Demetria passou a
seguinte semana fingindo ler tragédias Gregas. Era impossível manter a mente
concentrada em um livro o suficiente para ler um de verdade, mas posto que
tivesse que olhar as letras na página de vez em quando, e pensou que bem
poderia escolher algo de acordo com seu humor.
Uma comédia a teria
feito chorar. Uma história de amor, que Deus a perdoasse, a teria feito desejar
morrer imediatamente.
Selena, a quem nunca
foi conhecida por sua falta de interesse nos assuntos de outras pessoas, foi
incessante na busca da razão que havia atrás do mau humor de Demetria. De fato,
as únicas vezes em que não interrogava Demetria, era quando tentava alegrá‐la. Selena
estava na metade de uma dessas sessões de ânimo, entretendo Demetria com
histórias sobre certa condessa que tinha jogado a seu marido de casa até que
este aceitou deixá‐la comprar quatro pequenos poodles como mascotes, quando Lady
Rudland chamou brandamente à porta.
—OH, bem — disse,
colocando à cabeça pela porta. — Estão as duas aqui.
Selena, não se sente
dessa forma. Não é próprio de uma dama.
Selena ajustou
submissamente sua postura antes de perguntar.
—O que ocorre, mamãe?
—Queria informá‐las
de que fomos convidados à casa da Lady Chester para uma visita campestre na
próxima semana.
—Quem é Lady Chester?
—inquiriu Demetria, deixando seu novo manuseado volume de Tosquio sobre o colo.
—Nossa prima —
respondeu Selena. — Terceiro ou quarto grau, não posso recordar.
—Segundo – corrigiu
lady Rudland. — E aceitei o convite em nome de todos.
Seria de má educação
não aceitar, já que é um familiar tão próximo.
—Adam vai? —perguntou
Selena.
Demetria quis
agradecer mil vezes a amiga por ter perguntado o que ela não se atrevia a
expressar.
—É melhor que vá.
Conseguiu escapar das obrigações familiares durante muito tempo — disse Lady
Rudland com incomum dureza. — Se não o fizer, terá que responder ante mim.
—Céus — disse Selena
impassível. — Que ideia tão terrível.
—Não sei o que
acontece com esse menino — disse Lady Rudland com um movimento de cabeça. — É
quase como se estivesse nos evitando.
Não, pensou Demetria
com um sorriso triste, só a mim.
Adam dava tapinhas
impaciente com o pé enquanto esperava que sua família descesse. Pela décima
quinta vez essa manhã, encontrou‐se desejando parecer mais ao
resto dos homens da alta sociedade, muitos dos quais ignoravam as mães ou as tratavam
como fragmentos de penugens. Mas de alguma forma, sua mãe conseguiu que
aceitasse ir aquela condenada festa de fim de semana no campo, a qual é obvio Demetria
também iria.
Era um idiota. Esse
dia estava conseguindo que o fato se voltasse cada vez mais claro.
Um idiota que
aparentemente tinha ofendido o destino, porque logo que sua mãe chegou ao
vestíbulo, disse:
—Terá que ir com Demetria.
Aparentemente os
deuses tinham um mórbido senso de humor.
Clareou a garganta.
—Acha que é boa ideia,
mãe?
Ela lhe dirigiu um
olhar de impaciência.
—Não vai seduzir à
garota, não é?
Maldita fosse!
—Claro que não. É só
que terá que ter em conta sua reputação. O que dirão as pessoas quando nos vir
chegar à mesma carruagem? Todo mundo saberá que passamos várias horas a sós.
—Todo mundo pensa em
vocês como se fossem irmão e irmã. Encontrar‐nosemos a uma milha de
Chester Park e trocaremos, e assim chegará com seu pai. Não haverá nenhum
problema. Além disso, seu pai e eu precisamos falar a sós com Selena.
—O que fez agora?
—Aparentemente chamou
Georgiana Elster de tola.
—Georgiana Elster é
uma tola.
—Na cara, Adam! Disse
na cara.
—Desajuizado da parte
dela, mas nada que requeira uma repreensão de duas horas, em minha opinião.
—Isso não é tudo.
Adam suspirou. Sua
mãe estava decidida. Duas horas a sós com Demetria. O que tinha feito para
merecer aquela tortura?
—Chamou sir Robert
Kent “arminho muito grande".
