Joseph,
com um sorriso brincando nos lábios, fitou a delicada jovem em seus braços. As
pernas de Demetria estavam colocadas cada uma em um lado de seu colo, seus
seios estavam nus e o rosto estava colado no peito igualmente nu dele. Ela
dormia o sono dos exaustos. Ele a deixara exaurida de tanto fazer amor.
Examinou
aquela pele sedosa, perfeita, a pontinha arrebitada do nariz e os lábios
entreabertos, e sentiu o coração revirar no peito. Só de olhar para Demetria sentia
vontade de abraçá-la e bastava abraçá-la para querer mais. Lamentava que
faltasse pouco para chegarem a Mowbray e realmente não haveria tempo para
acordá-la e testar uma outra posição para usarem nas longas viagens de
carruagem.
Demetria
soltou um pequeno suspiro e Joseph sentiu o coração revirar de novo. Ela era
adorável, pensou, e passou a mão de leve pelo rosto delicado. Ainda dormindo,
Demetria franziu o cenho, resmungou irritada e bateu na mão que a acariciava. O
peito de Joseph sacudiu com a risada que soltou e ela pareceu não gostar,
batendo no peito dele para que parasse.
Sacudindo
a cabeça, ele a abraçou contra o peito e fechou os olhos por um momento, mal
acreditando na sorte que tivera. Não poderia ter encontrado uma parceira
melhor.
Naquele
momento, a parte de cima do vestido que ela usava estava dobrada em sua
cintura. A saia também estava levantada e o corpo de Demetria estava
praticamente grudado ao seu graças ao suor que secara. Mas ela estava
preocupada com isso? Protestava pelo estrago que impetuosamente ele havia feito
em seu vestido? Não. Demetria não estava nem um pouco preocupada a ponto de
adormecer sobre ele.
Joseph
sabia que não estava em melhores condições, com as calças abaixadas até o
tornozelo e a camisa aberta, com metade dos botões faltando. Mas tampouco se
importava com isso. Pelo menos, não se importava até que ouviu o grito do
condutor, avisando que já estavam chegando. Ele abriu as cortinas e,
horrorizado, viu que já estavam subindo a alameda para Mowbray.
Tão
chocado ficou de já estarem chegando e ambos estarem tão desarrumados para
encontrar quem quer que fosse que teve um sobressalto, deixando Demetria escorregar
para o chão sob uma profusão de saias.
—
Demetria! Me perdoe! — desculpou-se assustado, abaixando novamente as cortinas
e inclinando-se para ajudar a esposa que, sonolenta, se debatia para sair do
monte de saias que a cobria.
Joseph
conseguiu suspendê-la, mas o vestido rapidamente deslizou para o chão.
Preocupado, sentou-a no banco a seu lado e abaixou-se para pegar o vestido e o
entregou a ela, recomendando:
—
Já chegamos. Vista-se. Seja rápida.
—
O quê? — ela perguntou confusa. — O que significa que já chegamos?
—
Significa que já estamos em Mowbray. — Joseph puxou a cortina para o lado para
que ela visse, mas lembrou que, sem os óculos, ela nada veria. — Estamos
chegando. Precisamos nos vestir depressa.
Demetria
não perdeu tempo com perguntas. Imediatamente recolheu as peças de roupa do
chão e começou a vesti-las, tentando recompor-se.
Satisfeito
de que ela tivesse entendido a urgência da situação, Joseph voltou a atenção
para seu próprio estado. Levantou-se então e rapidamente ergueu as calças,
caindo novamente sentado no banco quando a carruagem estancou. Com presença de
espírito, ele estendeu o braço protegendo Demetria para evitar que ela
escorregasse e caísse no chão novamente. Com a parada brusca, entretanto, seus
corpos foram projetados para frente e para trás, fazendo com que suas costas
batessem com força no encosto do banco.
Lutando
com as várias saias do vestido, Demetria murmurava sem parar algo como: “droga,
droga, duas vezes droga”; debatia-se ainda mais para acabar de se vestir. Joseph
esqueceu por um momento a própria roupa para ajudá-la, tendo de enfrentar uma
enorme quantidade de tecido à procura da cabeça dela. Ele havia acabado de
ajudá-la a enfiar a cabeça no vestido quando a porta da carruagem a seu lado
foi aberta. Joseph prontamente deixou Demetria por conta própria e tratou de
fechar a porta novamente.
Ao
voltar-se para Demetria, ela ainda lutava para vestir as mangas. Joseph, porém,
preferiu acabar de ajeitar as calças e abotoar o que restara de botões na
camisa. Uma vez arrumado, viu que a esposa também terminara de se vestir e
tentava desamarrotar a saia.
—
Estou direita? Será que eles vão perceber o que aconteceu.
Joseph
mordeu o lábio, achando melhor não contar-lhe que seus cabelos estavam
absolutamente despenteados e, juntamente com seu vestido amassado e rasgado,
dariam definitivamente muito o que falar.
Pigarreando,
optou pela via do cavalheirismo e mentiu:
—
Ninguém vai imaginar coisa alguma.
—
Ainda bem — ela suspirou aliviada e, antes que ele pudesse proferir qualquer
outra palavra, abriu a porta, quase matando o mordomo que, aparentemente,
estava pronto para abrir a porta da carruagem para recebê-los.
Por
sorte, apesar de sua idade, Kibble logo levantou-se e conseguiu se manter em
pé. Mal teve tempo de se equilibrar, porém, teve que amparar Demetria que,
pisando na barra do vestido, praticamente caiu da carruagem.
Ela
aterrissou no peito do mordomo soltando um grito de susto. Depois procurou
firmar os pés e levantou o rosto, estreitando os olhos para fitá-lo.
O
mordomo, por seu lado, deu um passo para trás com o impacto, mas não deixou de
observar bastante horrorizado os lábios de sua nova senhora marcados por
beijos, o cabelo desalinhado e a roupa toda amarrotada.
Com
raiva de si mesmo por não ter se apressado em descer da carruagem primeiro para
ajudar Demetria, Joseph saltou para fora assim que ela saiu. Pegou-a então pelo
braço e afastou-a do mordomo. Puxando-a para junto do peito, passou o braço em
torno dos ombros dela, encarando orgulhosamente os criados que também haviam
saído para serem apresentados à nova senhora.
—
Demetria, este é o pessoal da casa. O cavalheiro que impediu que você caísse é
nosso mordomo, Kibble.
—
Olá, Kibble, obrigada por não me deixar cair de cara no chão — disse Demetria,
cheia de constrangimento, e sorriu para o senhor grisalho.
