Demetria
observou em silêncio os criados prepararem o banho para ela. Joseph havia
prometido que mandaria prepará-lo e havia cumprido a promessa.
Após
encher a tina, os criados saíram do quarto, deixando-a a sós com Joan. No
momento em que a porta do quarto se fechou, Demetria caminhou até a
mesinha-de-cabeceira para pegar os óculos.
Ainda
deitada, ao contemplar o rosto de Joseph em determinado momento da noite, ela
havia decidido seguir o conselho de lady Mowbray e Kibble e começar a usar os
óculos. Como deixara de usá-los por tanto tempo, queria começar devagar. Iria
usá-los primeiro na frente de Joan para ver como ela reagiria. Depois, na
frente de algum outro criado, e então finalmente na frente da família e do
marido.
Demetria
hesitou um pouco com os óculos na mão, então colocou-os sobre o nariz, calmamente,
retirou o livro da gaveta da mesinha-de-cabeceira e se encaminhou para a
banheira.
—
Posso... — As palavras de Joan morreram de súbito e foram acompanhadas pelo
ploft do sabonete que ela segurava ao cair na água.
Demetria
olhou fixo para a criada, tentando decifrar a expressão dela. Não era nada
agradável admitir a si mesma que a expressão de Joan parecia de horror. A
criada forçou um sorriso que lhe pareceu misericordioso e balbuciou:
—
Eu... a senhora.
Demetria
fez um gesto para que se calasse. Não desejava falar sobre os óculos. Sentiu-se
de repente deprimida demais para se importar com explicações, e definitivamente
não desejava ouvir nenhum comentário falso de que lhe ficavam bem, depois da
expressão inicial da criada ter mostrado claramente que ficava bem pouco
atraente.
Em
dúvida, Joan não tocou no assunto e estendeu a mão para a patroa para que se
equilibrasse ao entrar na tina. Demetria pegou a criada olhando-a de soslaio
repetidas vezes.
Como
o segredo dos óculos já não fosse mais segredo, pelo menos não para Joan, ela
não insistiu em ficar sozinha para banhar-se e permitiu que a criada a ajudasse
na lavagem dos cabelos. Enquanto Joan arrumava as roupas que ela iria usar, Demetria
tentou relaxar na água e ler um pouco, mas teve dificuldade. Estava consciente
demais de que o tempo todo a criada continuava a lançar olhares furtivos em sua
direção.
—
São tão feios assim? — Demetria perguntou, não conseguindo se conter.
—
O que disse, milady? — Joan perguntou, com ar inocente.
—
Estou tão feia assim de óculos? Você me pareceu horrorizada ao me ver pela
primeira vez e fica agora toda hora me olhando.
—
Oh, não, milady — Joan assegurou-lhe prontamente. — Eu não fiquei horrorizada.
Os óculos são bonitos. Eu não sabia que lorde Joseph havia mandado buscar um
novo par. Minha reação foi de surpresa, não de horror.
—
Hum — fez Demetria, duvidando do que ouvia. Ela então fixou o olhar na criada.
Havia visto a moça loira todos os dias nos últimos meses e o rosto dela lhe era
familiar, mas agora podia enxergar melhor os detalhes. Joan era uma jovem
adorável, mas quem disse que as criadas tinham de ser feias? Só que jovens
bonitas pareciam ter melhores empregos, como vendedoras de loja. Deixando as
divagações de lado, Demetria voltou sua atenção para o livro, mas estava se
sentindo inquieta demais para usufruir da leitura. Com os óculos, estava mais
consciente da própria nudez na frente da criada.
Colocando
o livro de lado com um suspiro, Demetria procurou concentrar a atenção no
banho, mas a cabeça só pensava no que iria fazer. Seu plano era usar os óculos
na frente de Joan e, se desse certo, usaria na frente de outras pessoas até
chegar a vez da família e do marido. Infelizmente, parecia que não havia se
saído nada bem com Joan.
Ainda
assim, chegaria a hora de ter de usá-los na frente de Joseph, ou passaria o
resto da vida praticamente cega, com uns poucos momentos roubados em que se
enfiaria no quarto para poder usá-los.
Demetria
refutou essa ideia. Seria quase uma deslealdade. Além disso, se era verdade o
que a sogra e Kibble alegavam de que Joseph temia que ela o achasse pouco
atraente, era mesquinho deixá-lo sofrer por isso. Dia mais, dia menos teria de
colocar os óculos na frente dele, sabia disso, mas preferia realmente adiar um
pouco mais esse momento.
Não
muito mais, Demetria ponderou consigo mesma. Aparentemente, Joseph estava de
fato se afeiçoando a ela. Ele demonstrara uma real preocupação com seu estado
no dia anterior e ficara aliviado ao ver que ela estava se recuperando.
—
Covarde — ela balbuciou por entre os dentes e levantou-se da tina.
Meia
hora depois, já estava pronta para descer. Seu cabelo ainda estava úmido e os
óculos ainda estavam pendurados no nariz. Ela estava tentando ser corajosa, mas
não tinha certeza se não os esconderia se topasse com o marido.
Taylor
estava sozinha na sala de refeições quando ela entrou, mas havia pratos vazios
sobre a mesa, o que sugeria que seu pai, Joseph e possivelmente lady Mowbray já
tivessem estado ali e saído. Bastou um olhar para o rosto da madrasta para
entender o porquê. Taylor estava de cara muito amarrada. Demetria suspirou,
sabendo que ela estaria em um de seus dias difíceis. Sentiu ímpetos de dar
meia-volta e fugir para seu quarto, mas Taylor já ia visto e sair de lá só
complicaria tudo.
—
Ora, vejo que você está de óculos.
Taylor
dirigiu um sorriso forçado, e Demetria manteve-se calada, dirigindo-se ao
aparador, onde estava disposto o serviço de café da manhã, para fazer seu
prato.
—
Quando chegaram os óculos? — a madrasta quis saber. — Seu marido já a viu com
eles? Agora você entende o castigo que arrumou para si mesma com seu
comportamento esquisito? Está infeliz, não é?
Demetria
deixou que a madrasta disparasse todas as perguntas enquanto se servia. Só
depois de se dirigir à mesa, sentar-se, colocar o guardanapo no colo e pegar o
garfo finalmente disse em tom calmo:
—
Tenho os óculos desde a véspera de meu casamento, Taylor.
Um
silêncio pesado tomou conta da sala diante da notícia. Demetria começou a comer
e levantava o garfo para levá-lo à boca quando Taylor quebrou o silêncio,
externando toda a sua surpresa:
—
Você se casou com ele mesmo tendo visto a aparência horrível dele? Meu Deus,
você é louca? Como aguenta que ele a toque?