—Na cara, suponho.
Lady Rudland
assentiu.
—O que é um arminho?
—Não tenho a menor ideia,
mas suponho que não seja um elogio.
—Um arminho é uma
doninha, acredito — disse Demetria enquanto entrava no vestíbulo com um vestido
de viagem azul nata.
Sorriu aos dois,
irritantemente composta.
—Bom dia, Demetria —
disse Lady Rudland energicamente. — Vai com Adam.
—Sério? —Quase se
afogou com suas próprias palavras e teve que encobrir com um pouco de tosse. Adam
achou uma juvenil satisfação nisso.
—Sim. Lorde Rudland e
eu precisamos falar com Selena. Esteve dizendo algumas coisas bastante
inapropriadas em público.
Escutou‐se
um gemido das escadas. Três cabeças giraram ao redor para olhar
Selena enquanto
descia.
—É realmente
necessário, mamãe? Não pretendia fazer mal. Nunca teria chamado de bruxa
miserável lady Finchcoombre se soubesse que ia se vingar.
O sangue abandonou o
rosto de Lady Rudland.
—Chamou lady
Finchcoombre de miserável?
—Não sabia? —
Perguntou fracamente Selena.
—Adam, Demetria, sugiro
que vão já. Nos veremos em algumas horas.
Afastaram‐se
em silencio até a carruagem que os esperava, e Adam sustentou a mão no alto
para ajudar Demetria enquanto subia. Os dedos enluvados dela pareciam elétricos
sobre os dele, mas ela não devia ter sentido o mesmo, posto que soasse singularmente
imutável quando murmurou:
—Espero que minha
presença não seja uma prova muito dura para você, milord.
A resposta de Adam
foi uma mescla entre grunhido e suspiro.
—Eu não planejei,
sabe?
Sentou de frente a
ela.
—Sei.
—Não tinha nem ideia
de que... —Ela levantou a vista. — Sabe?
—Sei. Minha mãe
estava bastante resolvida a falar a sós com Selena.
—OH. Obrigada por
acreditar, então.
Ele deixou sair o ar
contido, olhando pela janela durante um momento enquanto a carruagem ficava em
movimento.
—Demetria eu não
acredito que seja algum tipo de mentirosa e incorrigível.
—Não, claro que não —
disse ela com rapidez. — Mas parecia bastante furioso quando me ajudou a subir
à carruagem.
—Estava furioso com o
destino, Demetria, não contigo.
—Que bom — disse ela
friamente. — Bom, se me desculpar, trouxe um livro. — retorceu‐se
de forma que a maior parte possível de suas costas estivesse de rosto a ele e
começou a ler.
Adam esperou ao redor
de trinta segundos antes de perguntar.
—O que é isso que
está lendo?
Demetria ficou
gelada, logo se moveu lentamente, como se estivesse completando a mais odiosa
das tarefas. Levantou o livro.
— Ésquilo.
—Que deprimente.
—Igual ao meu humor.
—OH querida, isso foi
um dardo envenenado?
—Não seja
condescendente, Adam. Nestas circunstâncias, é pouco apropriado.
Ele elevou as
sobrancelhas.
—E o que significa
isso exatamente?
—Significa que depois
de tudo o que... Ehh... Ocorreu entre nós, sua atitude de superioridade já não
é justificada.
—Caramba! Essa sim
que foi uma frase longa.
Demetria deixou que
seu olhar respondesse por ela. Aquela vez, quando voltou a segurar o livro,
cobriu inteiramente o rosto.
Adam riu entre dentes
e inclinou para trás, surpreso pelo muito que estava se divertindo. As mais
caladas eram sempre as mais interessantes. Demetria talvez nunca escolhesse por
si mesma colocar‐se no centro das atenções, mas podia defender‐se
em uma conversa com inteligência e estilo. Fazê‐la fisgar o anzol era
altamente divertido. E não se sentia culpado nem um pouco por isso. Apesar de
sua mal‐humorada forma de agir, Adam não tinha dúvidas de que ela
desfrutava de cada farpa de seus enfrentamentos verbais tanto quanto ele.
Talvez aquela viagem
não fosse tão terrível. Só tinha que assegurar‐se de mantê‐la
ocupada naquele tipo de divertida conversa e não olhar os lábios dela muito tempo.