—
Foi um prazer ajudá-la, milady — retrucou Kibble em uma rara demonstração de
charme e dignidade.
—
E esta é nossa governanta, Sra. Longbottom — Joseph prosseguiu, virando-a um
pouquinho para olhar para a mulher que, quando menino, costumava em segredo
chamá-la de Longface, nome que lhe parecia muito mais adequado porque ela era
baixa e gordinha e só tinha o rosto comprido.
—
Sra. Longbottom. — Demetria sorriu e cumprimentou com a cabeça.
Em
seguida, Joseph fez com que se virasse novamente e dessa vez para ser
apresentada a um grupo de serviçais.
—
Demetria, estes são Marie, Bessie, Antoinette, Lucy, Jean, Jamie, Frederick,
Jack e Robert.
—
Olá — disse Demetria baixinho.
Joseph
apertou os ombros da esposa, beijando-a na testa, pensando consigo mesmo que
ela sempre tinha um cheirinho gostoso.
Pegando-se
distraído, ele procurou afastar esse tipo de pensamento da cabeça e disse:
—
Não se preocupe, são muitas pessoas para você decorar os nomes de uma só vez.
Aos pouquinhos vai ficar conhecendo todos.
—
Estou certa que sim — disse Demetria, endireitando os ombros, mostrando
determinação.
—
Há ainda outros empregados ausentes agora, mas no devido tempo irá conhecê-los
também. Enquanto isso... — O olhar voltou-se para o pequeno grupo. — Pessoal,
está é minha esposa, lady Demetria Montfort, a nova condessa de Mowbray.
—
Condessa!? — Demetria exclamou, levantando o rosto para ele.
—
Ora, a esposa de um conde é uma condessa, não é? — Joseph confirmou em tom
gentil, sorrindo divertido à expressão de surpresa que ela fizera.
Joseph
percebeu que a esposa nem sequer havia considerado que com o casamento ganharia
o título de condessa. Que bênção. Que maravilha pensar que ela o havia
desposado por ele mesmo.
—
Ele está sorrindo? — A expressão de Kibble, cujo rosto lembrava um buldogue,
era de total espanto ao fazer a pergunta à governanta. Não é possível que
estejamos vendo um sorriso na cara do conde!
—
Acho que é — respondeu a Sra. Longbottom.
—
A que será que se deve esse sorriso? — Kibble insistiu, cochichando.
—
Acho que a esse embrulhinho que ele tem nos braços, Kibble.
—
Não é possível. Uma coisinha dessas ter domado a fera? Não pode ser...
—
Eu também estaria sorrindo se ela fosse minha mulher — Frederick aparteou alto
e recebeu um cutucão de Lucy que estava a seu lado.
—
Talvez a senhora esteja certa, Sra. Longbottom — Kibble admitiu e, numa atitude
repentina, adiantou-se e se ajoelhou diante de Demetria, tomou-lhe uma das mãos
entre as suas e, com toda a delicadeza, beijou seus dedos com reverência.
—
A senhora deve ser um anjo, pois somente um anjo transformaria nosso sisudo e
melancólico Joseph nesse sorridente e feliz conde. Por isso, minha angelical
lady, a partir deste momento, a senhora tem minha eterna devoção. Minha vida
lhe pertence...
Joseph
soltou uma exclamação e revirou os olhos. Kibble havia sido seu tutor quando
jovem e, de certo modo, lhe foi mais presente em sua vida do que seu próprio
pai. Com isso, acabara adquirindo uma posição de destaque na casa, sendo meio
parte da família, meio parte da criadagem, o que de vez em quando criava situações
embaraçosas. Ele era também um pouco canastrão, o que tornava as coisas piores.
—
Muito bem, Kibble, já chega — Joseph interrompeu o discurso, de forma ríspida.
— Você vai assustar lady Demetria.
Kibble
simplesmente arqueou a sobrancelha e dirigiu um olhar afetuoso para o rosto
sorridente de Demetria.
—
Só se eu o estiver assustando, milorde, porque lady Demetria não parece nem um
pouco assustada.
Joseph
sorriu e se curvou para beijar a testa de Demetria e depois voltou-se em direção à porta.
—
Foi uma longa viagem. Creio que lady Demetria gostaria de tomar um banho e
descansar um pouco antes do jantar. Lucy, por favor acompanhe a senhora até o
quarto.
—
Pois não, milorde. — A loirinha sorriu e se encaminhou para Demetria.
—
Pegue-a pelo braço, por favor, Lucy — Joseph instruiu-a. — Os óculos de lady
Demetria se quebraram e tenho receio de que ela possa tropeçar e cair antes que
tenha os novos.
—
Claro, milorde. — A criada passou o braço de Demetria pelo seu e a conduziu
para o quarto.
Joseph
ficou observando até que elas chegassem ao piso de cima da casa e
desaparecessem no hall. Ao voltar-se, viu que todo o pessoal estava reunido
atrás dele, observando-as também. A expressão de seu rosto tornou-se grave, mas
ninguém estava prestando atenção a ele. Então pigarreou meio irritado.
Kibble
o olhou de soslaio.
—
Está ficando resfriado, milorde?
Joseph
suspirou. Era esse o problema de se ter na casa empregados que o vira nascer e
correr pelo quintal com as fraldas caindo até os joelhos. Não havia respeito.
Ignorando a desatenção de todos, Joseph caminhou até a porta do salão e disse:
—
Gostaria que todos viessem até aqui.
—
Isso inclui sua esposa e Lucy? Quer que eu vá buscá-las? — Frederick perguntou,
um pouco prestimoso demais.
—
Não é necessário — Joseph respondeu impaciente, aguardando que todos entrassem
no salão. Ele entrou por último e fechou a porta.
—
Quero que um de vocês transmita o que vou dizer a Lucy quando ela descer, mas
não quero que essa conversa chegue aos ouvidos de lady Demetria. Na verdade,
vou demitir o primeiro que tocar nesse assunto de novo com quem quer que seja,
inclusive entre vocês. Não posso permitir que ela fique sabendo e fique preocupada,
entenderam?
—
A única exceção é aquele que falar com Lucy, não é? — Kibble aparteou.
—
Sim, claro — Joseph confirmou, suspirando.
Kibble
sempre dava um jeito de corrigi-lo. Estava sempre ressaltando a importância da
comunicação e, mais importante ainda, de se passar a informação correta.
—
Muito bem, milorde. Por favor, prossiga — disse o mordomo, assumindo uma
atitude relaxada, depois de esclarecer seu ponto.
