sorrir.
Joseph
não lhe devolveu o sorriso. Não obstante, demorou um tempo imensamente longo
para baixá-la ao chão. Suas mãos envolveram a cintura de Demétria quando a
atraiu para ele, mas assim que os olhos dela estiveram à altura dos dele, e só
com um pequeno espaço por separá-los, ele parou.
Demétria
estirou as pernas com um gemido de dor que não conseguiu conter. Cada músculo
de seu traseiro gritava em uma muda agonia.
Joseph
teve a audácia de sorrir ante seu desconforto.
Demétria
decidiu que Joseph sempre conseguia tirar o que de pior havia nela. De que
outra maneira podia explicar aquele repentino e irresistível impulso de gritar
com ele. Sim, Joseph cutucava o lado escuro do caráter de Demétria até
conseguir deixá-lo em primeiro plano. Mas se ela nunca, nunca gritava a
ninguém! Demétria era uma mulher doce e carinhosa, que foi abençoada com um
temperamento sensato e aprazível. O padre Berton havia dito isso em muitas
ocasiões.
E
agora aquele guerreiro tentava arrebatar sua bondade natural zombando dela.
Bom,
então Demétria não permitiria que isso acontecesse. Agora, Joseph não
conseguiria fazer com que ela perdesse a paciência, não importava o quanto ele
sorrisse de suas dores e aflições.
Olhou
nos olhos dele, decidida a se manter firme, ainda que fosse só desta vez.. Ele
a olhava fixamente, como se pensasse que dessa maneira poderia encontrar a
resposta a algum enigma que o intrigava.
O
olhar de Joseph foi baixando lentamente até que se viu contemplando a boca de
Demétria, e Demétria se perguntou o que ele estaria olhando, quando percebeu
que estava olhando para a boca de Joseph.
Ruborizou-se,
embora sem saber o porquê.
-
Nicholas está muito enganado - disse -. Não sou nenhuma tola.
O
sorriso de Joseph, maldita fosse sua negra alma, tornou-se um pouco maior.
-
Já pode me soltar - disse Demétria, lançando-lhe o que esperava ser um olhar
altivo.
-
Se o fizer você cairá de bruços - anunciou Joseph.
-
E isso iria deixá-lo satisfeito? - perguntou ela, fazendo todo o possível para
que sua voz empregasse o mesmo suave sussurro que ele tinha utilizado, quando
fez aquele comentário tão humilhante.
Joseph
encolheu os ombros e a soltou subitamente, Oh, realmente não restava dúvida de
que o barão de Wexton era um homem terrível! Joseph sabia com toda certeza o
que ia acontecer. Demétria teria caído sobre seu traseiro se não se agarrasse
ao braço dele, porque, agora, suas pernas não pareciam ser capazes de se
lembrar do que consistia sua obrigação.
-
Não estou acostumada a cavalgar durante tantas horas seguidas - apressou-se em
dizer.
Joseph
não acreditava que ela estivesse acostumada a montar nem um só instante. Deus,
ela o deixava cada vez mais confuso! Não havia dúvida de que lady Demétria era
a mulher mais desconcertante com que jamais encontrou. Quando andava era
graciosa, mas também podia ser incrivelmente torpe. Foram tantas as ocasiões em
que sua cabeça se chocou com o queixo de Joseph que ele acreditava que a cabeça
de Demétria estivesse cheia de galos.
Demétria
não tinha nem a mais remota ideia de quais seriam os pensamentos que passavam
pela cabeça de Joseph. Mas ele estava sorrindo, e isso era algo com que tinha
que se preocupar. Finalmente pôde se soltar dele. Deu-lhe as costas, e entrou
lentamente no bosque para buscar um pouco de intimidade. Sabia que andava como
uma anciã, e rezou para que Joseph não estivesse olhando para ela.
Quando
voltou da densa floresta, Demétria andou em grande círculo ao redor dos homens,
resolvida a expulsar os dores e cãibras de suas pernas antes que se visse
obrigada a subir em Silenus, novamente. Deteve-se quando chegou ao extremo mais
afastado daquela área triangular, e baixou o olhar para o vale de que acabavam
de subir.
Joseph
não parecia ter nenhuma pressa em recomeçar a jornada. Aquilo não tinha nenhum
sentido para Demétria, já que se lembrava de quão irritado ele tinha ficado
quando Nicholas pediu que fizessem uma parada. Agora se comportava como se
dispusesse de todo o tempo do mundo. Demétria sacudiu sua cabeça. Joseph de
Wexton era o homem mais desconcertante que jamais conheceu.
Decidiu
sentir-se agradecida por aquela pausa. Precisava de uns minutos a mais a sós
para fazer com que sua mente se esquecesse de todas suas preocupações, alguns
preciosos minutos da mais pacífica solidão nos quais poderia recuperar o
controle de suas emoções.
O
dia quase tinha chegado ao fim, já que agora o sol começava a ficar no
horizonte. Magníficas franjas de uma intensa cor laranja e uma tênue cor
avermelhada atravessavam o céu, arqueando-se para baixo e dando a impressão de
que chegavam a tocar o chão em algum lugar longínquo. Cada estação trazia
consigo seus próprios e especiais tesouros, e a nudez do inverno que já estava
muito próximo encerrava uma imensa beleza. Demétria estava tentando ignorar o
barulho que havia atrás dela, concentrando-se em todo o esplendor que tinha lá
embaixo, quando sua atenção foi subitamente atraída por uma faísca de luz que
apareceu entre as árvores.
A
piscada de luz desapareceu um instante depois. Cheia de curiosidade, Demétria
continuou andando para a direita até que recapturou a luz. Era muito estranho,
mas agora a luz parecia estar vindo de outra direção um pouco mais afastada,
abaixo do vale.
Então
as luzes se multiplicaram subitamente, até que pareceu como se cem velas
tivessem sido acesas no mesmo instante: as luzes tremiam e piscavam.
A
distância era grande, mas o sol agia como um espelho e ia aproximando cada vez
mais aquelas faíscas. Como fogo, pensou Demétria... ou metal.
Então
entendeu. Só homens que usassem armadura poderiam explicar a presença de
semelhantes reflexos.
E
havia centenas deles.
eu sei que sao capitulos longos, mas cansa ficar cortando o capitulo pela metade.....
Up and down (ogami ajjilhage)
You and me (dalkomhi dagawaseo)
What you want? Nal milgo danggiji
I’ll bring you back in
Up and down (jakkuman hetgallige)
You and me (daheul deut dahji anha)
What you want? Nareul maemdoneun aemaehan you and me
Para cima e para baixo (Os cinco sentidos me deixam tonta)
Você e eu (Nos aproximando docemente )
O que você quer? Você continua me empurrando
Eu vou te trazer de volta
Para cima e para baixo (Você continua me confundindo)
Você e eu (como se estivéssemos nos tocando, mas não!)
O que você quer? Você continua me circulando, você e eu
hehehehe