Suspirando,
Demetria abaixou o garfo e disse:
—
Na realidade, Taylor, eu não apenas me casei com Joseph sabendo qual era a
aparência dele, como soube muito antes que ele me beijasse ou fizesse amor
comigo. Eu pude vê-lo razoavelmente bem no baile em que o conheci e dancei com
ele. — Demetria a encarou de frente. — Eu o achei muito atraente naquela noite
e continuo achando. Sinto muito que você não o ache. Mas também não foi você
que se casou com ele.
Ela
começou a comer novamente, consciente do olhar de Taylor. A madrasta a
observava como se ela fosse um quebra-cabeça que não conseguia resolver.
—
Parece que você está mesmo feliz — Taylor finalmente disse, intrigada, e não se
contendo, perguntou então: — Como você pode ser feliz com ele?
Demetria
levantou a cabeça. Com olhos tristes contemplou a mulher do outro lado da mesa.
Taylor não conseguia mesmo entender.
—
Porque Joseph é bom e generoso. Porque ele me trata como uma princesa. Porque
ele me faz rir. Porque ele me faz feliz. Porque quando ele me beija eu vou ao
paraíso e quando faz amor comigo, não consigo conter minha paixão por ele.
A
reação de Taylor não poderia ter sido mais estranha, como se Demetria a tivesse
agredido.
Demetria,
por sua vez, ficou refletindo sobre a reação da madrasta ao pegar o garfo
novamente e voltar sua atenção para a comida. Decorreram vários minutos até que
Taylor se recuperasse o suficiente para atacá-la novamente.
—
Ele já a viu de óculos? — ela perguntou de súbito. —Aposto que não. Eu não a vi
usando eles antes. É porque ele não gosta de óculos, é?
Engolindo
o alimento que mastigava, Demetria pousou o garfo e a faca ao lado do prato.
Depois limpou os lábios com o guardanapo, recolocando-o no colo, descansou as
mãos no colo, levantou os olhos para Taylor e fez o que deveria ter feito
muitos anos antes.
—
Por que você quer tanto me ver infeliz? O que a faz me odiar assim?
Sobressaltando-se
na cadeira, como se tivesse levado um tapa no rosto, Taylor retorquiu:
—
Não seja ridícula. Você é minha enteada. Eu não a odeio.
—
Mas quer me ver infeliz.
—
Essa é a vida, Demetria — disse ela, ríspida. — Todos aqueles sonhos que se tem
de filhos e felicidade? Um lar um marido amoroso? Esqueça-os. O destino é
volúvel. Mesmo quando parece ter lhe dado tudo o que queria, logo você aprende
que não tem nada. É melhor aprender como a vida é dura enquanto se é jovem do
que crescer mimada e protegida e então descobrir isso de coração partido.
Demetria
fitou a madrasta em silêncio, sentindo que estava perto de entendê-la. Depois
de um momento, perguntou:
—
Você foi mimada e protegida, Taylor?
—
E como fui. — Ela esboçou uma risada. — Fui mimada mais do que se possa
imaginar. Qualquer coisa que quisesse, eu podia ter. Qualquer coisa de que
precisasse, logo estava ali.
—
Até você se casar com meu pai.
Taylor
olhou para o prato. Depois de uma pausa, disse baixinho:
—
Achei que o queria assim que o vi. Via como ele era com sua mãe e..
—
Você o conheceu enquanto minha mãe ainda vivia? — Demetria perguntou, surpresa.
Taylor
confirmou com a cabeça, com os olhos baixos, quase envergonhados.
—
Eles se amavam muito. Eu invejava sua mãe. Quando ela morreu, adorei, pois
havia chegado a minha vez. E fui atrás dele. Não imediatamente, claro. Fiquei
por perto para confortá-lo, para externar meu sentimento pela situação difícil
que seria para você não ter mãe. Que seria difícil para ele também. Você
precisava de alguém para ajudá-la a se tornar adulta, especialmente depois do
escândalo. E criar uma filha e administrar uma casa devia ser um peso muito
grande para uma pessoa sozinha.
—
E ele se casou com você — Demetria completou baixinho, lembrando-se de que
Taylor havia sido bondosa com ela logo que chegou a Lovato. Depois, aos poucos,
ela foi se mostrando distante e fria até se tornar muito desagradável. E não
somente com ela, mas com todos em Lovato.
—
Sim, ele se casou comigo — ela repetiu muito triste. — Como disse, quase tive o
que queria.
—
Mas não teve, não é? — perguntou Demetria, compreendendo a situação. — Sabe por
quê? Porque não era exatamente meu pai que você queria. Você queria o tipo
relacionamento que ele e minha mãe tinham.
—
É verdade — ela admitiu, forçando um sorriso. — Você sempre foi uma menina
esperta. Se eu tivesse a metade de sua esperteza, não teria estragado a minha
vida. — Soltando um suspiro, Taylor passou a mão pelo cabelo e depois sacudiu a
cabeça. — Ah, ele é bom e generoso a seu modo distante, mas não senti nada
quando ele me beijou. Desconheço essa paixão incontrolável de que você falou.
Eu o culpei por isso. Ele se casou comigo para que eu cuidasse de você e da
casa. Era só o que importava. Você era a filha da preciosa Margaret, e ele
sempre demonstrou mais afeição, atenção e consideração por você do que por mim.
— Após uma pequena pausa, Taylor continuou: — Eu poderia ter convivido com
isso. Muitos casamentos são simples negociações. Me contentaria com o pouco de
afeição que ele me tivesse e até sua falta de interesse por mim se, pelo menos,
eu tivesse tido meus próprios filhos para criar. Mas não tive.
A
mão de Taylor apertou tanto a xícara que segurava que suas juntas ficaram
embranquecidas. Demetria ficou preocupada que ela pudesse quebrar a xícara de
raiva.
—
Estou com seu pai há dez anos, sem qualquer perspectiva de um filho.
A
visão de Demetria tornou-se turva mesmo com os óculos. Ela deu-se conta de que
os olhos estavam marejados de lágrimas de empatia. Afastando as lágrimas e
limpando a garganta, argumentou:
—
Você teve a mim. Eu teria sido sua filha.
—
Não era você que eu queria — contestou Taylor de maneira brusca, com um olhar
duro. Ela então desviou os olhos, envergonhada. — Me desculpe, Demetria, mas
você já era bastante crescida quando cheguei a Lovato. Quase uma mulher feita,
com personalidade e atitudes próprias... e a réplica exata de sua mãe, que teve
o casamento que eu queria, mas que eu não consegui ter.— Ela fez um muxoxo e
sacudiu a cabeça. — Eu queria o que sua mãe Margaret teve, um marido para amar
e ser amada e um bebê meu. Minha própria filha para se parecer comigo e a quem
eu pudesse mimar e proteger.