Joseph
abriu a boca, mas preferiu se calar. A frase que Kibble havia usado era a mesma
que usava quando queria que ele recitasse ou explicasse alguma coisa que havia
ensinado. Joseph se sentia como se tivesse dez anos e estivesse na frente de
seu tutor.
Suspirando,
deixou o assunto de lado e disse:
—
Antes de mais nada, como vocês devem ter me ouvido contar a Lucy, os óculos de
lady Demetria se quebraram e ela não enxerga nada bem sem eles. Isso faz com
que esteja sempre sujeita a acidentes e, na realidade, sofreu vários na cidade.
—
Que tipo de acidentes? — Frederick perguntou, demonstrando interesse.
Joseph
hesitou em contar, mas resolveu que seria melhor eles estarem preparados para
aquilo que poderiam ter de enfrentar.
—
Ela confundiu o colo de algumas pessoas com mesas e derramou chá nelas, rolou
nas escadas, incendiou uma peruca com uma vela, e outras coisas do tipo.
—
Deus do céu! — a Sra. Longbottom murmurou, franzindo a testa de preocupação. —
Precisamos mesmo ficar de olho em milady até que seus óculos novos cheguem.
—
Exatamente isso — Joseph confirmou. — Essa é a função da criada dela, mas lady
Demetria às vezes a dispensa. Ela não gosta de ser tão vigiada e de vez em
quando se impacienta e quer fazer as coisas sozinha. Por isso preciso que todos
estejam atentos. Essa passa a se a tarefa prioritária de vocês até que ela
tenha os óculos novamente. Quero deixar claro que tem prioridade sobre qualquer
outra coisa que vocês estejam fazendo.
—
Está entendido, milorde — Kibble disse, sério. — Quanto tempo vai levar para os
óculos chegarem?
Joseph
desviou os olhos, sentindo-se desconfortável para encarar o mordomo, e
murmurou:
—
Estou providenciando.
Kibble
estreitou os olhos e Joseph percebeu que ele ficou desconfiado. Ele sempre
sabia quando estava mentindo. Antes que lhe fizesse mais perguntas, Joseph
continuou:
—
Mas esse não é o único problema — disse, procurando mostrar-se firme. — Parece
que há gente querendo prejudicar lady Demetria.
Os
criados a volta dele ficaram com a surpresa estampada no rosto.
—
Alguns acidentes talvez não tenham sido tão acidentais assim.
—
Como assim, milorde? — a Sra. Longbottom perguntou.
Joseph
mais uma vez hesitou, mas decidiu que seria melhor que soubessem a verdade. Ele
não tinha dúvidas de que Demetria continuava sob ameaça ali. Quem quer que
tivesse tentado prejudicá-la tentaria novamente, mesmo que estivesse casada e
protegida em sua casa de campo. Entretanto, como não fizesse a menor ideia de
quem poderia ser, ele contou os detalhes dos acidentes que ela havia sofrido e
que haviam sido o motivo de suas suspeitas.
Todos
mantiveram-se em total silêncio, refletindo sobre o que ele havia contado,
silêncio finalmente quebrado com a pergunta de Kibble:
—
Há quanto tempo ela está sem os óculos?
—
Há algum tempo — Joseph respondeu evasivamente, limpando então a garganta. —
Vocês veem então, que tenho motivos para me preocupar com o bem-estar dela e
por que peço que estejam atentos a quaisquer estranhos que rondem a propriedade
ou a qualquer coisa que possa prejudicá-la?
—
Vou observá-la noite e dia, milorde — Frederick prometeu, movido por um
espírito cavalheiresco.
—
Obrigado, Frederick, mas não será necessário. Como disse, só quero que fiquem
atentos.
—
Muito bem, milorde, vamos tomar conta dela — completou Kibble, para encerrar o
assunto. — Se é tudo, acho que já podemos voltar ao trabalho.
—
Podem, sim — Joseph confirmou e foi se instalar em uma poltrona perto da
lareira. Depois do burburinho das pessoas deixando o salão, ele voltou-se
surpreso ao ouvir o tinir de vidro vindo da mesinha de canto onde estava o
brandy. Kibble havia permanecido no salão e enchia dois copos com a bebida.
Após
tampar a garrafa, o mordomo dirigiu-se a Joseph com os dois copos na mão e
estendeu-lhe um, sentando-se depois na poltrona ao lado dele.
Joseph
não se surpreendeu com esse comportamento. Era habitual quando Kibble queria
lhe falar. Só se perguntava o que ele poderia querer lhe dizer.
—
Ela não viu seu rosto. — Não se tratava de uma pergunta.
Joseph
apertou os lábios e olhou para a lareira, recusando-se a responder.
—
Você disse que os óculos se quebraram. Por que não lhe comprou um novo par
antes de vir para Mowbray?
Joseph
deu de ombros com raiva e tomou um grande gole do brandy.
—
Teme que ela sinta repulsa por seu rosto. — Novamente não foi uma pergunta.
—
Planejo comprar os óculos dentro de uma semana — Joseph respondeu por entre os
dentes, ficando bravo de se sentir culpado.
Kibble
ficou em silêncio por um momento, com ar pensativo, depois perguntou:
—
Ela não tem recurso algum?
—
O quê? Claro que tem. — Ele sabia que Demetria tinha dinheiro. Sua mãe havia
lhe contado, na volta de uma das provas, que ela havia comprado um pequeno
frasco de perfume. Depois disso, ele ficara sabendo que Demetria recebia
regularmente uma pequena quantia de sua herança desde que completara vinte
anos. Naturalmente, ela tomara posse do restante com o casamento. Eles haviam
assinado alguns papéis naquele dia para transferir uma parte do dinheiro para
uma conta que ela tivesse acesso. O resto deveria ser investido.
—
Qual a razão de sua pergunta, Kibble?
—
Mera curiosidade, milorde.
Levantando-se,
o mordomo tomou o último gole do brandy e deixou o copo usado na mesa antes de
sair.
—
Você não pode mantê-la sem enxergar para sempre. — Foram suas últimas palavras
antes de fechar a porta.
Joseph
já estava ficando farto desse tipo de comentário. Ele bebeu o último gole do
brandy, depois levantou-se, foi até a mesa e se serviu de uma nova dose. Não
precisava de sermão do mordomo. Já bastava sua própria consciência, lembrando-o
de que Demetria estaria mais segura se pudesse enxergar e evitar qualquer
perigo. Mas, para mantê-la em segurança, havia recomendado que toda a criadagem
ficasse atenta; vários olhos certamente eram muito melhor do que apenas os
dela, ele argumentou consigo mesmo para aplacar sua consciência.
