—
Mas é claro, meu bem. Se Joseph está interessado em você, é com a maior
satisfação que farei de tudo para ajudá-lo.
Demetria
hesitou por um momento e corou, antes de se atrever a perguntar:
—
Apesar do escândalo em que acabei envolvida, milady? Creio que ouviu falar a
respeito...
Seguiu-se
um longo silêncio. Mais uma vez Demetria desejou que pudesse ver o suficiente
para poder controlar a própria expressão.
Tomando-lhe
as duas mãos nas suas, lady Mowbray disse, de maneira solene:
—
Ouvi falar, sim, minha querida, sobre seu breve casamento com o capitão
Fielding. Em minha opinião, porém, você não teve culpa alguma. E, sinceramente,
também não me importaria se tivesse. Você é a primeira jovem por quem Joseph
mostra interesse nestes dez últimos anos. Ainda que você tivesse matado o
arcebispo de Canterbury, eu o ajudaria também.
Cheia
de admiração, Demetria estreitou os olhos na tentativa de enxergar melhor essa
senhora que defendia com tanto ardor o filho.
—
Agora venha, querida. Mary e eu ficaremos conversando aqui enquanto você
estiver com Joseph. — Abrindo as portas francesas que davam para fora, passou o
braço nas costas de Demetria, incentivando-a a sair do salão.
—
Mas e se Taylor...
—
Nós tomaremos conta de sua madrasta, não se preocupe. Lady Devereaux me devia
um favor e fará o possível para mantê-la ocupada enquanto for necessário. Se
não conseguir, eu mesma me incumbirei dela. Pode ir... A menos que você não
deseje se encontrar com Joseph?
—
Claro que desejo — Demetria respondeu prontamente, ao sentir um certo receio na
voz de lady Mowbray.
—
Bem, então vá.
Demetria
atravessou um corredor ladeado de cortinas e parou hesitante. Não conseguia
enxergar muito bem, mas pareceu-lhe haver uma trilha à sua frente. Começou a
caminhar insegura quando, dentre as árvores, surgiu uma sombra que se projetou
em sua direção.
—
Que bom que você veio!
Demetria
relaxou assim que ouviu a voz de Joseph. Sabia que ele não permitiria que se
sentisse insegura, sozinha na escuridão.
—
Então sua mãe deu um jeito de me separar de Taylor.
—
Parece que sim — disse ele, sorrindo.
—
Fiquei bastante surpresa de ela ter conseguido — Demetria confessou. — E mais
ainda de ouvi-la dizer que não se incomoda com o escândalo de que fui vítima.
—
Ah, é verdade, o escândalo... — Joseph murmurou. — Você precisa me contar o que
aconteceu.
—
Você não sabe nada a respeito? Demetria perguntou, preocupada. — Como sua mãe disse
que tinha tido conhecimento, pensei que você também soubesse.
—
De fato, sei o que me contaram, mas gostaria de ouvir de sua boca.
—
Ah, na verdade não há muito a contar. — Demetria suspirou e comentou os
detalhes de como fora ludibriada sob a alegação de que sua família precisava de
ajuda.
—
E esse capitão Fielding se dispôs ele mesmo a se casar com você para ajudá-la a
salvar a família — Joseph concluiu em tom cáustico.
—
Pois é. Eu pensei que ele estivesse sendo extremamente bondoso até que mais
tarde descobri toda a verdade. — A expressão de Demetria era séria. — Não
bastasse o escândalo que causou, foi tudo muito cansativo.
—
Você achou maçante casar? —— Joseph perguntou, brincando, e Demetria deu de ombros.
—
Bem, nada houve de casamento. Ficamos na frente um ferreiro negro, na presença
de um outro casal, dissemos: “aceito” e assunto encerrado.
—
E a noite de núpcias? — Joseph chegou ao ponto que desejava, não contendo a
tensão na voz.
Demetria
fechou o cenho.
—
Não houve noite de núpcias. O casamento não poderia ter sido anulado se tivesse
havido.
—
Quer dizer que ele nem tentou se...?
—
Ele foi me procurar, sim, mas havíamos viajado muito e eu estava bastante
exausta. — Demetria abaixou a cabeça para esconder o rosto rubro. Sentia-se
muito embaraçada com esse tipo de questionamento. — Ele não me forçou a nada.