Demetria
balançou levemente a cabeça.
—
E tenho certeza de que minha mãe gostaria de ter tido o que você tem.
Taylor
piscou, confusa.
—
O que eu tenho que ela não teve?
—
Saúde — respondeu Demetria. — Minha mãe sempre foi frágil e doente. Não tinha
forças para fazer quase nada. Um friozinho podia fazê-la adoecer por dia. E
todo o nosso amor não foi capaz de mantê-la saudável e bem.
Por
um instante, uma expressão de vergonha passou pelo rosto de Taylor. Ela desviou
os olhos e apertou lábios.
—
Não estou dizendo isso para envergonhá-la — Demetria disse prontamente. — Digo
porque, mesmo com tudo o que ela teve, e que você deseja, ela também não teve
tudo. Talvez ninguém tenha.
Taylor
voltou o olhar para Demetria, tendo a expressão de vergonha dado lugar à de
curiosidade.
—
Ela era feliz?
Demetria
suspirou e pensou no passado, lembrando-se do riso da mãe, apesar de sempre
estar tão doente. Margaret Lovato nunca demonstrou cansaço ou frustração com
aquela situação. Era de uma alegria incomparável e sempre tinha um sorriso,
apesar de todo o sofrimento. Por isso todos a amavam tanto.
—
Creio que um lado dela deveria ser muito infeliz — Demetria finalmente
respondeu. — Eu mesma acharia muito frustrante conviver tanto tempo com a
doença. Mas ela nunca demonstrou. Uma vez ela me disse que a felicidade era uma
escolha. Se escolher ser negativa e melancólica, você será, mas se desejar ser
feliz e estiver determinada a usufruir o que a vida tem para lhe oferecer,
assim o será. Ela dizia que não há nada na vida que seja só bom ou só mau, que
a vida dá um pouco de cada, embora algumas vezes só consigamos ver o que há de
ruim a nossa volta enquanto na dos outros só vemos o que há de bom. Por isso
precisávamos ter olhos sempre atentos para o bom para não nos deixarmos abater
pelo desânimo e pessimismo.
—
Parece que sua mãe era muito sábia — murmurou Taylor baixinho, com lágrimas nos
olhos. — Gostaria de tê-la conhecido melhor enquanto vivia. Talvez se tivesse
ouvido um pouco da sabedoria dela não tivesse feito essa trapalhada irreparável
com minha própria vida.
—
Por que irreparável? — indagou Demetria, e Taylor soltou uma gargalhada seca.
—
Ah, não sei. Mas o que você acha? Estou ficando velha e gorda, uma verdadeira
matrona, e estou casada com um homem que me odeia e tenho uma enteada que me odeia.
—
Eu não a odeio — contestou Demetria.
—
Seu pai me odeia.
—Ele...
—
Por favor — Taylor levantou a mão para que Demetria se calasse —, não tente me
dizer que ele não me odeia. De início, achei que fosse apenas indiferença o que
ele sentia por mim. Mas, com o passar do tempo, veio o desprezo. Acho que
mereci. Minha decepção me tornou infeliz e fiz todos vocês infelizes também.
Agora seu pai nem gosta mais de mim. — Ela dirigiu um olhar sombrio para Demetria
e afirmou: — Ele me detesta tanto que até acredita que sou eu que estou
tentando matar você. — Taylor balançou a cabeça. Tinha um olhar ferido. — Como
ele pode pensar uma coisa dessas? Entendo que ele não goste de mim, mas será
que não me conhece depois de todos esses anos?
—
Tenho certeza de que ele não pensa assim — afirmou Demetria, sentindo pena da
madrasta. Nunca havia visto Taylor tão vulnerável. Tampouco havia se dado conta
de como ela era infeliz. Nunca parara para pensar a razão de ela não ter tido
filhos. Ou se ela teria realizado seus sonhos de infância. Tudo indicava que
ela tivera uma vida de criança muito feliz e não conseguiu lidar muito bem com
os desapontamentos da vida adulta.
—
Pois ele me acusou na cara e me avisou que, se alguma coisa acontecesse a você,
ele faria com que eu fosse enforcada.
—
Tenho certeza de que ele não falou de coração. Pelo que entendi, os homens
concluíram que deve ser alguém que está aqui agora e que também esteve na
cidade. A lista é bem curta.
—
E eu estou nela — Taylor murmurou, recostando-se na cadeira com um suspiro. —
Creio que de seu pai só vou ganhar desprezo.
Demetria
ficou em silêncio por um momento.
—
Taylor, se minha mãe estivesse certa e somos nós que escolhemos ser felizes...
quero dizer, se você não ficasse sempre se queixando e tornando difícil a vida
das outras pessoas, talvez meu pai encontrasse um caminho de volta para você.
Taylor
olhou a esmo por um momento, depois dirigiu um olhar angustiado para Demetria.
—
Por falar em tornar as pessoas infelizes... por que você está sendo tão gentil
comigo quando eu sempre me portei tão mal com você.
Demetria
franziu o cenho.
—
Percebi agora que eu fui uma criança egoísta no que diz respeito a você. Nunca
me passou pela cabeça que você pudesse querer ter filhos ou que meu pai não era
perfeito. Eu intuía que você era infeliz, mas simplesmente achava que era
porque você queria. Na verdade, nunca tentei entender direito. — Ela ficou
pensativa por um momento e depois disse com sinceridade: — Me perdoe, Taylor.
Me perdoe por suas decepções e me perdoe por não ter tomado conhecimento mais
cedo.
—
Você era uma criança — Taylor justificou-a. — Eu não. Deveria ter sabido lidar
melhor com as decepções. Se eu tivesse tido meus próprios filhos, provavelmente
ficaria grata por poder ser mãe também para você. Na manhã em que você foi
envenenada, quando passava pelo corredor em frente ao seu quarto para descer,
ouvi lady Mowbray comentar com você que sempre quisera ter uma filha e gostaria
de ser uma mãe para você. — A expressão de Taylor tornou-se triste. — Esse
papel eu é que deveria ter feito. — O olhar de Taylor externava grande
arrependimento. — Me desculpe, Demetria. Gostaria de poder começar tudo de
novo. Se pudesse, faria tudo de maneira diferente. Seria sua amiga e procuraria
ser realmente uma mãe para você.
—
Nunca é tarde. Podemos começar de novo e ser amigas — Demetria prontificou-se.