Quanto
a ela mesma estar mais alerta sobre os riscos a que estava sujeita, talvez isso
a deixasse mais ansiosa, e ele desejava que a esposa vivesse tranquila. Demetria
começava a desabrochar agora que estava longe da tirania da madrasta.
Definitivamente ele não queria que nada interferisse no comportamento dela,
tornando-a tímida e amedrontada.
Ao
dirigir-se novamente à poltrona com o brandy na mão, Joseph disse a si mesmo
que todos esses argumentos eram perfeitamente válidos, mas no íntimo sentia-se
incomodado por saber a verdadeira razão pela qual não queria que Demetria
usasse os óculos.
Suspirando,
atirou-se na poltrona uma vez mais e ficou olhando para o copo, matutando sobre
a injustiça da vida. Ele encontrara a mulher ideal, alguém que amava, desejava
e tinha prazer de estar junto. Alguém que o fazia rir e era a pessoa mais doce
do mundo. A ironia era que, enquanto a presença dela em sua vida o tornara mais
paciente e bondoso para com os outros, tornava-o cruel para com ela, a pessoa
que mais amava. Privá-la das atividades de que tanto gostava era realmente
muito egoísmo de sua parte.
Joseph
subitamente pousou o copo cheio sobre a mesa e se levantou decidido. Ia
providenciar os óculos para Demetria. Ainda que custasse sua própria
felicidade, tinha de garantir a dela.
Inconformado
com a crueldade do destino, deixou o salão e subiu as escadas. Contaria a Demetria
que no dia seguinte iriam ao vilarejo para encomendar os óculos. Dessa maneira,
não teria como se acovardar e mudar de ideia novamente.
Joseph
estava no terceiro degrau da escada quando ouviu o som de uma agitação na
frente da casa. Ele parou, desceu, atravessou o hall e abriu a porta. Era a
segunda carruagem vinda da cidade que acabava de chegar. Joseph voltou-se para
o interior da casa no exato momento em que Keighsley, visivelmente cansado,
saía da carruagem, voltando-se depois para oferecer sua mão a Joan. A criada de
Demetria também mostrava sinais de cansaço após a longa viagem.
—
Essa é a criada de lady Demetria, não é? — Kibble perguntou, parando ao lado de
Joseph e vendo os dois se aproximarem.
Joseph
fez que sim com a cabeça.
—
Eles devem estar muito cansados, Kibble. Mostre o quarto a Joan e faça-a comer
e descansar. Ela pode perfeitamente começar a trabalhar amanhã. Keighsley
também.
—
Muito bem — disse Kibble e informou: — Lucy ajudou lady Demetria a tirar a
roupa e entrar no banho, mas agora já está aqui embaixo. Quer que eu a mande
ajudar lady Demetria a sair do banho e se vestir para o jantar?
—
Não é necessário — respondeu Joseph e se dirigiu à escadaria. — Por favor,
Kibble, providencie para que nosso jantar seja mandado em bandejas para o
quarto de minha esposa. Vamos nos recolher cedo hoje.
As
lentes dos óculos deixavam os olhos de Demetria maiores. Ela virou a página do
livro que estava lendo e continuou a devorar o conto sobre uma mulher infiel e
o castigo que o marido lhe impusera. Ela havia invadido a biblioteca de Mowbray
e tirado aquele livro que, na pressa, imaginara poderia ser-lhe útil.
Enquanto
se encaminhavam para o novo quarto, Demetria havia perguntado a Lucy se Mowbray
dispunha de uma biblioteca e onde ficava situada. Após lhe mostrar o quarto,
Lucy descera a fim de mandar preparar o banho para a nova patroa. Demetria
aproveitara-se da ausência dela, e visitara a biblioteca. Aquele fora o primeiro
livro sobre o tema em que estava interessada que lhe viera às mãos. Com medo de
ser pega, ela voltara depressa para o quarto e, pouco antes de Lucy retornar, o
escondera sob o travesseiro. A criada a ajudara a despir-se e desmanchar o que
sobrara do penteado enquanto a água estava sendo trazida. Em seguida, a
dispensara, assegurando que preferia tomar banho sozinha. Assim que a criada
saíra, Demetria pegou os óculos e o livro e se enfiou na banheira.
Demetria
virou mais uma página e estava adorando a história, redigida por uma escritora,
Maria de Zayas. Embora o livro em questão não contivesse ideias de como agradar
o marido, o enredo era interessante e ela o lia com prazer.
Demetria
estava virando a página quando ouviu a maçaneta da porta girar. Assustada,
tirou imediatamente os óculos do rosto, contemplando a porta. Já ia dizer a
Lucy que não precisava ter se incomodado de voltar quando reconheceu o cabelo
escuro e a figura alta do marido.
Em
pânico, não parou para pensar nem por um segundo, abaixou as mãos dentro da
água, ainda segurando nelas o livro e os óculos. Imediatamente escondeu o livro
sob uma das pernas, perguntando-se desesperada o que deveria fazer a seguir.
—
Como está o banho? — Joseph perguntou a distância, e ela percebeu pela voz que
ele sorria.
Demetria
abriu e fechou a boca sem saber o que dizer. Não podia deixar que ele chegasse
próximo da banheira. Se o fizesse, poderia querer ajudá-la a se banhar e a
ajuda poderia acabar em beijos e carícias, com ele dentro da banheira ou
tirando-a de lá. Em qualquer das hipóteses o livro seria visto.
A
única saída que tinha era evitar que Joseph se aproximasse e para tanto só lhe
ocorreu ir ao encontro dele enquanto atravessava o quarto.
Como
havia imaginado, ele parou assim que a viu levantar-se na banheira com a água
escorrendo pelo corpo nu e ficou contemplando-a boquiaberto, Demetria podia
sentir o calor do olhar sobre seu corpo e sabia que estava rubra, mas tempos
difíceis pedem medidas desesperadas.
Antes
que o marido voltasse a si, ela saiu da banheira e cruzou a pequena distância
que os separava. Não disse uma única palavra. Só caminhou até ele. No momento
em que chegou perto, Joseph estendeu os braços e a abraçou. Os lábios dele
imediatamente procuraram os seus e as mãos dele viajaram por um instante por
seu corpo, carregando-a em seguida para a cama, sem deixar de beijá-la.
—
Pensei que você estivesse muito cansada depois da viagem.
Sorrindo,
Demetria deu-lhe um beijo no canto da boca, depois sentou-se na beirada da cama
e procurou o fecho das calças de Joseph.