Gostava muito
daqueles lábios.
Mas não ia pensar
nisso. Reataria o bate‐papo e tentar desfrutar igual fazia antes que de se envolverem em
toda aquela confusão. Sentia bastantes saudades da velha amizade com Demetria,
e supôs que já que ficariam presos juntos naquela carruagem durante duas horas,
então veria o que poderia fazer para ajeitar as coisas.
—O que está lendo?
—perguntou.
Ela levantou a vista,
irritada.
—Ésquilo. Não me
perguntou isso já?
—Queria dizer, que
livro de Ésquilo — improvisou ele.
Para sua diversão,
ela teve que baixar a vista ao livro antes de responder:
—As Euménides. — Ele
piscou. —Você não gosta?
—Todas essas mulheres
furiosas? Não acredito. Dê‐me uma boa história de aventuras um dia qualquer.
—Eu gosto de mulheres
furiosas.
—Sente uma forte
empatia? OH, querida, não, não aperte os dentes, Demetria, você não gostaria de
ter que ir ao dentista, juro isso.
A expressão dela foi
tal, que ele não pôde fazer mais que rir.
—OH, não seja tão
sensível, Demetria.
Ainda fulminando‐o
com o olhar, ela murmurou:
—Sinto muito, milord.
E logo conseguiu de
algum jeito fazer uma reverencia total ali no meio da carruagem.
A risada de Adam
explodiu em divertidas gargalhadas.
—OH, Demetria —
disse, enxugando os olhos. — É uma joia.
Quando se recuperou
por fim, ela estava olhando‐o como se ele estivesse louco. A ele ocorreu durante um segundo
levantar as mãos como se fossem garras e soltar algum tipo de som animal
estranho, só para confirmar suas hipóteses. Mas ao final, simplesmente se
recostou para trás e sorriu de orelha a orelha.
Ela sacudiu a cabeça.
—Não o entendo.
Ele não respondeu,
sem desejar que a conversa voltasse para águas mais sérias.
Ela voltou a elevar
seu livro, e aquela vez, ele se dedicou há cronometrar quantos minutos passava
antes que virasse a página. Quando o resultado foi de cinquenta segundos,
desenhou um sorriso.
—Uma leitura difícil?
Demetria baixou
lentamente o livro e lançou um olhar mortal em sua direção.
—Perdão?
—Muitas palavras
grandes?
Ela simplesmente o
olhou.
—Não mudou de página
desde que começou.
Ela deixou escapar um
forte grunhido e com grande determinação, passou a página.
—É em inglês ou em
grego?
—Perdão?
—Se estiver em grego,
isso explicaria sua velocidade.
Os lábios dela se
abriram.
—Ou a falta dela —
disse ele com um encolhimento de ombros.
—Sei ler grego —
disse ela entre dentes apertados.
—Sim e é um lucro
elogiável.
Ela baixou a vista a
suas mãos. Estavam apertando o livro com tanta força, que os nódulos estavam
ficando brancos.
—Obrigada — disse
forçada.
Mas ele não tinha
acabado.
—Pouco comum para uma
mulher, não acha?
Aquela vez, ela
decidiu ignorá‐lo.
—Selena não pode ler
em grego — disse ele conversador.
—Selena não tem um
pai que não faz outra coisa que não seja ler em grego —
Demetria respondeu
sem levantar a vista. Tentou concentrar‐se nas palavras da parte superior
da nova página, mas não tinham muito sentido, posto que não tivesse terminado
de ler à anterior. Nem sequer havia começado.
Deu tapinhas com um
dedo enluvado contra o livro enquanto fingia ler. Não acreditava que houvesse
maneira alguma de voltar para a página anterior sem que ele notasse. Tampouco
importava muito, pois duvidava que conseguisse ler nada mais enquanto ele
estivesse olhando com aquele olhar de cílios espessos para ela. Era mortal,
decidiu. A fazia arder e estremecer ao mesmo tempo, ela estava completamente
irritada com o homem.
Estava totalmente
segura de que ele não tinha interesse em seduzi‐la, mas apesar de tudo,
estava fazendo um bom trabalho.
—Um talento peculiar,
esse.
Demetria aspirou aos
lábios e levantou a vista para ele.
—Sim?
—Ler sem mover os
olhos.
Ela contou até três
antes de responder.