— Eu gostaria.
Taylor
deu um sorriso inseguro.
—
De verdade? Depois de todas as coisas horríveis que lhe fiz? Você pode mesmo me
perdoar e começar de novo?
Demetria
fez um aceno com a mão.
—
Você não foi tão horrível, Taylor. A maioria das vezes você foi implicante e,
por isso, eu a evitava. Foi só em Londres mesmo que você se tornou intolerante.
Contudo, isso me levou a encontrar e me casar com Joseph, portanto não posso me
queixar, não é? Sou muito feliz com ele.
Um
leve sorriso brotou dos lábios de Taylor.
—
Fico contente de que você seja feliz, Demetria. Vejo que seu marido é
atencioso, gentil e cuidadoso com você. Acho que tudo isso compensa de sobra
aquela cicatriz repugnante.
Demetria
ficou surpresa. Realmente não entendia aquela fixação de todos com a cicatriz.
Fazia parte dele, como uma orelha ou um dedo. E a seu ver dava até uma certa
personalidade ao rosto de Joseph, mas Taylor obviamente a achava medonha.
Balançando
a cabeça, Demetria disse:
—
Estou pensando em ir até o vilarejo hoje. Gostaria de ir comigo?
Taylor
reagiu qual uma criança a quem tivesse sido oferecida uma guloseima inesperada.
—
De verdade?
—
Sim. — Demetria riu ao ver a expressão dela. — Se vamos nos tornar amigas,
precisamos fazer algumas coisas juntas, não é?
—
Creio que sim — a madrasta concordou, exultante. — A que horas vamos?
—
Agora mesmo, se você quiser. Já acabei de comer.
Taylor
pôs-se em pé no mesmo instante.
—
Vou pegar algumas moedas em meu quarto para o caso de encontrarmos alguma coisa
para comprar. — Ao se dirigir à porta, ela parou e se voltou para perguntar a Demetria:
— Vamos de carruagem ou a pé?
—
Acho que podemos caminhar — Demetria propôs, levantando-se e juntando-se à
madrasta perto da porta. — Não é muito longe... a menos que você prefira ir de
carruagem.
—
Não, não, uma caminhada vai nos fazer bem.
Ao
cruzarem o hall, uma Taylor animada não parava de falar. Demetria sorriu e
lamentou não tê-la confrontado antes. Podiam ter tido aquela conversa muito
tempo atrás. Talvez tivessem se tornado grandes amigas.
—
Demetria!
Demetria
sobressaltou-se ao ouvir a voz do marido atrás dela. Imediatamente tirou os
óculos do rosto e enfiou no bolso da saia. Ela percebeu o olhar espantado que
Taylor lhe dirigiu, mas o ignorou e voltou-se para Joseph.
—
Olá, querido.
—
Onde vocês pretendem ir? — ele perguntou preocupado, olhando de uma para a
outra.
—
Só vou subir e pegar algumas moedas — disse Taylor, afastando-se. — Não vou
levar nem um minuto.
Demetria
observou o vulto da madrasta desaparecer na escadaria e explicou ao marido:
—
Vou ao vilarejo para ver algumas coisas.
—
Não com Taylor?
Demetria
suspirou, sabendo que teria trabalho para convencê-lo.
—
Sei que você acha que ela é a responsável pela torta envenenada, milorde. Mas
nós duas tivemos uma longa e muito boa conversa esta manhã, e eu tenho certeza
de que não foi ela. Taylor sente-se infeliz e, por isso, quer ver os outros
infelizes também, mas não é ela que está tentando me matar.
—
Demetria ...
—
Joseph, você tem de acreditar. Ela não é a culpada Aposto minha vida que não.
—
Você está apostando sua vida mesmo. E eu não vou aceitar isso. Me recuso a
deixar que você vá ao vilarejo sozinha com ela.
Demetria
estreitou os olhos para poder ver melhor a expressão de pânico do marido e deu
um largo sorriso. Ficando na ponta dos pés, ela o beijou de leve nos lábios.
—Você
fica tão lindo bravo e mandão, milorde. Verdade. Me dá até vontade de levá-lo
para cima e atirá-lo na cama.
A
tensão de Joseph esmoreceu um pouco e um pequeno sorriso brincou em seus
lábios.
—
Atirar-me na cama, hein? — Ele envolveu-a pela cintura. — Estou disposto a
sacrificar algum tempo para esse projeto se você for persuasiva.
—
Quão persuasiva? — Demetria acariciou os lábios dele com a língua.
Joseph
ganiu e agarrou-a pela nuca, não deixando que ela se afastasse ao tentar
beijá-la.
Demetria
passou os braços em volta do pescoço do marido, e arfou quando as mãos dele
agarraram suas nádegas e a ergueram um pouco para que seus corpos roçassem um
no outro eroticamente. Então o som de passos que desciam rapidamente as escadas
fez com que os dois parassem de se beijar. Relutante, Joseph abaixou Demetria
até que ela tivesse os pés novamente no chão. Nesse instante, Taylor surgiu ao
lado deles.
—
Estou pronta — disse a madrasta em tom alegre e parou, com os olhos
arregalados, ao perceber o que havia interrompido.
—
Nossa... — ela balbuciou.
—
Também estou pronta — Demetria afirmou, soltando-se do abraço do marido e indo
se juntar a Taylor.
—
Vamos. Lucy disse que há uma encantadora casa de chá no vilarejo que serve
biscoitos e doces finíssimos.
—
Demetria ... — Joseph começou a dizer, mas ela simplesmente abriu a porta e deu
passagem para que Taylor saísse primeiro.
—
Voltamos logo — avisou alegre, seguindo a madrasta e fechando a porta.
Joseph
viu apavorado a porta se fechar atrás da esposa. Apesar da conversa que tivera
com Demetria, antes do casamento, sobre ela obedecê-lo, ele não podia acreditar
que sua autoridade fosse desacatada com tanta indiferença... e em um assunto de
tanta importância.
Irritado,
cruzou o hall, gritando:
—
Frederick! Frederick!
—
Pois não, milorde. — O rapaz, que ficava o tempo todo perto de Demetria, não
estava muito distante e logo apareceu por uma outra porta do hall.
—
Reúna mais três criados e siga sua patroa e a madrasta. Fique de olho nas duas
o tempo todo. Se aquela senhora fizer qualquer mínimo gesto que você julgue
ameaçador, tem minha permissão para interceptá-la. Está claro?
—
Está, sim, milorde.