Foi dormir em outro quarto e me deixou sozinha.
A
tensão que Joseph sentia da mãozinha pousada em seu braço relaxou. Demetria o
olhou indagativa, desejando, como sempre, poder ver a expressão dele.
—
Fico feliz em saber — murmurou Joseph, imediatamente acrescentando: — Não que
eu fosse culpá-la ou desmerecê-la se o casamento tivesse se consumado. Mas fico
muito contente de saber que não se consumou.
Demetria
refletiu um pouco e suspirou.
—
A cidade toda pensa que sim, não é?
—
Acho que é a opinião que prevalece. O fato de seu pai tê-la levado para o campo
para evitar o escândalo é compreensível, mas mantê-la afastada por tanto tempo suscitou
não só esse boato, como também o de que havia sido gerado um filho, que você
estava criando no campo.
Demetria
ficou de queixo caído e voltou-se para ele horrorizada:
—
É isso o que todos pensam?
—
Talvez não devesse ter lhe contado — Joseph ponderou, com evidente
arrependimento.
—
Não. É melhor saber o que se passa do que ficar na ignorância. O único problema
é que não tenho como acabar com o diz-que-diz.
—Acho
não que tem jeito mesmo. Talvez a única saída seja aprender a conviver com o
falatório e não ligar para o que as pessoas pensam.
—
Será que isso é possível? — Demetria perguntou, com ar triste.
—
Não sei. Você se importa com o que pensam? Você me pareceu divertir-se tanto ao
me contar sobre as atribulações causadas pela falta de óculos que achei que não
ligasse para esse tipo de coisa.
—
Normalmente não ligo — ela concordou. — Mas só eu sei o que aconteceu e não
aconteceu. Sei também do meu caráter. Por isso não aguento quando cochicham
atrás dos leques para que eu ouça. Preferia que falassem na minha cara, para
que eu pudesse me defender, mas, fora isso, nunca realmente me incomodou o que
os outros pensam, com exceção daqueles a quem quero bem.
Joseph
apertou a mão que repousava em seu braço e depois fez com que Demetria parasse,
dizendo:
—
Aqui estamos.
Demetria
voltou-se e estreitou os olhos, tentando visualizar melhor a pequena clareira
para onde ele a levara. No chão, havia um grande quadrado de diferentes cores e
padrões, uma colcha talvez, parecendo haver diferentes itens sobre ela.
—
Um piquenique? — ela arriscou, em dúvida.
Joseph
riu e a fez sentar-se em um dos cantos da colcha.
—
Sim. Lembrei-me que você disse que sua madrasta não a deixa comer e beber em
público, em ocasiões como esta, e não quero que passe nem fome e nem sede. Dei
então um jeito de remediar a situação. Espero que goste do que eu trouxe.
Demetria
já não enxergava direito e, para complicar ainda mais sua visão, ficou com os
olhos cheios de lágrimas, percorrendo assim, quase sem ver, o olhar por todos
os itens a sua volta.
Imensamente
comovida com tanto carinho e consideração, Demetria ó poderia achar Joseph o mais doce dos homens.
—
E... — Ele mostrou alguma coisa de cor clara, levemente florida. Demetria piscou,
confusa. — Seu babador, milady — disse, brincando. — Para evitar qualquer
incidente que possa nos denunciar. Faça de conta que sou um de seus criados e
use-o. Posso ajeitá-lo para você?
Demetria
não podia acreditar em mais aquele gesto atencioso. Entre lágrimas e risos,
concluiu que Joseph era mesmo maravilhoso.
—
É um babador improvisado — continuou Joseph, colocando um enorme guardanapo em
torno do pescoço dela. — Mas foi o que de melhor encontrei para que não haja
risco de sujar sua roupa.
—
Obrigada — Demetria agradeceu, observando Joseph também se acomodar na colcha.
— Está tudo perfeito. E eu estou faminta.
—
Vamos comer então — ele propôs satisfeito, dissertando sobre o cardápio. —Temos
frango assado, presunto, queijo, pão, geleia e frutas.
O
clima entre eles não poderia ser melhor. Comeram, conversaram e riram muito.