—Alguns de nós não
temos a necessidade de articular as palavras quando leem
Adam.
—Touché, Demetria.
Sabia que ainda ficava alguma faísca.
Cravou as unhas com
força no assento acolchoado. Um, dois, três. Segue contando. Quatro, cinco,
seis. A aquele passo, teria que chegar até cinquenta se quisesse controlar seu
caráter.
Adam a observou mover
a cabeça ligeiramente ao som de algum ritmo desconhecido e sentiu curiosidade.
—O que faz?
Dezoito, dezenove...
—O que?
—O que faz?
Vinte.
—Está ficando
extremamente incomodo Adam.
—Sou persistente.
—Sorriu zombador. — Acreditei que você, de todas as pessoas, apreciaria esse
traço. E agora, o que estava fazendo? Estava meneando a cabeça de uma forma da
mais curiosa.
—Se quer saber —
disse cortante — estava contando interiormente para assim poder controlar meu
temperamento.
Ele a olhou durante
um momento, então disse:
—Sinto calafrios
somente em pensar o que poderia ter me dito se tivesse deixado de contar antes.
—Estou perdendo a
paciência.
—Não! —disse ele com
fingida incredulidade.
Agarrou o livro uma
vez mais, tentando ignorá‐lo.
—Deixa de torturar
esse pobre livro, Demetria. Nos dois sabemos que não está lendo.
—Vai me deixar em
paz? – Ela explodiu por fim.
—Até que número
chegou?
—O que?
—Que número? Disse
que estava contando para assim não ofender minha tenra sensibilidade.
—Não sei. Vinte.
Trinta. Não sei. Deixei de contar faz mais ou menos uns quatro insultos.
—Chegou até trinta?
Mentiu Demetria. Não acredito que tenha perdido sua paciência comigo absolutamente.
—Sim, perdi — disse
ela com os dentes apertados.
—Não acredito.
—Aaaargh! — atirou o
livro nele. Bateu em um lado da cabeça.
—Ai!
—Não seja menino.
—Não seja tirana.
—Deixa de me
provocar!
—Não estava te
provocando.
—OH, por favor, Adam.
—OH, de acordo —
disse petulante, esfregando o lado da cabeça. — Estava te provocando. Mas não
teria feito se não tivesse me ignorado.
—Me perdoe, mas achei
que queria que te ignorasse.
—De onde diabo tirou
essa ideia?
A boca de Demetria se
abriu de repente.
—Está louco? Me
evitou como a uma praga durante ao menos os últimos quinze dias. Até evitou sua
mãe para me evitar.
—Bom, não é verdade.
—Diga a sua mãe.
Ele piscou.
—Demetria, eu queria
que fôssemos amigos.
Ela sacudiu a cabeça.
Havia palavras mais cruéis na língua inglesa?
—Não é possível.
—Por que não?
—Não pode ter ambas
as coisas. —Continuou Demetria, usando cada gota de energia para evitar que sua
voz tremesse. — Não pode me beijar e logo me dizer que quer que sejamos amigos.
Não pode me humilhar como fez nos Worthington, e logo declarar que gosta de
mim.
—Temos que esquecer o
que aconteceu — disse ele brandamente. — Devemos deixar para trás, se não pelo
bem de nossa amizade, então pelo de nossa família.
—Você pode fazer
isso? — Exigiu Demetria. — De verdade pode esquecer? Porque eu não.
—É obvio que posso —
disse, um pouco facilmente.
—Careço de sua
sofisticação, Adam — disse, e logo acrescentou gelidamente.
Ou talvez, não sou
tão superficial como você.
—Eu não sou
superficial, Demetria. —Devolveu com rapidez. — Sou sensato.
Deus sabe que um de
nós tem que ser.
Demetria desejou ter
algo que dizer. Desejou ter alguma mordaz resposta que o humilhasse, que o
deixasse sem palavras, deixando‐o como um montão sujo e gelatinoso de patética podridão.
Mas em lugar disso só
tinha a si mesmo e as horríveis e furiosas lágrimas que lhe ardiam atrás dos
olhos. E nem sequer estava segura de poder fulminá‐lo adequadamente
com o olhar, assim olhou a outro lado, contando os edifícios enquanto passavam
pela janela e desejando estar em qualquer outro lugar.
E com qualquer outra
pessoa.