—
Acho que nunca vou me sentir cansada para você, marido — Demetria assegurou.
Enquanto o ajudava a despir-se, ela recomendou a si mesma que não se esquecesse
de pegar o livro e os óculos da banheira assim que possível... antes que alguém
fosse até lá.
—
A senhora tem certeza de que não preferiria...
—
Não — Demetria interrompeu Kibble de imediato, esforçando-se para se mostrar
paciente e sorrir. —Prefiro mesmo me deitar um pouquinho. Uma cochilada é tudo
o que eu quero agora.
—
A senhora não está se sentindo mal, está, milady? — Kibble perguntou
preocupado.
Demetria
se controlou para não reagir mal à pergunta. Honestamente, os criados de
Mowbray se preocupavam com ela como um bando de mães zelosas. Um ou outro, e às
vezes vários deles, a seguia por todo lado nos últimos quatro dias, ou seja,
desde que chegara a Mowbray. E se ela tentasse dar uma escapadela até seu
quarto para ter um momento de privacidade, eles se mostravam bastante
aborrecidos.
—
Estou bem — insistiu com firmeza. — E que tenho dormido pouco ultimamente e só
quero tirar uma soneca.
—
Está bem — Kibble se rendeu —, se tem certeza de que não está se sentindo mal.
—
Não estou me sentindo mal — ela repetiu. — Por favor, certifique-se de que
ninguém venha me incomodar. Diga inclusive a Joan que não vou precisar dela.
Demetria
já estava à porta do quarto, depois de ter sido seguida até lá pelo mordomo,
com um dos outros criados atrás dele. Forçou um sorriso para eles e entrou no
aposento, fechando a porta atrás de si e recostando-se nela com um suspiro.
Bom
Deus, pensou exasperada. Tirou depois o livro do esconderijo entre suas saias e
atirou-o na cama. Sacudindo a cabeça, ainda atordoada com tanta atenção do
pessoal da casa, enfiou a mão no bolso da saia e retirou a bolsinha em que
guardava os óculos, colocando-os no rosto. Olhou ao redor do quarto e deteve-se
na cadeira que ficava em frente à penteadeira. Resolveu pegá-la, arrastá-la até
a porta e colocá-la sob a maçaneta.
Contente
de que ninguém conseguiria entrar de surpresa por ali, Demetria voltou-se para
a porta que dava para o quarto de Joseph. Não havia outra cadeira que pudesse
usar para travá-la. Por um momento considerou deixá-la como estava, mas,
receando que Joseph pudesse entrar e surpreendê-la com aqueles óculos
horríveis, dirigiu-se até ela.
Não
dispondo de outra cadeira, o jeito seria recorrer a um outro móvel. A camiseira
era a peça mais próxima. Era um pesado móvel de madeira. Empenhando toda a sua
força, ela conseguiu fazer com que se movesse um pouco, mas ao ser arrastado
contra a madeira do chão provocou um sonoro ruído.
Resmungando
com seus botões, Demetria redobrou os esforços, esperando ser rápida para não
fazer mais barulho.
—
Milady? — A voz de Kibble fez-se ouvir ansiosa do outro lado da porta do
quarto. — Está tudo bem?
Com
a camiseira parada apenas na metade da porta de Joseph, Demetria bufou de
raiva.
—
Sim, Kibble, está tudo bem.
—
Pensei ter ouvido um barulho estranho — disse o mordomo. Demetria soprou uma
mecha de cabelo do rosto e disse:
—
Estava apenas mudando uma peça de lugar para o quarto ficar do meu jeito.
Houve
um longo silêncio e quando Demetria julgou que Kibble tivesse aceitado a
explicação, ele insistiu:
—
Será que a senhora não poderia abrir a porta por um minuto para que eu veja se
milady está mesmo bem?
Demetria
apertou os dentes com raiva, mas foi até a porta do quarto, retirou a cadeira
de lá, tirou os óculos, enfiando-os no bolso da saia e abriu a porta.
—
Veja, estou bem.
Kibble
olhou-a vagarosamente de cima até embaixo, de maneira desconfiada, como se
temesse que ela estivesse ocultando alguma coisa. Depois o olhar dele percorreu
o quarto.
Demetria
mordeu o lábio, torcendo muito que o intrometido não notasse a camiseira, mas,
naturalmente, ele notou.
—
A senhora bloqueou a entrada do quarto do conde. — O mordomo só poderia
mostrar-se espantado diante da descoberta.
—
Bloqueei, sim — respondeu Demetria, impassível. — É uma arrumação temporária,
Kibble. Preciso descansar por uns minutos, ter um pouco de privacidade, e assim
me asseguro de que ninguém irá me importunar.
Kibble
a examinou em silêncio, depois olhou ao redor do quarto. Os dois estavam
suficientemente próximos para que Demetria notasse como ele havia ficado nervoso.
Foi quando os olhos dele se detiveram em alguma coisa. Demetria não conseguiu
resistir e voltou-se também para ver o que chamara a atenção dele.
Naturalmente, ela não conseguiu enxergar nada sem os óculos, apenas figuras
borradas.
—
Há um livro em sua cama.
Demetria
sentiu o coração parar. Ela havia esquecido completamente do livro que jogara
sobre a cama momentos antes. Tentando manter uma expressão calma, se voltou
para o mordomo, demonstrando surpresa:
—
Não diga! Talvez Joan o tenha esquecido aqui em cima.
—
Sem dúvida — ele concordou e perguntou: — Posso levá-lo de volta para a
biblioteca para que não fique pelo caminho?
—
Não se preocupe, Kibble, é só um livro. Eu vou deixá-lo na mesinha-de-cabeceira
e Joan o pega mais tarde.
—
Talvez ela queira ler enquanto a senhora descansa — ele insistiu. — Afinal, a
senhora deu a tarde de folga para ela.
Demetria
cerrou os dentes. Estava vendo sua oportunidade de passar alguns momentos
sozinha esvair-se. Buscava uma desculpa urgente para poder ficar com o livro
quando ouviu alguém chamar do piso inferior.
Kibble
virou-se e olhou em direção ao hall. Desculpando-se, foi até as escadas de onde
podia ver a entrada.
Demetria
achou que seu sentido de audição havia aumentado desde que ficara sem os óculos.
Era como se seu corpo procurasse compensar a falta de um sentido, aumentando os
outros. Ela ouviu perfeitamente bem a resposta de Frederick. Ele disse que uma
carruagem estava se aproximando do pátio.