Joseph
observou o rapaz se afastar para cumprir sua ordem e permaneceu no hall,
andando de um lado para outro. Gostaria de ter ido atrás das duas mulheres ele
mesmo, mas havia combinado com lorde Lovato de se encontrarem com Hadley pela
manhã para delinear um plano de ação. Talvez ele devesse segui-las mesmo,
pensou. De que lhes valeria um plano de ação se Taylor já tivesse assassinado Demetria.
Decidido,
atravessava o hall apressado para solicitar uma carruagem quando topou com
Kibble que deixava o salão por uma das extremidades do hall.
—
Não é lady Lovato a culpada — o mordomo foi logo dizendo.
Joseph
inclinou a cabeça de lado.
—
Você parece muito seguro disso.
—
E estou. Pelo que você havia me dito e pelo que presenciei quando lady Demetria
cumprimentou lorde e lady Lovato ao chegar aqui, eu concluí que a madrasta era
a mais provável suspeita. Coloquei então dois lacaios para observá-la. Desde
então eles a seguem por toda parte e garantem que não foi ela que colocou a
torta envenenada o quarto de sua esposa.
Joseph
precisou se apoiar na parede ao seu lado, pois sentiu as forças lhe faltarem
por causa do súbito alívio. Ele não duvidou por um segundo da informação de
Kibble. Nem sequer ficou surpreso de que tivesse mandado vigiar Taylor. Ele
sempre fora um homem de iniciativa.
—
Estou satisfeito que não seja ela — Kibble acrescentou. — Lady Demetria e a
madrasta tiveram uma ótima conversa esta manhã. Acho que agora poderão se
tornar mais amigas. Isso vai ajudar lady Taylor a se sentir menos infeliz.
—
Você esteve ouvindo atrás da porta, Kibble!
Kibble
deu de ombros:
—
Você recomendou que vigiássemos lady Demetria, não foi? Só estava seguindo suas
instruções.
Joseph
sorriu. Soltando um suspiro, se voltou e cruzou novamente o hall para ir a seu
escritório, ciente de que Kibble o seguia.
—
Sei que o Sr. Hadley, lorde Lovato e você vão se encontrar para montar uma
estratégia. Gostaria de estar presente, se você não se importar — comentou
Kibble enquanto Joseph se sentava à escrivaninha.
—
Tudo bem — Joseph concordou, dirigindo o olhar pela janela. — Combinamos de nos
reunir quando o Sr. Hadley voltar do vilarejo.
—
Do vilarejo? — Kibble estranhou.
—
Ele recebeu um recado hoje cedo e disse que precisaria ir até lá para tratar de
alguma coisa. Imagino que logo deva estar de volta.
—
Muito bem. — Kibble se encaminhou à porta e então parou e disse: — Sei que você
não simpatiza nada com lady Taylor por causa da maneira como tratava sua
esposa, mas acho que deve dar a ela uma nova chance.
—
Vou pensar no assunto, Kibble. Só o tempo dirá se ela realmente merece essa
chance. Vamos ver como vai se portar daqui em diante.
Assim
que o mordomo saiu do escritório, Joseph girou a cadeira e ficou de frente para
a janela.
Embora
contente pela esposa de que a madrasta estivesse fora de suspeita, a situação
se complicava um pouco, pois a lista de nomes diminuía. E ele preferia pensar
que fosse Taylor do que, por exemplo, Mikey, que agora passava a ser o suspeito
mais provável.
Bastante
preocupado, Joseph deixou que seu olhar vagasse através da janela, mas não eram
as colinas ou as árvores que ele contemplava. Estava se recordando de Mikey
quando os dois eram crianças, brincavam de pega-pega, faziam travessuras e riam
muito. Estava se recordando do primo jovem, de olhos brilhantes ao falar de uma
nova aventura que os dois deveriam experimentar. Pensava no primo como um homem
adulto, como um possível assassino que tentava tirar a vida de sua mulher.
—
Filho, o que você está fazendo?
Voltando-se
para a porta, Joseph demonstrou surpresa ao ver lady Mowbray.
—
O que há, mãe?
—
Vim apenas lhe dizer que estou indo embora.
—
Indo embora? — ele perguntou, confuso. — Mas a senhora acabou de chegar.
—
Pois é, mas parece que Demetria e Taylor se entendem pela manhã e estão
tentando consertar seu relacionamento. Não quero me interpor entre elas. Vou
fazer uma visita aos Wyndhams e voltarei assim que lady e lorde Lovato
partirem.
—
Está bem, se a senhora acha melhor, mas quem lhe disse que elas haviam se
entendido? Kibble?
—
Não, a própria Demetria.
Joseph
dirigiu um olhar surpreso à mãe.
—
Demetria? Mas ela acabou de ir ao vilarejo.
—
Elas foram bem cedo ao vilarejo e há quase uma hora estão de volta. E você, por
que está aqui trancafiado a manhã toda?
Joseph
teve um estremecimento, espantando-se por ter passado tanto tempo meditando.
Olhou desanimado pela janela. O tempo não havia sido desperdiçado. Conseguira
chegar a uma decisão. Mikey era como um irmão para e, já era difícil imaginar
que pudesse fazer mal a alguém, quanto mais a Demetria. Mas ele precisava ter
certeza disso, de uma maneira ou de outra. Precisava confrontar o primo o mais
breve possível e descobrir a verdade por si mesmo.
—
Joseph — disse lady Mowbray —, espero que você não impeça a amizade delas.
Poder contar uma com a outra será bom para ambas.
—
Só vou interferir se Taylor se comportar como antes — disse ele,
automaticamente.
—
Assim que deve ser — respondeu a mãe satisfeita, calando-se por um momento.
Então ela caminhou e se interpôs entre o filho e a janela, bloqueando a visão
dele e forçando-o a prestar atenção a ela. — Acho que seria gentil se você me
acompanhasse até a porta.
—
Claro, minha mãe. Me desculpe. — Levantando-se rapidamente, ele pegou-a pelo
braço e caminharam até a porta do escritório. — Também preciso sair. Nos vemos
lá fora.
Demetria
aguardava ansiosa à porta. Podia ouvir que o marido e a sogra se aproximavam,
conversando. Com um sorriso contido no rosto, ela procurou não apertar as mãos
nervosamente quando eles se juntaram a ela.
—
Aqui está ela! — exclamou lady Mowbray, com um sorriso, abraçando Demetria e
depois afastando-a para dizer: — Vou sentir sua falta, querida. Você tem de
obrigar Joseph a levá-la para Londres assim que ele acabar com esse assunto por
aqui.
—
Faremos isso, milady — respondeu Demetria, nem um pouco animada ante a
perspectiva de voltar a frequentar a sociedade, mesmo de óculos.