Demetria tinha a sensação de aquele estar sendo o momento mais feliz de sua
vida. Já haviam terminado de comer a algum tempo; ela ria de uma história que
Joseph acabara de contar sobre os problemas com um antigo mordomo muito
briguento, quando percebeu que ele endireitava e levantava a cabeça para olhar
sobre seus ombros.
Ambos
pararam de rir e um vulto rosa pálido se aproximou deles. Demetria deu-se conta
de que era Mary antes que a jovem dissesse, quase se desculpando:
—
Sua mãe pediu-me que viesse lhes dizer que Demetria precisa entrar agora.
Por
um momento fez-se silêncio entre eles, rompido então por Joseph.
—
Vou levá-la imediatamente. Agradeça a minha mãe, muito obrigado a você também,
Mary, pela ajuda desta noite.
—
Fico contente que tenham aproveitado. Você tem tido muito pouca distração,
primo — Mary comentou, com doçura, deixando-os em seguida.
Demetria
voltou-se para Joseph, com pena de que aqueles momentos chegassem ao fim.
Ficaram ambos calados. Ele levantou-se e estendeu-lhe a mão para que também se
levantasse. Ao chegarem perto da porta onde haviam se encontrado, ela o
encarou, séria.
—
Obrigada, milorde, adorei o piquenique. Não me divertia tanto desde que... bem,
desde a última vez que nos vimos. Sinto-me muito afortunada por ter um amigo
como você.
Ela
percebeu que Joseph enrijecera o corpo ante suas palavras, mas a reação dele
logo ficou clara ao externar seu desapontamento:
—
Um amigo, Demetria? É assim que você me vê?
Ela
sentiu-se corar e abaixou a cabeça, murmurando:
—
Não quis ter a pretensão de achar que seu...
Joseph
interrompeu as palavras dela, colocou a mão em seu queixo para levantar-lhe o
rosto e, sem que esperasse, cobriu-lhe a boca com a sua.
Demetria
ficou imobilizada ao contato dos lábios dele, que deslizaram suaves, mas firmes
sobre os dela, em uma carícia gentil e intensa. Ela entreabriu ligeiramente os
lábios num suspiro, possibilitando que ele introduzisse a língua em sua boca.
Alarmada,
Demetria congelou por um momento diante de tal intrusão, sentindo-se tensa. O
movimento da língua de Joseph dentro de sua boca, porém, era tão delicado e tão
doce que seu corpo relaxou e seus lábios se entreabriram um pouco mais em total
entrega.
Apesar
de ter se casado, Demetria nunca havia sido beijada. Ela até achava que beijar
era esquisito, isso porque nunca havia experimentado. Sentia agora o prazer e a
excitação percorrer-lhe o corpo. Agarrada aos braços dele para manter o
equilíbrio, de início ela somente se deixou beijar, correspondendo depois com
igual ardor. Joseph soltou um gemido e suas mãos deslizaram pelo corpo de
Demetria, pressionando-a contra seu próprio corpo enquanto seus lábios
continuavam exigindo beijos cada vez mais profundos.
Demetria
passou os braços em torno do pescoço dele, quase estrangulando-o na tentativa
de tê-lo ainda mais junto de si. Ela sentiu uma das mãos de Joseph descer por
suas costas, apertando-a ainda mais até que ela roçou em uma parte enrijecida
do corpo dele, sem que, naquele momento, se desse conta do que era. Então, de
repente, ele a soltou e afastou-se.
Demetria
o fitou às cegas, consciente de que estava arfando. Levou um minuto para perceber
que a respiração de Joseph estava acelerada também.
Com
a voz rouca, Joseph finalmente lhe disse:
—
É melhor você entrar agora.
Abriu
a porta e delicadamente passou a mão na cintura dela para que ela entrasse,
tomando cuidado para manter uma certa distância entre ambos; caso contrário,
não conseguiria resistir à tentação de abraçá-la outra vez. Prometeu então:
—
Logo a verei novamente.
Demetria
ouviu a porta ser fechada e soltou um longo suspiro. Fechou os olhos por um
minuto e seus lábios se abriram em um doce sorriso.
Logo
a verei novamente. Que quatro palavrinhas mais lindas, pensou, e sentiu outras
mãos envolvê-la.
—
Você se divertiu?
—
Claro que sim. Veja só o sorriso dela.
Demetria
teve um sobressalto, ao ouvir a voz de lady Mowbray e a resposta de Mary. Ela
não havia notado que as duas mulheres estavam próximas da porta quando entrou.