Sem
se dar conta de que Demetria ouvira, Kibble olhou para trás e informou a ela:
—
Perdoe-me, milady. Parece que teremos companhia.
Demetria
observou o vulto dele desaparecer escada abaixo e então fechou a porta do
quarto. Uma vez sozinha, seu olhar parou na moldura turva da janela. Visitantes
inesperados? Quem poderia ser, perguntou a si mesma. Pondo os óculos, ela foi
curiosa até a janela que dava para o pátio na frente da casa.
Havia
mesmo uma carruagem subindo pela alameda, mas foi só quando parou na frente da
casa que ela reconheceu a insígnia da família, na lateral do veículo.
Respirando
fundo, Demetria caminhou rapidamente até a porta. Já ia abri-la quando se
lembrou dos óculos. Arrancou-os do rosto, colocou-os no bolso e rapidamente foi
para o hall. Ao chegar à escadaria, segurou no corrimão e desceu
cuidadosamente. Havia aprendido a lição ao torcer o pé nas escadas da casa de
seu pai em Londres. Não tinha a menor vontade de repetir a cena.
Kibble
permanecia parado junto à porta de entrada, observando o primeiro passageiro
que desceu da carruagem. Ao chegar ao lado dele, Demetria notou pela
Expressão
desconfiada de sua cara de buldogue que Kibble não tinha a menor ideia de quem
fosse. Logo, porém, ele ficou sabendo ao vê-la passar por ele correndo e
gritando:
—
Papai, que bom, não o esperávamos tão cedo!
Assim
que o pai a viu, também se apressou em direção a ela e a abraçou
carinhosamente. Demetria ouviu então Kibble começar a dar ordens para que
preparassem os quartos e avisou a cozinheira que haveria convidados para o
jantar.
—
Como vai a minha menina? — lorde Lovato quis saber, depois de abraçá-la. — Você
me parece saudável e feliz.
—
E estou confirmou Demetria, abrindo um largo sorriso. — Mas o que houve, não o
esperávamos tão cedo? Algo errado?
—
Não, nada — ele assegurou mais que depressa. — Só terminei meus negócios antes
do que esperava e pensei em passar um pouco mais de tempo com você e seu
marido. — A propósito, onde está ele?
—
Joseph foi verificar uma baia que precisa de conserto — ela explicou, passando
o braço pelo do pai. — Logo ele estará aqui.
Demetria
percebeu com o canto dos olhos um movimento junto à carruagem e viu surgir à
porta um vulto distorcido de mulher. Taylor tinha vindo, pensou, e
imediatamente largou do braço do pai.
—
Me desculpe. Eu aqui falando e Taylor aguardando para desembarcar.
—
Oh. — John Lovato voltou à carruagem, desculpando-se com a esposa e
oferecendo-lhe a mão para que descesse.
Assim
que pisou no chão, Taylor procurou desamarrotar o vestido. Demetria ficou em
dúvida. Uma parte dela dizia que deveria se aproximar e abraçar a madrasta,
como havia feito com o pai, mas a madrasta nunca fora dada a boas-vindas antes,
e ela não sabia como se portar. Finalmente, decidiu. Gostasse Taylor ou não,
como ela fazia parte da família, iria ser tratada como tal. Endireitando os
ombros, deu alguns passos até a madrasta, beijou-a no rosto e abraçou-a.
Taylor
enrijeceu o corpo ao ser abraçada, mostrando-se surpresa. Demetria então passou
um braço pelo braço do pai e o outro pelo da madrasta e convidou-os a entrar.
—
Vamos. Quero que conheçam Kibble e todo o pessoal. Por quanto tempo podem
ficar?
—
Creio que possamos ficar quase uma semana antes de prosseguir viagem. Se seu
marido não se importar — lorde Lovato completou.
—
O marido dela não se importa absolutamente.
Demetria
parou e olhou para o lado. Joseph estava chegando da direção dos estábulos. Ela
sorriu ao vê-lo cumprimentar o pai e a madrasta, dando-lhes as boas-vindas a
Mowbray
—
Espero que você não se importe que estejamos aqui?
Joseph
dirigiu o olhar para o homem que cavalgava a seu lado. Lorde John Lovato.
Era
a manhã seguinte à chegada dos Lovato. O pai de Demetria havia saído com ele
para inspecionar a propriedade e tudo caminhava bem até o sogro fazer essa
pergunta.
—
Não, claro que não me importo, milorde. O que o faz pensar assim?
John
Lovato encolheu os ombros, e o sorriso que tinha no rosto era irônico. Passado
um momento, ele justificou:
—
Bem, é que vocês estão recém-casados e provavelmente gostariam de estar
sozinhos para se conhecerem melhor.
Joseph
também esboçou um sorriso tímido. Embora originalmente tivesse desejado que o
pai de Demetria adiasse a visita até que ele estivesse saciado de sua jovem
esposa, ou pelo menos até que conseguisse estar no mesmo cômodo que ela sem que
desejasse arrancar-lhe as roupas, começava a perceber que não daria para adiar
tal visita por muito tempo. Era difícil imaginar que poderia tê-la só para si
pelas duas ou três décadas seguintes.
—
Temos toda a vida pela frente. Não posso lhe negar apenas alguns dias de
visita.
John
Lovato expandiu o sorriso.
—
Você ama minha filha.
Joseph
enrijeceu o corpo na sela. Ele ainda tentava entender seus sentimentos por Demetria.
Cada dia com ela era uma aventura. Naquela manhã ele havia acordado com a jovem
esposa acariciando e beijando sua ereção. Demetria dera para surpreendê-lo com
essas atitudes ousadas nos últimos dias. A esposa parecia tão ansiosa para
agradá-lo quanto ele a ela, fazendo com que seu coração vibrasse sempre a cada
atitude dessas. Isso o enchia de esperança de que ela viria a querê-lo tanto
quanto ele a desejava.
—
Dá para ver que você a ama — continuou John Lovato. — Por isso não compreendo o
porquê de ela ainda estar sem os óculos.
Joseph
procurou controlar-se e disse:
—
Já devem estar a caminho. Precisei encomendá-los Londres. Mas quero fazer uma
surpresa para Demetria, por isso peço que não comente nada com ela.
Lorde
Lovato pareceu aliviado e concordou:
—
Como você achar melhor.