Pela
expressão de lady Mowbray, ela demonstrou ter compreendido, mas simplesmente
sorriu e deu um tapinha nas costas de Demetria, voltando-se novamente para o
filho.
—
Dê um beijo em sua mãe, querido.
Inclinando-se
Joseph a beijou distraído, parecendo nem notar a frase que habitualmente o
incomodava.
De
sobrancelhas erguidas interrogativamente, a mulher mais velha olhou para a nora
sobre os ombros do filho. Demetria também não havia entendido a razão de ele
não ter reagido à provocação materna. Então Joseph tomou a mãe pelo braço e
rapidamente a acompanhou até a carruagem.
Depois
de instalá-la e fechar a porta, ele bateu duas vezes na lateral do veículo e
deu uns passos para trás. O cocheiro imediatamente chicoteou os cavalos e a
carruagem começou a andar. Lady Mowbray acenou e dirigiu um olhar preocupado
para eles, como se intuísse que alguma coisa estava errada com o filho.
Demetria
só poderia concordar com a sogra. Definitivamente, havia algo errado, pois Joseph
voltou-se de maneira brusca e caminhou em direção ao estábulo sem dizer uma
palavra a ela. Nem sequer notara que ela estava usando os óculos.
Demetria
e lady Mowbray haviam juntas planejado o esquema de ela aparecer de óculos para
o marido. As duas haviam conversado pouco depois de Taylor e ela chegarem do
vilarejo. Foi depois dessa conversa que lady Mowbray decidira fazer uma pequena
visita, prometendo retornar em alguns dias. Mas, para ficar sossegada de que
tudo estaria bem, pedira a Demetria que aparecesse de óculos para Joseph, antes
de sua partida. Embora relutante, Demetria concordara e ambas decidiram que ela
aguardasse de óculos à porta da frente para que o marido a visse quando a mãe
estivesse indo embora.
Entretanto,
o bobo havia estragado todos os planos. Ele nem havia percebido os óculos. Na
realidade, aparentemente ele nem notara sua presença ali, o que não era nada
usual. Estava distraído demais. E, pela expressão do rosto dele, algum mau
pensamento perturbava sua mente.
Demetria
levantou um pouco as saias e saiu correndo atrás dele.
—
Joseph?
—
O que é, meu amor? — ele perguntou aéreo, sem diminuir os passos.
Ela
gostou de ouvir o termo carinhoso, mas simplesmente perguntou:
—
Há algo errado?
—
Não, nada — ele negou, chegando ao estábulo, e logo começou a selar um cavalo.
—
Então aonde você está indo?
—
Tenho de ir até Wyndham.
—
Wyndham, seus vizinhos?
—
Nossos vizinhos — Joseph a corrigiu.
—
Nossos vizinhos! Mas por que precisamos ir até lá?
Ao
perceber a hesitação do marido para responder, Demetria agarrou o braço dele e
fez com que ele a encarasse.
—
O que está acontecendo?
—
Nada — ele respondeu, desviando o olhar para o cavalo.
Demetria
sacudiu o braço dele impaciente.
—
Então por que estamos indo ver Mikey?
Joseph
ficou em silêncio por um instante, depois voltou vagarosamente o olhar para
ela.
—
Você sabia que ele está lá?
—
Sabia.
—
Como?
—
Nós o encontramos no vilarejo e ele nos disse.
—
Meu Deus, ele poderia tê-la matado — Joseph murmurou de dentes cerrados. — Demetria,
não quero que você ande mais sozinha por aí.
—
Eu não estava sozinha, milorde, estava com Taylor e pelo menos quatro criados
nos seguindo na ida e na volta do vilarejo — ela argumentou, secamente. — E,
por favor, não comece a desconfiar de Mikey também. Sei que Hadley desconfia
dele, mas acho que você tem mais bom senso. Mikey jamais faria mal a alguém.
Joseph
soltou um suspiro impaciente.
—
Kibble colocou homens para vigiar Taylor desde que ela chegou. Segundo eles,
não foi ela quem envenenou a torta, o que nos deixa com apenas um suspeito.
—
Mikey!? — Ela meneou a cabeça. — Não acredito.
—
Também não acreditei de início, mas, de acordo com Hadley, ele está precisando
de dinheiro e seria meu herdeiro, se você não estivesse por perto. Além disso,
ele é a única pessoa que está aqui e esteve em Londres na mesma época que nós.
E Wyndham fica a apenas meia hora de distância, sendo muito fácil se infiltrar
em casa e deixar a torta ao lado de sua cama. — Virando-se, ele cingiu a sela e
recomendou:
—
Não saia de casa até eu voltar.
Sem
esperar resposta, Joseph tirou o cavalo do estábulo, montou-o e rumou para
Wyndham.
Demetria
o observou partir, preocupada. Ela não acreditava de jeito algum que Mikey
estivesse por trás de todos os seus acidentes. Joseph só podia estar
perturbado. Por Deus, nem sequer notara que ela estava usando os óculos.
Era
uma estupidez estragar uma amizade de infância, ela lamentou, retornando à casa
com as palavras de Joseph ecoando-lhe na cabeça.
Ele
é a única pessoa que está aqui e esteve em Londres na mesma época que nós. Era
isso o que os homens comentavam quando ouvira a conversa deles na biblioteca.
Taylor também estivera nos dois lugares. Ainda bem que não havia prova alguma
contra ela. E Mikey havia sempre sido muito gentil com ela todas as vezes que
haviam se encontrado antes do casamento e mesmo naquela manhã, no vilarejo.
Não,
pensou, convencida. Deve haver outra pessoa. Alguém.
Demetria
diminuiu os passos de repente. Um pensamento lhe assaltou a mente. E havia
mesmo. Mas não, refletiu imediatamente, não poderia ser. Ou será que poderia?
Demetria
entrou em casa e se dirigia ao quarto, mas resolveu mudar de direção e foi para
a biblioteca. Precisava pensar a respeito.
—
Primo! — Mikey entrou no salão onde Joseph o aguardava, com um largo sorriso de
boas-vindas no rosto. — Pensei que você fosse estar ocupado demais com sua
mulher para visitas, senão eu mesmo teria ido vê-lo.
—
Estou com a casa cheia de hóspedes no momento. Um a mais não faria diferença.
—
Na verdade, eu sabia disso e achei que vocês não precisassem de mais um.
—
Como você ficou sabendo?
O
olhar de Mikey mostrou surpresa diante do tom áspero de Joseph.
—
Tia Isabel havia acabado de chegar alguns minutos antes de você e comentou
comigo. Aliás, eu a acompanhava até o quarto quando o mordomo de lorde Wyndham
subiu para anunciar sua chegada.