Só temia que tivessem testemunhado o beijo que Joseph lhe dera, mas nenhuma das
duas teceu qualquer comentário ou a repreendeu por ter aceito o beijo. Havia
riso em suas vozes enquanto elas a especulavam, ajeitando-lhe o penteado e
alisando pequenas partes enrugadas de seu vestido. Lady Mowbray então
acompanhou-a até o salão de baile.
Já
estavam próximas ao salão quando a mãe de Joseph se voltou para olhá-la de
frente.
—
Demetria, minha querida. — Ela hesitou, respirou fundo e pegou a mão de
Demetria. — Nunca vi meu filho tão feliz como tem estado nesse curto período em
que a conheceu. Quero agradecer a você por isso. Não importa o que venha a
acontecer, muito obrigada.
—
Ele é um homem muito especial — Demetria murmurou baixinho, corando.
—
Pena que nem todos o vejam assim — complementou lady Mowbray, com expressão de
tristeza. — Algumas pessoas não aguentam nem passar perto da cicatriz de seu
rosto.
—
Como minha madrasta — Demetria sugeriu.
—
Ela é apenas uma de muitas — lady Mowbray afirmou, dando um pequeno suspiro. —
Vamos entrar. Sua madrasta deve estar pisando em ovos a esta altura.
Pegando-a
pelo braço, lady Mowbray a conduziu pelo salão de baile.
—
Ei-las! — exclamou Taylor, já em pé. — Ficaram duas horas conversando.
Demetria
não deixou de notar o tom de raiva subjacente às palavras da madrasta.
—
Culpa minha — lady Mowbray disse, sorrindo. — As meninas se deram tão bem que
não me doeu o coração interrompê-las.
—
Muito bem, fico contente com isso — respondeu Taylor, mas Demetria percebeu que
isso não a tranquilizara. Havia algo de errado.
—
Agora desejo que em breve vocês venham tomar um chá comigo — convidou lady
Mowbray, em tom alegre, não conhecendo Taylor o suficiente para perceber o que
se passava em seu íntimo. — Vou convidar Mary também para que as meninas possam
continuar a conversa.
—
Será ótimo — respondeu Taylor, forçando um sorriso. — Até breve então. —
Despediu-se lady Mowbray, com um aceno de cabeça, dando um apertãozinho na mão
de Demetria.
Tão
logo ficaram sozinhas, Taylor pegou Demetria pelo braço e apressou-a a sair
dali.
—
Onde estamos indo? — ela perguntou quando cruzavam o salão.
—
Para casa — respondeu Taylor, rispidamente. Demetria mordeu o lábio, mas ficou
quieta. Ao deixar a residência dos Devereaux, tiveram que aguardar por algum
tempo pela carruagem, mas só quando estavam sentadas dentro dela e com a porta
fechada Taylor disparou o ataque.
—
Você estava vermelha demais quando voltou da visita a Mary. — A voz de Taylor
era fria e contida.
Demetria
permaneceu por um momento calada, sentindo-se inquieta.
—
Estávamos sentadas ao lado da lareira. Lá estava muito quente.
—
E seus lábios ainda estão inchados de beijar lorde Mowbray.
—
Você viu. — Demetria congelou por dentro.
—Vi
— Taylor confirmou furiosa. — Lorde Prudhomme queria falar comigo e fomos dar
uma volta nos jardins. Vimos vocês voltando e ficamos observando perto das
árvores como você se deixou agarrar por Mowbray como um animal e..
Taylor
fez urna pausa repentina como se o assunto a perturbasse demais para continuar.
Demetria, porém, mal notou, perturbada pela menção de Prudhomme e da volta no
parque, recordando claramente o que testemunhara de tais passeios com outras
mulheres.
—
Como você permite que um homem a toque — vociferou Taylor. — Você tem um homem
bom como lorde Prudhomme disposto a esquecer seu passado escandaloso e escolhe,
uma vez mais, arruinar tudo. Desta vez com Mowbray.
—
Prudhomme, um bom homem? — Demetria rebateu com espanto, lembrando-se no mesmo
instante que não havia comentado nada do que vira com a madrasta.