Joseph
intimamente achou graça dessas palavras. Se realidade fosse como ele achava
melhor, Demetria nunca teria os óculos. Entretanto, a consciência lhe pesava e,
finalmente, ele resolvera encomendar os óculos para ela. No fim, não havia
levado Demetria ao vilarejo, nem lhe contado nada sobre seu plano, como havia
pretendido. Decidira providenciar os óculos sozinho. Sem dizer a razão por que
queria saber, ele havia especulado Demetria onde havia comprado seu último par.
Dera então algum dinheiro a um mensageiro para que fosse à cidade e adquirisse
os óculos. Tudo sem que ela suspeitasse.
Joseph
afirmava a si mesmo que queria fazer uma surpresa para ela. Entretanto, a
verdade era que, enquanto Demetria não soubesse que os óculos estavam a
caminho, ele poderia retardar o momento de dá-los a ela por quanto tempo
quisesse.
Suspirando,
ao avistar a casa, Joseph bateu com os saltos da bota no cavalo, fazendo-o
trotar. Não queria mais conversar.
A
casa estava em silêncio quando Joseph e o sogro entraram. Encontraram Taylor
lendo no salão, mas os criados estavam sumidos. Joseph não tinha dúvidas de que
tentavam evitar Taylor. Ela sabia ser bastante intolerante e desagradável com
os empregados. Aparentemente, Demetria não era a única pessoa em quem ela
gostava de pisar. A mulher atormentava quem quer que fosse mais fraco ou
estivesse em posição inferior, como os criados.
Deixando
lorde Mowbray com a esposa, Joseph subiu para trocar a roupa que estava
respingada de lama. Ele se despiu e se vestiu próximo ao guarda-roupa, olhando
repetidas vezes para a porta de comunicação com o quarto de Demetria. Estava
curioso para saber onde ela estaria e o que estaria fazendo. Era o que sempre
se perguntava quando estavam separados.
Dá
para ver que você a ama. John Lovato havia lhe dito, e ele começava a acreditar
que a amava de fato. Preocupava-se com o prazer dela muito mais do que com o
seu. O fato de comprar os óculos para ela era uma evidência disso. Admirava-se
da facilidade com que tudo havia acontecido. Era realmente amor o que sentia
por ela.
Demetria
era uma pessoa fácil de se amar, com certeza, mas era mais do que isso. Joseph
achava que encontrar alguém com quem quisesse se casar seria quase impossível,
sem considerar a possibilidade de vir a realmente se preocupar e amar essa
pessoa; entretanto, tudo havia sido incrivelmente fácil com Demetria desde o
começo.
—
Pronto, milorde. Precisa de mais alguma coisa? — perguntou Keighsley ao
terminar de ajudá-lo.
—
Não, obrigado, Keighsley. Na verdade... você sabe onde minha esposa está?
—
Creio que ela está no quarto, milorde. Um dos criados está no hall, observando
a porta, um sinal claro de que ela deve estar lá dentro.
—
Obrigado — Joseph se encaminhou para a porta de comunicação, assim que o criado
deixou o quarto. Como sempre, estava ansioso para ver a mulher, por isso nem se
preocupou em bater à porta, tentando simplesmente abri-la, mas ela estava
bloqueada.
Estranhando
que a porta houvesse aberto só um pouquinho, esbarrando em alguma coisa, ele a
fechou e tentou abrir de novo, mais uma vez sem sucesso. Procurou então espiar
pela fresta e chamou:
—
Demetria?
Não
houve resposta.
—
Demetria? — ele insistiu, desta vez batendo à porta. — Demetria? Você está aí?
Há alguma coisa bloqueando a porta.
Não
obtendo resposta, Joseph deu meia-volta e foi para hall, avistando Frederick no
momento em que deixou o quarto.
—
Sabe se lady Mowbray está no quarto?
—
Está, sim, milorde — Frederick confirmou, assumindo uma postura militar.
—
Ela está sozinha? — Joseph perguntou, encaminhando-se para a porta do quarto e
girando a maçaneta. A porta abriu apenas uns centímetros.
—
Estou observando a porta desde que ela entrou, milorde, e ninguém mais entrou
ou saiu. — Frederick chegou mais perto ao ver que Joseph se debatia com a
porta. — O que há de errado?
—
A porta está bloqueada com alguma coisa — Joseph explicou e bateu à porta. — Demetria,
se você me ouve, diga meu nome!
Ambos
permaneceram calados enquanto aguardavam. Então Joseph se virou, impaciente, e
voltou a seu quarto, dirigindo-se novamente até a porta de comunicação. Tinha
certeza de que aquela porta cedera um pouco ao tentar abri-la. Pelo menos, mais
do que a do hall. Após nova tentativa, ele empurrou-a com mais força, soltando
um grunhido, e ela cedeu mais um pouco.
—
Ninguém entrou, milorde — assegurou Frederick, que fora atrás dele até o
quarto. — Não tirei os olhos da porta por nem um minuto sequer.
Joseph
não fez comentário. Toda sua concentração estava voltada para a porta que
estava forçando e, mesmo devagar, conseguia abrir um pouquinho. O ruído
provocado pela madeira raspando o chão lhe dizia que uma peça pesada devia ter
sido arrastada até ali. Para complicar, uma boa parte do piso era forrado por
um tapete, o qual provavelmente estava impedindo que a peça deslizasse melhor.
Se fosse possível empurrá-la para o lado, não teria tanta dificuldade. Mas não
era.
—
Posso ajudá-lo, milorde? — Frederick perguntou, solícito. — Talvez se nós dois
forçarmos...
Joseph
olhou para o rapaz, praticamente um menino de uns dezesseis anos, magro feito
uma vara, mas estava tão ansioso que qualquer ajuda seria bem-vinda.
—
Encoste o ombro na porta e empurre quando eu mandar.
Frederick
se posicionou ao lado dele, com o ombro encostado à porta, e ambos empenharam o
máximo esforço possível. Dessa vez, a porta cedeu o suficiente para que Joseph
pudesse olhar dentro do quarto. Demetria estava deitada, aparentemente
dormindo, mas ele notou que o rosto dela estava extremamente pálido.
—
Mais uma vez — Joseph comandou, e eles conseguiram dar um bom empurrão na
porta, o suficiente para que fosse afastada e deixasse ver que a peça era uma
camiseira.
Frederick
ficou na expectativa, observando ansioso se seu patrão conseguiria passar pela
pequena abertura. Ambos deram um suspiro de alívio quando ele conseguiu.
—
Ela está bem? — Frederick perguntou, tentando ele próprio entrar enquanto Joseph
corria para a cama.
—
Demetria? — Joseph pegou o rosto dela nas mãos e voltou para ele. Seu coração
quase parou de bater ao vê-la. Não tivera apenas uma impressão de que ela
estava pálida. Demetria estava branca como um lençol e completamente inerte.