—
Ah... — Joseph ponderou que se Mikey estivesse rondando Mowbray nos últimos
dias, ele saberia que havia visitas lá, de outra maneira...
—
Então, a que devo sua visita? — Mikey perguntou, sentando-se na cadeira ao lado
do primo. — Você precisa de alguma ajuda com sua esposa? Algum conselho para
conquistá-la ou algo assim? Estou à sua disposição, como sempre.
Joseph
apertou os lábios. Não dava para acreditar que aquele homem estivesse tentando
assassinar Demetria. Só um cantinho de sua mente ainda tinha alguma dúvida e
essa era a razão de estar ali. Precisava esclarecer.
—
Mikey, na noite do baile de Lovato — Joseph perguntou de chofre, surpreendendo
o primo.
—
O que tem o baile?
—
Não foi você que deu aquele bilhete para o menino entregar a Demetria, foi?
—
Claro que não. Pois se fui ao baile para falar com ela pessoalmente para ir ao
seu encontro, como havíamos planejado. Por que enviaria também um bilhete? —
Mikey fez uma pausa, pensativo. — Sabe que teria sido uma boa ideia. Teria me
poupado a ida àquele baile que, por sinal, estava bem maçante, ainda que eu
tenha ficado por tão pouco tempo lá.
—
A que horas você saiu?
—
Pouco depois que falei com você. Bem, um pouco depois disso por que tive
dificuldade de encontrar Jeevers. Assim que o encontrei, avisei que estava indo
embora e fui. Fui para o Staudt e perdi uma pequena fortuna lá.
Joseph
sabia que Staudt era uma casa de jogo bastante suspeita.
—
Você foi sozinho?
—
Não. Passei no caminho pela casa de Thoroughgood e ele foi comigo. Mas por que
todas essas perguntas, Joseph? — Mikey estranhou.
Mikey
comprimiu os lábios ao ver que Joseph hesitava e disse, calmamente:
—
Tia Isabel me contou que Demetria foi envenenada outro dia. Acho que isso
significa que você estava certo ao pensar que alguns dos acidentes foram atentados
contra a vida dela.
Joseph
deu de ombros e evitou o olhar do primo.
—
Ela também me disse que você, Hadley e lorde Lovato estão tentando descobrir
quem é o responsável pelos “acidentes” de Demetria e que concordam no ponto de
que deve ser alguém que esteve com vocês em Londres e está aqui agora.
Joseph
se movimentou, desconfortável, na poltrona em que estava sentado.
—
Como eu — Mikey comentou e, ao ver que Joseph se sentiu acuado com o
comentário, deu um pulo da poltrona, pondo-se em pé. — Você desconfia de mim!
—
Não gostaria de desconfiar — Joseph assegurou, prontamente —, mas como você
mesmo disse, se Hadley afirma que foi alguém que esteve lá e aqui...
—
Muito obrigado — disse Mikey, mostrando-se magoado. — Depois de tudo o que fiz
para ajudar vocês, sem falar de todos os nossos anos de convivência... e ouvir
que você me julga um louco assassino?
—
Não sou eu que estou julgando, Mikey...
—
Por que cargas d’água eu haveria de querer assassinar Demetria? Será que Hadley
não parou para pensar que eu não teria motivo algum?
—
Na realidade, ele acha que você teria.
Mikey
piscou confuso e perguntou incrédulo:
—
Deus, que motivo eu poderia ter?
—
Ele ouviu rumores de que você tem tido problemas financeiros.
Mikey
deu uma risada de desdém.
—
É só isso mesmo: rumores. E fui eu mesmo que espalhei. Mas isso seria um motivo
para eu querer matar sua mulher?
—
Com Demetria viva, você não seria meu herdeiro.
—
Na verdade, seria mais provável eu pensar em matar você e me casar com ela, se
eu tivesse qualquer intenção. Desde que a vi, fiquei encantado com ela. Se a
tivesse conhecido melhor para saber que não era por vaidade que ela não usava
os óculos e não tivesse havido aquele incidente com o chá, talvez eu estivesse
casado com ela hoje. Joseph fechou a cara ao ouvir do primo a sugestão de que
poderia estar casado com Demetria e então perguntou, em tom bravo:
—
Por que você soltaria o boato de que está em má situação financeira?
Mikey
ficou sem-graça e foi a vez de ele evitar o olhar do primo.
—
Estou interessado em uma certa lady que apareceu nesta temporada. Ouvi dizer,
porém, que ela é uma interesseira. Por isso, comentei aqui e ali que estava em
dificuldade para testá-la.
—
Verdade, mesmo? — Joseph perguntou, surpreendendo-se ao ver o constrangimento
do primo. Tudo indicava que Mikey estava seriamente interessado pela mulher em
questão. — Quem é ela?
—
Mudemos de assunto, vamos falar sobre Demetria e seu provável assassino.
Joseph
concordou com a cabeça. Seu primo estava certo. Poderiam falar sobre a vida
amorosa dele em outra ocasião.
—
Se não é Taylor, e nem eu... Eu lhe asseguro que não sou eu. — Dirigiu um olhar
frio ao primo. — A propósito, você pode perguntar a Thoroughgood sobre aquela
noite e ele vai confirmar que eu estava bem distante de Lovato quando o fogo
começou. E você também tem minha permissão para perguntar ao meu contador sobre
minha verdadeira situação financeira.
—
Não há necessidade — Joseph murmurou, constrangido de tê-lo acusado. Ele
deveria ter acreditado em sua intuição. Mikey não era o suspeito.
—
Sei — Mikey resmungou, contrariado. — Parece que há, sim, ou você não teria
vindo até aqui para me investigar.
—
Veja, realmente não acreditava que fosse você, mas precisava ter certeza. Peço
que me perdoe.
—
De qualquer maneira — Mikey o interrompeu —, como eu ia dizendo, se é certo que
não é Taylor e eu sei que não sou eu, quem pode ser?
Joseph
suspirou.
—
Só restam os criados, ou alguém que nem imaginamos que seja.
—
Você disse os criados?
—
Disse — Joseph confirmou. — Embora nenhum tenha motivo.
—
Bem, nem eu tinha, mas você desconfiou de mim — Mikey disparou.
—
Não se zangue comigo por causa disso. Afinal, foi você o idiota que saiu por aí
dizendo que estava quebrado e dando motivo para suspeita. Não eu.
Mikey
bufou.
—
Voltemos aos criados.
Joseph
balançou a cabeça.