—
Sim, senhora, um bom homem — Taylor enfatizou. — E disposto a esquecer tudo: o
escândalo, seus desastres e o beijo que viu.
—
Quanta bondade dele, não? — Demetria ironizou. — E, em contrapartida, suponho
que terei de esquecer os casos dele?
—
O quê? Do que você está falando, menina? — Taylor quis saber, com exagerada
curiosidade na voz. Demetria podia garantir que havia até pânico no tom dela.
Como queria enxergar direito para poder ver a expressão de seu rosto!
—
Estou falando dos casos dele com lady Havard e com lady Achard — respondeu,
calmamente. — Na noite em que você me encontrou no jardim da casa dele, eu
tinha acabado de vê-lo brincando com as duas senhoras.
—
Como? — Taylor perguntou, áspera. — O que quer dizer com isso?
—
Quase topei com ele e lady Achard no jardim naquela noite, mas me escondi entre
os arbustos e ouvi o que diziam. Parecia que tinham acabado de fazer amor. Ele,
jurando fidelidade, amaldiçoou a boa saúde de lorde Achard por impedi-los de
assumir seu amor. Depois chegou lady Havard para avisar que lorde Achard estava
no baile. Lady Achard saiu imediatamente dali, e Prudhomme passou a clamar seu
amor por lady Havard, amaldiçoando da mesma maneira lorde Havard e, pouco
depois, desapareceu sob a saia dela.
Seguiu-se
um longo silêncio. Embora não pudesse ver expressão de Taylor, Demetria estava
certa de que ela empalidecera e estava ainda mais certa de que a madrasta tinha
algum tipo de envolvimento com Prudhomme.
—
Você está mentindo — Taylor disse trêmula.
—
Não estou, não — revidou Demetria com toda a calma e depois acrescentou: — E eu
não estava sozinha, não fui a única pessoa a testemunhar tudo que lhe contei.
—
Quem mais testemunhou?
Demetria
hesitou. Já estava em apuros por causa de Mowbray e achara melhor não mencionar
o nome dele antes. Por outro lado, se convencesse Taylor de que ela estava
falando a verdade, talvez a madrasta parasse de empurrar Prudhomme para ela.
—
Mowbray — disse, finalmente. — Pode perguntar a ele se não acredita em mim.
Demetria
não viu a mão da madrasta levantar-se para dar-lhe um tapa, mas a dor que
sentiu foi profunda e, com o impacto, sua cabeça foi jogada para o lado.
Erguendo-se
ela levou a mão ao rosto e voltou-se lentamente para encarar a madrasta.
—
Você não tocará mais nesse assunto — Taylor decretou. — E nunca mais verá
Mowbray novamente. Nunca mais.
Demetria
manteve-se firme e calada, mas queimava de raiva por dentro pelo acontecido.
A
porta da carruagem foi aberta de seu lado. Sem notar, já haviam chegado em
casa. Demetria quase tropeçou na saia em sua pressa de desembarcar. O lacaio
segurou-a pelo braço para impedir que caísse. Ela murmurou um agradecimento e
se afastou rapidamente, seguindo apressada pela trilha em direção à porta da
frente.
Foulkes,
ou alguém que ela julgou ser Foulkes, abriu a porta ao vê-la se aproximar. Ela
subiu rapidamente as escadas, não vendo a hora de estar na privacidade e
segurança de seu quarto, mas Taylor a alcançou.
—
Demetria — sibilou a madrasta, apertando-lhe o braço no momento em que ia abrir
a porta.
Respirando
fundo, Demetria virou-se para enfrentá-la, mas desistiu, não desejando suscitar
mais raiva nela.
—
Nunca mais quero falar sobre esta noite — ela repetiu com firmeza. — E você
também nunca mais verá lorde Mowbray de novo. Como pôde permitir que ele a
tocasse... — Taylor ainda estava furiosa, com a respiração pesada, e fuzilava-a
com os olhos. — Seu pai nunca me perdoaria se eu deixasse que um homem a
prejudicasse. E Prudhomme também não será mais bem-vindo a esta casa. Ter a
ousadia de cortejá-la enquanto...
A
voz da madrasta vacilou. Demetria estava cada vez mais convicta de que ela
tinha alguma coisa com Prudhomme. Se não estivessem tendo um caso, ele
certamente deveria estar tentando. Era evidente o aborrecimento de Taylor.