E aquilo era o pior,
porque em toda sua vida, inclusive com uma melhor amiga que era mais bonita,
mais rica, e tinha melhores conexões que ela, Demetria nunca desejou estar com
ninguém mais do que com quem estava.
Em toda sua vida, Adam
fez coisas das quais não estava orgulhoso. Tinha bebido muito e vomitado sobre
um tapete valioso. Apostado dinheiro que não possuía.
E inclusive uma vez
montou seu cavalo com muita dureza e pouco cuidado e deixou o animal manco
durante uma semana.
Mas nunca havia se
sentido tão baixo como enquanto olhava o perfil de Demetria, dirigido de forma
tão decidida para a janela.
Tão decididamente
longe dele.
Não falou durante um
longo momento. Deixaram Londres para trás, atravessando os subúrbios onde os
edifícios se tornavam mais escassos e longínquos entre si, e finalmente
alcançaram o ondulado campo aberto.
Ela não o olhou nem
uma vez. Sabia. Tinha estado olhando‐a.
E por isso, por fim,
posto que não pudesse tolerar outra hora mais de silêncio, nem podia chegar a
expor o que era exatamente o que significava aquele silêncio, falou.
—Não pretendia te
insultar, Demetria — disse em voz suave, — Mas sei quando algo é uma má ideia.
E ter uma confusão amorosa contigo é uma ideia extremamente má.
Ela não se virou, mas
a ouviu dizer:
—Por quê?
Olhou‐a,
incrédulo.
—No que está
pensando, Demetria? Não importa nada sua reputação? Se correrem rumores sobre
nós, estará arruinada.
—Ou teria que se
casar comigo — disse com voz baixa e maliciosa.
—O que não tenho
intenção de fazer. Sabe. —Jurou em voz baixa. Deus santo, aquilo estava saindo
tudo errado. — Não quero me casar com ninguém. —Explicou. — E isso também sabe.
—O que eu sei — a
devolveu com rapidez, os olhos com brilhos de evidente fúria — é que... — e
então parou, fechando com força a boca e cruzando os braços.
—O que? —exigiu ele.
Ela voltou a virar
para a janela.
—Não o entenderia. —E
logo adicionou. — Nem me escutaria.
Seu tom depreciativo
foi como se tivesse unhas lhe arranhando sob a pele.
—OH, por favor. A
petulância não combina com você.
Ela se virou com
rapidez.
—E como deveria agir?
Diga‐me, como se supõe que tenho que me sentir?
Os lábios dele se
curvaram.
—Agradecida?
—Agradecida?
Ele se sentou para
trás, seu corpo inteiro era uma prova viva de insolência.
—Poderia ter te
seduzido, sabe? Com facilidade. Mas não o fiz.
Ela ofegou e se
tornou para trás, e quando falou, sua voz foi baixa e letal.
—É odioso, Adam.
—Só estou te dizendo
à verdade. E sabe por que não fiz mais? Por que não retirei a camisola de seu
corpo, a deitei, e tomei ali mesmo naquele sofá?
Ela arregalou os
olhos, e sua respiração ficou audível e ele soube que estava sendo cru,
grosseiro, e sim, odioso, mas não podia deter‐se, não podia deter sua franqueza,
porque, maldita fosse, ela tinha que entender. Tinha que compreender quem era
ele na realidade, e do que era e não era capaz de fazer.
E aquilo... Aquilo.
Por ela. Conseguiu fazer o honrável por ela, e não estava sequer agradecida?
—Direi isso — virtualmente
vaiou. — Contive‐me pelo respeito que tenho a você. E te direi mais... — deteve‐se,
perjurou e ela o olhou interrogante, atrevida, provocadora, como dizendo: nem
sequer sabe o que quer dizer.
Mas esse era o
problema. Sabia, e esteve a ponto de dizer o muito que a tinha desejado. Que se
estivesse em qualquer outro lugar que não fosse a casa de seus pais, não estava
seguro de ter se detido.
Não estava seguro se
poderia ter parado.
Mas ela não precisava
saber aquilo. Não saberia. Não necessitava aquele poder sobre ele.
—Pode acreditar —
murmurou, mais para si mesmo que para ela. — Não queria arruinar seu futuro. —Meu
futuro é da minha conta — respondeu zangada. — Sei o que faço.
Soprou desdenhoso.