—
Como eu disse, não temos motivo para suspeitar de nenhum deles. Além disso,
temos uma criadagem aqui e outra na cidade. Os únicos que trabalham nos dois
lugares são Keighshley e Joan.
—
Joan é a criada pessoal de Demetria, não é?
Joseph
fixou o olhar nele.
—
O que você está insinuando? Conheço bem essa sua expressão.
—
Nada, nada. Provavelmente estou enganado — alegou Mikey, aborrecido por não
conseguir controlar suas expressões.
—
Por favor, Mikey, me diga o que quer que tenha lhe passado pela cabeça. Mesmo
que seja uma bobagem. — Joseph impacientou-se.
—
É que na noite do baile de Lovato quando eu entrei na casa novamente... eu lhe
disse que demorei um pouco para encontrar Jeevers.
—
Sim, disse. E aí?
—
Quando o encontrei e avisei que já estava indo, ao passar pelo hall Demetria e
a criada estavam descendo a escadaria e voltando ao baile. — Mikey hesitou um
pouco e depois disse: — A criada me lembrou alguém, é só isso, mas não poderia
ser ela.
—
Não poderia ser quem? Quem ela o lembrou?
—
Uma atriz que vi várias vezes no palco — disse Mikey finalmente e acrescentou:
— Mas não poderia ser ela. Soube que ela havia falecido em um incêndio.
—
Em um incêndio? — Uma campainha pareceu soar no fundo da cabeça de Joseph,
ativando sua memória. — Qual era o nome dessa atriz?
—
Molly Fielding — respondeu Mikey, e Joseph deu um soco no braço da poltrona em
que estava sentado. No mesmo minuto, pôs-se em pé e caminhou até a porta.
—
Ei! — Mikey correu atrás dele. — Onde é que você está indo?
—
Você se lembra do nome do homem que raptou e enganou Demetria para se casar com
ela quando adolescente? — Joseph perguntou, enquanto atravessava o hall. Sua
voz estava embargada.
—
Capitão Fielding — respondeu Mikey, seguindo Joseph que saía da casa e se
dirigia ao estábulo.
—
Segundo consta, o capitão Fielding estava com uma irmã quando a encontraram na
estalagem e viajaram com ela para vários lugares até chegar a Gretna Green.
—
Pode ser uma coincidência — Mikey alertou o primo. — Eu disse que a criada se
parecia com Molly Fielding, pois, como lhe disse, essa Molly sumiu de cena
porque morreu no incêndio.
—
Essa Molly Fielding deve ser a irmã do capitão Fielding porque Hadley comentou
que a irmã dele havia morrido em um incêndio — Joseph insistiu.
Eles
já haviam chegado ao estábulo, e Joseph caminhou toda a extensão das baias à
procura do local onde havia deixado o cavalo.
—
Muito bem — Mikey admitiu. Ele havia parado junto à segunda baia e a abrira
para deixar seu cavalo sair. — Mas se você mesmo diz que ela morreu, como a
empregada de Demetria poderia ser Molly?
—
Não sei, mas as peças se encaixam — disse Joseph ao finalmente encontrar o
próprio cavalo. Ele conduziu o animal para fora, emparelhando-o com o de Mikey,
para colocar a sela. — Ela estava em Londres e veio para cá, tem acesso ao
quarto de Demetria e foi ela que tirou Demetria do baile para receber meu
suposto bilhete.
—
Mas naquela ocasião não foi você quem disse que, dentre todos, ela saberia que Demetria
não poderia ler o recado. Por que enviaria então?
—
Não sei — Joseph confessou. — Possivelmente por isso mesmo. Ela sabia que Demetria
não conseguiria ler sem os óculos e ninguém iria desconfiar que ela faria isso.
Eu mesmo não desconfiei dela. Além disso, seria fácil para ela marcar a hora em
que o bilhete deveria ser entregue e estar por perto. Ah, como ela foi
prestativa em toda essa circunstância.
—
Mas como Demetria não a reconheceria, homem? — Mikey questionou.
—
Sem os óculos, ela não enxerga nada bem, não é? E acredito que Joan não esteja
há muito tempo com ela.
Demetria
comentou alguma coisa sobre sua criada aqui no campo... chamava-se Violet.
Havia sido criada da mãe e estava muito idosa para ficar indo e vindo entre o
campo e a cidade. Ela se aposentou quando Demetria foi para Londres. — Ele
meneou a cabeça. — Demetria provavelmente nunca viu Molly com os óculos. Ela...
—
O que foi? — Mikey perguntou, quando o primo parou de repente.
—
Parece que as coisas vão mesmo fazendo sentido. Taylor havia encomendado óculos
novos para Demetria antes do casamento. Creio que chegaram na véspera e Joan
subiu correndo para entregá-los a Demetria. A versão de Demetria é que
acidentalmente bateu na mão da criada que os deixou cair. Agora me pergunto se
foi mesmo a mão de Demetria que os fez cair, ou se isso foi o que Joan disse.
Quem garante que não foi ela que os atirou para que se quebrassem e para que Demetria
não pudesse vê-la e reconhecê-la.
—
Hum. Parece possível. Mas por que Joan, ou melhor, Molly iria querer a morte de
Demetria?
—
Fielding morreu na prisão — Joseph lembrou-o. O dois conduziram os cavalos para
fora do estábulo. — Talvez ela culpe Demetria, afinal ele foi preso pelo que
fez minha mulher.
—
Que droga! — Mikey exclamou ao montarem nos cavalos. — É como digo sempre. É
tão difícil encontrar gente de confiança hoje em dia. Já é ruim o bastante
quando tentam nos roubar, mas agora temos de nos preocupar que tentem nos
matar?
Joseph
blasfemou, depois bateu com os saltos no animal para rapidamente cavalgar para
casa. Sentia-se reconfortado de que o primo o tivesse perdoado a ponto de
acompanhá-lo. Estava tão bravo naquele momento que poderia matar a criada com
as próprias mãos. Se ela tivesse tocado em um único fio do cabelo de Demetria
enquanto estava ausente, era o que faria. Nem mesmo Mikey seria capaz de
detê-lo.
sorry demora, ando meio que ocupada.
esta acabando essa historia e a proxima tambem é adaptada, so preciso decidir qual
bjemi
Meu Deus eu nem imaginava.
ResponderExcluirTou impactada que capítulo.
Ameii 😙❤
Amei, nunca desconfiaria da Joan, posta logo
ResponderExcluirAi que bom que a Demi e atyalor vai se entender, deu pena da Taylor. Eu desconfiei da Joan quando o óculos quebrou antes do casamento mas deixei pra lá, agora certeza que é ela
ResponderExcluirPOSTA LOGO