Depois
de um momento de silêncio, Taylor virou as costas e se dirigiu a seu quarto,
batendo a porta.
Demetria
soltou um suspiro profundo, sentindo a tensão do corpo aliviar-se, Ao entrar no
quarto teve um sobressalto quando um vulto se aproximou para ajudá-la a entrar.
—
Desculpe, milady — disse Joan. — não tive a intenção de assustá-la. Fiquei
esperando que voltasse para ajudá-la a trocar de roupa.
—
Está tudo bem, não se preocupe — Demetria retrucou, fechando a porta do quarto.
Joan
começou a ajudá-la a se despir, mas havia algo de tenso nela. Passados alguns
minutos, Demetria não se conteve e perguntou:
—
O que há com você? Parece que quer me dizer alguma coisa, pois diga.
—
Desculpe, milady — Joan murmurou, pondo finalmente para fora o que a
incomodava: — Seu vestido está amassado, há uma marca em seu rosto. Parece que
levou um bofetão. Seus lábios estão um pouco inchados e ouvi o que lady Lovato
disse sobre lorde Mowbray. Está claro que houve alguma coisa entre a senhorita
e ele, milady. Dizem que o coração dele tem uma cicatriz tão feia quanto o
rosto e ele...
A
voz de Joan ficou presa na garganta, e Demetria dirigiu-lhe um olhar de
censura.
—
Estou apenas preocupada, milady. A senhora é muito meiga e bondosa e ainda um
pouco ingênua. Não queria que ele se aproveitasse disso.
Demetria
deu-lhe as costas, consumida de raiva. Joseph só tinha demonstrado bondade e
consideração para com ela. Fora um ouvinte atento e se apressara em
providenciar tudo o que ela desejava e sentia falta. E não tinha tentado uma
única vez se aproveitar dela. Demetria considerou por um momento dizer a Joan
que isso não era da conta dela, mas Joseph merecia que ela o defendesse. Além
disso, desejava ter pelo menos uma pessoa a seu lado, ainda que fosse a criada.
Sentando-se
na cadeira da penteadeira para que Joan lhe soltasse e escovasse os cabelos,
Demetria pigarreou e contou à criada como haviam sido seus encontros com Joseph,
sem omitir qualquer detalhe.
—
Ele parece maravilhoso — disse Joan, finalmente. — Não tem nada a ver com as
histórias que as pessoas contam sobre ele.
—
Ele é maravilhoso — confirmou Demetria, enxugando as lágrimas que insistiam em
molhar seus olhos. Era ridículo, mas sentia-se extremamente grata que a criada
tivesse uma boa impressão de Joseph.
—
Bem — Joan deu seu endosso ao terminar de escovar os cabelos de Demetria —,
acho que deve continuar a vê-lo. Se ele marcar um novo encontro, não deixe de
ir.
—
Mesmo? — perguntou Demetria ansiosa.
—
Certamente — confirmou a criada, com firmeza, acrescentando: — Milady, não a
tinha visto tão feliz em todo esse tempo em que trabalho aqui. Seus olhos se
iluminam quando fala dele e seu sorriso fica ainda mais doce. É óbvio que está
apaixonada por este homem.
Demetria
piscou surpresa diante dessas palavras e permaneceu em silêncio. Joan puxou as
cobertas da cama, ajudou-a a deitar-se e desejou boa-noite, saindo do quarto.
As palavras da criada ficaram ecoando em sua mente.
Seria
verdade, perguntou-se. Estaria mesmo apaixonada por ele?
Demetria
não tinha certeza. Tudo o que sabia é que gostava de Joseph, que vivia
entediada quando ele não estava por perto e ganhava vida nova quando ele
aparecia. Joseph a fazia rir e gostava de conversar com ele e agora que a tinha
beijado... Era só no que pensava, naqueles beijos e quando teria a oportunidade
de beijá-lo novamente. Devia mesmo estar apaixonada. E era a sensação mais
gostosa do mundo. Não via a hora de vê-lo de novo.
—
Seu xale, milady.
Demetria
ficou confusa quando Joan apareceu ao seu lado, estendendo-lhe um xale.
—
Meu xale?