—
Como ela está? — Frederick insistiu, aproximando-se também da cama.
—
Peça socorro — exaltou-se Joseph, esfregando com a mão trêmula o rosto de Demetria.
—
Pois não, milorde. — Frederick começava a se dirigir porta de comunicação, mas Joseph
o chamou de volta, ao ver o que bloqueava a entrada da outra.
—
Tire aquela cadeira que está travando a porta e se apresse para obter socorro.
O
olhar de Joseph percorreu o resto do quarto, mas tudo parecia em ordem e não
havia ninguém mais lá.
Frederick
deixou a porta aberta ao sair e Joseph pôde ouvi-lo gritar pedindo socorro ao
descer as escadas. Na esperança de que o socorro chegasse logo, Joseph voltou a
examinar o rosto da esposa.
Deitada
na cama, ela parecia tão pequena e frágil... Ele a pegou no colo, abraçando-a
contra o peito. Não conseguia ficar olhando para aquele rostinho sem vida. Ela
parecia mal respirar, e a ideia de que ela pudesse morrer o deixou apavorado.
Não suportaria perdê-la. Demetria era importante demais, era tudo em sua vida.
Bom
Deus, ele a amava tanto que preferiria morrer a viver apenas da lembrança dela.
—
Fique comigo, Demetria — ele murmurou, acariciando lhe as costas. — Não me deixe.
Preciso de você.
—
Milorde?
Joseph
olhou para a porta e viu Kibble entrar. Atrás do mordomo, estavam o pai de Demetria
e vários criados.
—
Frederick disse que milady não está bem. O que aconteceu? — Kibble perguntou,
dando a volta na cama e parando ao lado do lugar em que Joseph estava sentado,
carregando Demetria.
—
Não sei. Ela está muito pálida e não quer acordar — Joseph explicou, com a voz
em frangalhos.
—
Deixe-me vê-la — disse Kibble.
John
Lovato também se aproximou pelo outro lado. Joseph deitou novamente Demetria
com a maior delicadeza, e os três homens debruçaram-se sobre ela.
—
Meu Deus, ela está com uma palidez mortal! — exclamou lorde Lovato, alarmado.
—
Está quase cinza — a Sra. Longbottom comentou assustada, unindo-se aos três.
Kibble
levantou então as pálpebras de Demetria, examinou os olhos dela e se curvou
para cheirar-lhe o hálito.
Joseph
observava as ações do mordomo como se estivesse anestesiado até que ele
endireitou o corpo. Seu semblante demonstrava todo o pânico que sentia,
deixando Joseph ainda mais assustado.
—
Precisamos fazê-la purgar. Ela foi envenenada.
—
O quê? — Lorde Lovato e Joseph disseram ao mesmo tempo, mas Kibble não estava
ouvindo, sua atenção estava toda voltada para a mesa-de-cabeceira onde havia um
pedaço de torta meio comido. Ele abaixou-se então para cheirá-lo e apertou os
lábios.
—
A torta está envenenada.
—
Mas todos comemos um pedaço de torta na noite passada — Joseph o contradisse.
—
Não deste pedaço — Kibble afirmou, olhando em volta. — Preciso de alguma coisa
para enfiar na garganta dela.
—
O quê? — Joseph alarmou-se.
Impacientando-se,
Kibble sugeriu:
—
Talvez você e lorde Lovato devam sair.
—
Não senhor, vou ficar — Joseph protestou.
—
Então tente salvá-la, se puder — Kibble decidiu, dirigindo-se à porta.
—
Não, Kibble, por favor, volte aqui! Precisamos de sua ajuda — Joseph disse,
seco.
—
Então você tem que sair. Não posso ajudá-la com você me interrompendo e
questionando cada movimento meu — ordenou Kibble, retornando. — Você está me
atrasando e só vai me atrapalhar.
Vendo
que Joseph hesitava em seu desespero de que Kibble pudesse ajudar Demetria e a
relutância em deixá-la, John Lovato pegou-o pelo braço.
—
Vamos, ele está certo. É melhor não ficarmos aqui. Vamos descer para não
atrapalhar.
—
Mas e se ela... — Joseph começou a dizer, completando em seu pensamento: E se
ela morrer? não ousando terminar a frase.
—
Um dos dois tem de sair, milorde, ou você ou eu — Kibble disse, implacável, e Joseph
sentiu nos ombros o peso da derrota. — Vou chamá-lo assim que houver qualquer
mudança — Kibble prometeu, suavizando a atitude diante da concessão de Joseph.
Joseph
assentiu com a cabeça e seguiu lorde Lovato, saindo do quarto. Os dois homens
mantiveram-se calados, de ouvidos atentos às instruções que Kibble dava aos
outros criados como um sargento.
—
Ela ficará bem — lorde Lovato procurou tranquiliza-lo, sem conseguir disfarçar
o medo na voz.
Demetria
era filha única, fruto de seu amor com Margaret Lovato. Era natural que
estivesse tão preocupado quanto Joseph.
Forçando-se
a dar uma resposta igualmente gentil, Joseph conduziu o sogro até o salão,
imaginando que, enquanto aguardavam, um gole de brandy faria bem aos dois.
Empurrou então a porta e deixou lorde Lovato entrar primeiro. Tão logo pisou no
salão, deu com Taylor calmamente instalada no sofá, com o rosto absolutamente
desprovido de qualquer expressão.
—
Então, o que ela aprontou agora? Colocou fogo nesta casa também? Ou será que
tropeçou e machucou o dedinho do pé? — ela perguntou em tom sarcástico.
Joseph
sentiu o sangue ferver nas veias, mas foi John Lovato quem tomou a iniciativa
de responder. Parando ao lado de Joseph, ele olhou para a mulher com total
desprezo e vaticinou:
—
Ela foi envenenada e, como sei que você é a única pessoa que a odeia a ponto de
fazer tal coisa, não seria tão arrogante, pois é você quem vai para a forca se
ela vier a morrer.
estou sem paciencia pra dividir os capitulos por isso que estao saindo inteiros
estao gostando da fic?
Eita Jeová
ResponderExcluirO John pegou passado agora, mas eu adorei, a Taylor já estourou meu limite de paciência, espero que ela se ferre logo
POSTA LOGO
Estou adorando, quero mais
ResponderExcluirNossa velho saudades de ler fics, não lia desde 2014, fiquei surpreso e feliz que você ainda posta pois muitos desistiram de fica Jemi
ResponderExcluirFics*
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