—Tem vinte anos. Acha
que sabe tudo.
Ela o olhou zangado.
—Quando eu tinha
vinte, acreditava que sabia tudo — disse ele dando um encolher de ombros.
Os olhos dela se
entristeceram.
—Eu também — disse
brandamente.
Adam tentou ignorar o
desagradável nó de culpa que se retorcia em seu estômago. Nem sequer estava seguro
de por que se sentia culpado, e de fato, todo aquilo era ridículo. Não deveria
sentir‐se culpado por não tomar a inocência dela e tudo o que conseguiu
pensar em dizer foi:
—Algum dia me
agradecerá por isso.
Ela olhou incrédula.
—Soa igual a sua mãe.
—Está ficando áspera.
—Pode me culpar? Está
me tratando como uma menina, quando sabe muito bem que sou uma mulher.
O nó de culpabilidade
fez que crescessem os tentáculos.
—Posso tomar minhas
próprias decisões — disse desafiante.
—É óbvio que não. — inclinou‐se
para frente, um perigoso brilho em seus olhos. — Ou não teria me deixado descer
o vestido na semana passada e beijar seus seios.
Ela ruborizou com o
carmesim profundo da vergonha, e sua voz tremeu com acusação quando disse:
—Não tente dizer que
é minha culpa.
Ele fechou os olhos e
passou ambas as mãos pelo cabelo, consciente de que acabava de dizer algo
muito, muito estúpido.
—É obvio que não é
sua culpa, Demetria. Por favor, esquece que disse isso.
—E quer que esqueça
que me beijou também. —Sua voz estava desprovida de toda emoção.
—Sim. — Olhou‐a e
viu uma espécie de falta de vida em seus olhos, algo que nunca tinha visto
antes em seu rosto. — OH, Deus, Demetria, não faça isso.
—Não faça isto, faz
aquilo. — Gritou. — Esquece isto, não esqueça aquilo. Seja claro, Adam. Não sei
o que quer. E acredito que você tampouco.
—Sou mais velho que
você nove anos — disse com voz imponente. — Não me menospreze.
—Sinto muito, sua
alteza.
—Não faça isso, Demetria.
E o rosto dela, que
tinha estado tão reservado e gélido, de repente estalou com emoção.
—Deixa de me dizer o
que tenho que fazer! Alguma vez te ocorreu que eu queria que me beijasse? Que
queria que me desejasse? E me deseja, sabe. Não sou tão tola para que possa me
convencer do contrário.
Adam só pôde olhá‐la
fixamente, sussurrando:
—Não sabe o que diz.
—Claro que sim! — Os
olhos cintilavam e as mãos curvaram tremulas e em punhos, e ele teve uma
terrível, horrível premonição de que aquele era o momento.
Tudo dependia daquele
momento, e soube, sem nem sequer pensar no que ela diria, e no que responderia
que não terminaria bem.
—Sei exatamente o que
estou dizendo — disse ela. — Desejo você.
O corpo dele se
esticou e o coração apertou no peito. Mas não podia permitir que aquilo
continuasse.
—Demetria, só acha
que me deseja — disse com rapidez. — Nunca beijou ninguém antes e...
—Não me trate com
condescendência. —Seus olhos o olharam diretamente, e estavam ardendo de
desejo. — Sei o que quero e desejo você.
Ele aspirou de forma
irregular. Merecia ser santificado pelo que estava a ponto de dizer.
—Não. Não me deseja.
É uma teimosia.
—Maldito seja! —
Explodiu. — Está cego? Está surdo, tolo e cego? Não é teimosia, idiota! Amo
você!
OH, Meu Deus.
—Sempre te amei!
Desde que nos vimos a primeira vez há nove anos. Amei todo este tempo, a cada
minuto.
—OH, Meu Deus.
—E não me tente dizer
que é um amor infantil porque não é. Pode ser que foi em algum momento, mas já
não.
Adam não disse nada.
Só ficou ali sentado como um imbecil e a olhou.
—Eu só... Conheço meu
coração e te amo, Adam. E se tiver o menor pingo de decência, dirá algo, porque
disse tudo o que talvez pudesse dizer e não posso suportar o silêncio e... OH,
Por amor de Deus! Vai pelo menos piscar?
Ele nem sequer foi
capaz de fazer aquilo.