—
Sim, a senhora não disse que estava sentindo frio e me pediu para pegá-lo? —
Joan confirmou, abaixando-se para dar um safanão na saia de Demetria. — Acho
que não conseguimos limpar todo o ponche derramado em seu vestido na noite do
baile de Brudman. Talvez seja melhor trocá-lo.
—
Trocá-lo? — perguntou Demetria abaixando-se para examinar a saia. Não que ela
fosse enxergar qualquer coisa, mas tinha certeza de que aquele não era o
vestido em que derramara o ponche. Aquele era verde.
—
Vá logo, Demetria — disse Taylor irritada. — Leve-a para cima para se trocar,
Joan. Ela não pode usar um vestido manchado em meu primeiro baile como
anfitriã. Espero que ninguém tenha notado.
—
Ninguém notou, milady — disse Joan, puxando Demetria que se levantou.
—
Mas... — ela começou a dizer quando deixavam o salão de baile e foi calada por
Joan. A criada não a deixou falar até chegarem ao hall.
—
Joan, que história é essa? Este não é o vestido em que derrubei o ponche.
—
Eu sei, milady, mas lady Lovato tem péssima memória e eu precisava tirá-la de
lá.
—
Por quê?
—
Porque há um menino na porta com um bilhete para a senhora e se recusa a
entregá-lo a outra pessoa.
—
Nossa, o que será?
—
Não sei, milady, mas foi uma sorte eu estar passando pela porta quando ia subir
ao quarto, caso contrário Foulkes a teria aberto e sua madrasta ficaria
sabendo.
Demetria
ergueu as sobrancelhas. Foulkes era mesmo muito certinho e, sem dúvida, contaria
a Taylor. Se por sorte fosse um recado de Joseph, nunca ficaria sabendo o
conteúdo porque a madrasta pegaria o papel e o queimaria na frente dela.
—
Será que é de Joseph? — Demetria perguntou a Joan, esperançosa. Não o via há
uma semana, desde a noite do baile dos Devereaux, e já sentia falta dele.
—
Não sei, milady, mas se for, deve avisá-lo para não enviar recados desse jeito.
Diga-lhe que nas próximas vezes o menino procure por mim. Se o recado que o
pobre garoto trouxer for para mim, não haverá suspeita alguma. Posso alegar que
ele é meu irmão caçula.
Demetria
correu a abrir a porta. Na varanda, um menino estava a sua espera.
—
Esta é lady Demetria — disse Joan. — Pode entregar o bilhete agora.
O
menino examinou Demetria. Tinha olhos enormes e o rosto muito sujo. Ele puxou o
bilhete de dentro da camisa e o entregou.
—
Me disseram.que eu ia ganhá uma moeda pelo trabaio.
—
Ah! — Demetria voltou-se atrapalhada para Joan. — Minha bolsinha de moedas está
em meu quarto.
—
Pegue aqui. — Joan sacou uma pequena carteira das dobras de sua saia e deu uma
moeda ao menino. — Pode ir agora.
Neste
instante, Foulkes apareceu e se encaminhou na direção delas. Tirando o bilhete
da mão de Demetria, a criada o manteve consigo, falando alto enquanto subiam a
escada:
—
Venha, é melhor tratar de mudar de roupa logo, milady.
Demetria
esperou até estarem no quarto para abrir o bilhete. Como não conseguiria ler,
pediu a Joan que o fizesse.
—
Só está escrito encontre-me na fonte e assinado J.A.J.
—
J.A.J.? É de Joseph — Demetria exultou. — Bem... Não vou me trocar?
Demetria
estranhou que a criada começasse a empurrá-la para a porta.
—
Depois — Joan disse em tom firme. — Se eu trocar sua roupa agora e Joseph
amassar seu vestido como da última vez, vou ter de trocá-la de novo.
—
Você tem razão — Demetria concordou, corando ao lembrar como o vestido ficara
amassado. Talvez ele a beijasse novamente, imaginou, sentindo um friozinho na
barriga à mera ideia de que acontecesse.
Joan
levou-a para o andar de baixo pela escada de serviço. Verificou se o corredor
estava livre e a fez sair pela porta da sala de jantar, o lugar mais adequado
para evitar os visitantes e a criadagem.
Parando à porta, voltou-se para ela:
—
Acha que daqui consegue ir sozinha?
demorei muito? NAO RESPONDAM
podem curtir mais uma parte
bjemi